Alegoria ao Amor de Francesco Bartolozzi

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A Capital

O primeiro número de A Capital de sexta-feira, 1 de Julho de 1910.


 

Fundado por Manuel Guimarães, o primeiro número de A Capital foi publicado na sexta-feira 1 de Julho de 1910, três meses antes da implantação da República em Portugal. Tinha quatro páginas a sete colunas. 

Jornal intelectual, seguindo os passos de A Luta, o jornal republicano fundado em 1906 por Brito Camacho, futuro dirigente do Partido Unionista, foi um dos mais lidos jornais portugueses da época da República, tendo congregado alguns jornalistas de renome como Tito Martins, Henrique Trindade Coelho, apoiante de Sidónio Pais e director de O Século, Joaquim Manso, director do Diário de Lisboa em 1921, Reinaldo Ferreira, o célebre Repórter X, Norberto de Araújo, olissipógrafo erudito, Hermano Neves, repórter de guerra, em França em  1914, André Brun, humorista e autor de A Vizinha do Lado e A Maluquinha de Arroios, assim como de Virgínia Quaresma, a primeira mulher jornalista, após ter sido a primeira licenciada pela Faculdade de Letras de Lisboa, criadora da primeira agência de publicidade e redactora principal de Alma Feminina, publicada de 1907 a 1908. 

Na primeira coluna, no local dos futuros artigos de fundo e com o título "O Nosso Posto", o jornal apresentava-se como republicano e afirmava que se propunha "lutar, combater, doutrinar, influir por todos os meios ao alcance da nossa mediania, mas com a intensa dedicação das nossas convicções ardentes, para que o povo português, rompendo com o prejuízo histórico que faz dele o mais atrasado e o mais miserável dos povos da velha Europa, sem direitos e sem regalias, sujeito aos caprichos do poder relegado à condição ínfima de servo, ganhe pelo estabelecimento dum governo de todos, por todos e para todos, que é o governo da República, a consciência da soberania e adquira as virtudes políticas que são a base e o fundamento da dignidade cívica". 

O jornal foi fundamentalmente informativo e não doutrinário. Os seus ideais políticos exprimia-os numa frase, que tinha sido escrita no primeiro dia: "Jornal do Povo, pelo Povo e para o Povo."

Em 1 de Julho de 1917, assinalando a passagem do oitavo ano de publicação, a direcção do jornal escreveu: "O que fizemos até hoje continuaremos a fazê-lo. É preciso desenvolver o país, dar expansão às iniciativas fecundas, harmonizar os interesses das classes, criar a plenitude social. A República pode, deve e há-de fazê-lo." 

E concluía, afirmando que "A Capital tem sido uma folha bem portuguesa e bem republicana. Assim será até ao seu último dia. No culto que prestamos à Pátria a à República está a nossa própria vida, a suprema razão de ser da nossa existência."

O jornal não se publicou várias vezes, quase sempre devido aos golpes de estado, revoluções, sublevações, greves, e outros acontecimentos políticos e sociais que caracterizaram a instável vida da República. A primeira vez em no Sábado, 15 de Maio, devido ao golpe que depôs Manuel de Arriaga e Pimenta de Castro. Mais tarde, em 6 e 7 de Dezembro de 1917, devido ao Golpe de Estado de Sidónio Pais. O jornal acolheu bem a queda do governo da União Sagrada, dirigido por Afonso Costa e o estabelecimento do regime sidonista.

Como se afirmava no artigo de fundo, em 8 de Dezembro, "À hora em que escrevemos, considera-se absolutamente triunfante o movimento revolucionário que se iniciou em Lisboa no dia 5. (...) O que é certo é que [a revolução] encontrou uma atmosfera propícia, mercê dos erros profundos dos democráticos (...). O jornal afirmava que "há muito tempo que ... apontávamos os erros do governo."

A 18 e 19 de Novembro de 1918 não se publicou novamente  devido à greve dos tipógrafos, uma situação de conflito generalizado entre as empresas jornalísticas e os gráficos, que deu origem à proclamação de uma greve geral que durou até dia 21. Como António José Telo escreveu "a resposta do Governo teve a brutalidade que já se esperava: ao alvorecer do dia 18 são feitas rusgas gigantescas em Lisboa e na margem sul, realizando-se mais de 300 prisões preventivas especialmente entre os comités de greve conhecidos graças à acção da Polícia Preventiva enquanto as estações são ocupadas militarmente."

Quando voltou a ser publicado, A Capital escrevia, no dia 20 de Novembro: "Lisboa assumiu, durante os últimos três dias, uma atitude interessante. Os boatos eram de estarrecer: falou-se, nem mais nem menos, que na subversão total da ordem e na distribuição equitativa das riquezas, com soviets e o resto. Uma Rússia em pouco pequeno!"

Esteve também impedido de sair durante duas semanas (16 a 29 de Dezembro de 1918) por ter sido assaltado, logo a seguir à morte de Sidónio Pais, acontecida dois dias antes, numa época em que atacava nos seus artigos de fundo a solução presidencialista do regime de Sidónio Pais.

Numa época em que os monárquicos estavam integrados no situação, as suas opiniões podiam ser consideradas indefinidas. De facto, no último número antes do assalto, escrevia-se no artigo de fundo: "A monarquia não é absolutamente incompatível com o regime democrático. Sem dúvida, a sua mais perfeita expressão é a republicana, mas uma monarquia constitucional que fielmente observe o seu estatuto pode e deve fazer obra de democracia."

No artigo de fundo publicado no dia 30 diz que reaparece num momento de crise para a República, a morte de Sidónio Pais, "que deve ser dolorosa para o nosso espírito patriótico, mas que não pode desconcertar o nosso espírito observador." Para o jornal "a aparição dessa grande figura que foi a do Dr. Sidónio Pais na história portuguesa de forma alguma se pode considerar como fortuita ou efémera. Na evolução da sociedade nacional, nos destinos da República, a aparição do presidente extinto surge-nos como a duma dessas altas individualidades que se revelam no momento próprio e nas circunstâncias precisas."  A "cisão na nossa sociedade ... não é maior do que a cisão que dividiu essa mesma sociedade nos alvores do constitucionalismo. Um movimento, afortunadamente denominado Regeneração, aplacou, serviu, fez retomar o equilíbrio a essa sociedade, tão profundamente convulsionada."  E concluía: "Se a herança do Presidente Sidónio Pais for essa reconciliação, essa paz, essa regeneração da Pátria e da República, eternamente abençoarão a sua memória todas as gerações do futuro." 

Como afirma Mário Matos e Melo, "o 28 de Maio é recebido com alguma desconfiança e o jornal insiste na necessidade de se defenderem as instituições republicanas." No número do dia 28 afirmava que "É preciso salvar a República e a Liberdade"; e no dia 29 escrevia: "Republicanos, é preciso vencer quer a ditadura do Governo, quer outra que se esboce em nome dos altos interesses da Pátria." 

Quando o general Gomes da Costa afastou Mendes Cabeçadas, o jornal publicou um artigo de fundo intitulado "A Situação" em que se afirmava: "Tudo indica que a crise não será de longa duração. Supomos que dentro de 24 horas todas as obscuridades desaparecerão do cenário político. Aconteça o que acontecer, a posição de A Capital será a mesma de sempre. Somos republicanos de princípios e assim continuaremos a ser. Batalharemos amanhã como ontem pela Democracia e pela Liberdade. Esta não perecerá. Jamais!" 

Em 24 de Junho de 1926 informou, com grande destaque, que fora "visado pela censura". Viria a ser suspenso em 27 de Agosto de 1926, uma sexta-feira, quando ia no número 5.309. Passou a publicar-se apenas para conservar a propriedade do título. 

 

 

© Manuel Amaral 2009-2010

 

Bibliografia

A Capital

Mário Matos e Melo, Jornais Diários Portugueses do Século XX, Coimbra, Ariadne Editora / Ceis 20, 2006

Rocha Martins, Pequena História da Imprensa Portuguesa, Lisboa, Editorial Inquérito, 1941