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Manuel Emídio Garcia
Manuel Emídio Garcia

 

Garcia (Manuel Emídio).

 

n.     6 de outubro de 1838.
f.      15 de outubro de 1904.

 

Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, e lente catedrático aposentado da sua faculdade, escritor, jornalista, etc.

Nasceu em Bragança a 6 de outubro de 1838, faleceu em Lisboa a 15 de outubro de 1904. Era filho de Leonardo Manuel Garcia, comerciante de Bragança, homem de ideias avançadas que tomou parte em todas as lutas liberais, e por causa delas foi deportado para Freixo de Espada à Cinta.

Depois de estudar os preparatórios em Bragança, na maior parte ensinados por seu pai, fez os respectivos exames no Liceu de Coimbra, matriculando-se depois no primeiro ano de Direito na Universidade em Outubro de 1856. Foi um dos estudantes mais distintos do seu curso, obtendo as honras de accessit e prémios pecuniários. Em 1857 matriculou-se também no curso administrativo e nas respectivas aulas de Filosofia, em que alcançou igualmente as honras de accessit. Na formatura teve informações muito distintas; frequentou em seguida o 6.° ano para se habilitar ao doutoramento. Defendeu brilhantemente as suas teses em 17 de julho de 1862, fez exame privado em 24, recebendo o grau de doutor no dia 27, em, cuja cerimónia teve por padrinho o bispo conde D. José de Lemos. Foi o Dr. Manuel Emídio Garcia o último doutorando que na Universidade fez exame privado. Este exame, em virtude do decreto de 19 de novembro de 1863, ficou substituído pelo exame de licenciado, que se faz publicamente na sala grande da universidade. Sendo ainda estudante, colaborou com outros académicos na revista Prelúdios Literários. Entre os artigos publicados, merecem especial menção os que escreveu sobre a importância do estudo da língua latina. Pertencendo já ao 4º e 5º anos do curso afirmou-se como orador notável em várias discussões científicas, realizadas no Instituto de Coimbra, de que fora nomeado sócio efectivo em 1859, discussões em que tomaram parte muitos catedráticos da universidade.

Salientou-se também como orador político em reuniões realizadas em Coimbra, na Associação dos Artistas, de que foi um dos mais antigos sócios honorários, na Associação Liberal, que ele fundou, e cujos estatutos elaborou; em comícios anti-reaccionários no Porto, onde o propuseram para deputado republicano, em 1881, pelo bairro ocidental, mas cuja eleição se não realizou. Concorrendo em outubro de 1864 a um dos lugares de lente substituto extraordinário da faculdade Direito, ficou classificado em primeiro lugar, sendo quatro os concorrentes. Em 1865 passou a substituto ordinário e em 1871 a lente catedrático, regendo até 1880 a cadeira de direito administrativo, acumulando por vezes outra cadeira. Em 1881 foi convidado pela sua faculdade a reger a cadeira de direito público, de que teve propriedade até à data da sua aposentação. O dr. Manuel Emídio Garcia foi o iniciador e propugnador do movimento experimentalista nas ciências sociais, já nas suas prelecções, já em numerosos trabalhos publicados em vários jornais, especialmente na Correspondência de Coimbra, Partido do Povo e Positivismo Foi ele o mais devotado propagandista da filosofia positivista de Augusto Comte em Portugal. Foi também o iniciador e renovador do moderno movimento da ciência criminalista e direito penal, como atestam os seus trabalhos publicados na Correspondência de Coimbra, 1872-1873, a propósito da implantação do regime penitenciário, e a sua prelecção na cadeira de direito penal em 1884. Por este motivo levantaram alguns jornais, e nomeadamente a Gazeta de Portugal, então redigida pelo visconde de Algés, a crítica sobre as novas doutrinas professadas e propagadas pelo professor da Universidade, que fez conhecidos entre nós os trabalhos de Emílio Girardin, Quetelet, Mandsley e outros. Tanto as doutrinas positivistas, como as novas teorias sobre criminalidade e direito penal, provocaram censuras, acusações mais ou menos graves, e doestos sobre o ilustrado professor e ousado jornalista. No dia 30 de Março de 1873, o dr. Manuel Eduardo da Mota Veiga, lente de Teologia, celebrou na sé de Coimbra uma conferência acerca das novas doutrinas positivistas ensinadas na Universidade, na qual fez insinuações ao Dr. Emídio Garcia. Daqui se originou uma interessante polémica, que se pode ver na Correspondência de Coimbra, de 1873, n.º 15 e seguintes. O Bem Publico, incitando o Dr. Mota Veiga a prosseguir na questão, publicou artigos no mesmo ano, n.os 41, 42 e 43. Também se pode ver o Correio do Sul, de Lisboa, do mesmo ano, n.os 84 e 109, e mais tarde a Ordem, em 1879, n.º 108, e o Progresso Católico, de 1880, n.º 3.

O dr. Emídio Garcia foi procurador à Junta Geral do Distrito de Coimbra, como representante dos Concelhos de Góis e Pampilhosa, nos biénios de 1870-1872 e 1872-1874. No exercício deste cargo propôs a extinção da roda dos expostos para a substituir por um hospício de abandonados, e de admissão restrita e motivada, lançando as bases e traçando o plano duma larga e profunda reforma neste ramo de administração distrital, que depois de porfiada luta e vencidas muitas contrariedades, a junta geral adoptou e o governo sancionou. Além de ter escrito e apresentado à junta um extenso relatório e as bases orgânicas da sua reforma, num volume de perto de 160 páginas, fez o regulamento e os modelos para a escrituração e mais serviços daquele novo instituto de beneficência. Em 1889 foi eleito, pelo Conselho da Faculdade de Direito, seu delegado ao Conselho Superior de Instrução Pública, onde apresentou e sustentou calorosamente uma série coordenada de importantes propostas tendentes a transformar e ensino secundário no sentido da liberdade do ensino particular, e outras destinadas a melhorar o ensino superior, garantindo a necessária independência, a maior consideração oficial, a remuneração condigna e a elevação moral e científica do respectivo professorado, a sua incompatibilidade com outras funções, a aposentação forçada aos vinte e cinco anos, sem limite de idade, o aproveitamento útil dos aposentados, etc. Todas estas propostas, que o conselho adiou para serem estudadas, foram bem recebidas pela opinião pública e aplaudidas na imprensa, especialmente A Esquerda Dinástica, em Outubro de 1889. O dr. Emídio Garcia era casado com D. Cândida Guilhermina Furtado Garcia, de cujo matrimónio houve dois filhos: o sr. dr. Manuel Emídio Furtado, advogado e 2.º oficial do Ministério da Fazenda, e o sr. António Garcia, ultimamente em Roma, estudando canto. Foi um dos iniciadores do centenário de Camões em Coimbra. Pronunciou de improviso um dos seus mais brilhantes discursos na igreja dos Congregados, do Porto, por ocasião das exéquias de Alexandre Herculano, celebradas por iniciativa da redacção do Comércio Português, de que o dr. Garcia fazia parte. Este discurso causou enorme escândalo, e resultou-lhe as mais acres censuras da imprensa clerical, sendo altamente apreciado pela imprensa liberal e democrática, que chegou a comparar o dr. Emídio Garcia com Gambeta. Foi publicado no mesmo jornal, de 21 de setembro de 1877. São também notáveis as grandes polémicas que sustentou com António Rodrigues Sampaio.

Bibliografia. Teses ex universo jure selectœ, Conimbracœ 1862; Estudo sobre a legislação das aguas; dissertação inaugural para o acto de conclusões magnas, Coimbra, 1862; Beneficência Pública, A roda dos expostos, Parecer e projecto de reforma apresentados à Junta Geral do Distrito de Coimbra, Coimbra, 1871; Relatório e parecer apresentado ao claustro pleno da Universidade pela Comissão encarregada de estudar as reformas da instrução superior, e responder às questões indicadas na portaria do Ministério do Reino de 6 de Julho de 1866, Coimbra, 1867; foi reimpresso em 1882; Organização do curso administrativo, Relatório e voto especial do Dr. Manuel Emídio Garcia, membro da Comissão encarregada pela faculdade de Direito de redigir o projecto de resposta aos quesitos pertencentes à mesma faculdade indicados na portaria do Ministério do Reino de 6 de Julho de 1866, Coimbra, 1867; Estudos critico históricos: O Marquês de Pombal; lance de olhos sobre a sua ciência política e sistema de administração; ideias liberais que o dominaram; plano e primeiras tentativas democráticas, Coimbra, 1869; Faculdade de Direito; programa da quarta cadeira para o ano respectivo ao ano lectivo de 1885-1886, Coimbra, 1885.

Além dos livros e folhetos mencionados, o dr. Emídio Garcia tinha grande quantidade de trabalhos sobre vários assuntos, em jornais políticos, literários e científicos, e em livros onde colaborou. Mencionaremos o seguinte: no livro Estudo sociológico, elaborado por uma comissão de estudantes do 3.° ano de Direito, discípulos do dr. Garcia, e impresso em 1880 em Coimbra; é do abalizado professor a carta da apresentação e a introdução aquele “Estudo; Discurso acerca de Luís de Camões”, recitado na sala dos actos grandes da Universidade; saiu no Instituto, vol. XVII, pág. 585; “Importância dos estudos históricos nas ciências jurídico sociais e o ensino da história em Portugal”, no Instituto, vol. XIX; “O que foi a revolução de 1820”, na Discussão, do Porto, de 24 de agosto de 1884; “Teoria dos partidos políticos”, no Século, jornal de Coimbra, 1877; “A Instrução Secundária em Portugal”, no Positivismo, do Porto, agosto, setembro, outubro e novembro de 1880; “Biografia do Dr. Augusto Maria Alves da Veiga”, na Galeria republicana, n.º 14, publicada em Lisboa, 1882; “As comemorações cívicas em honra e para glória da humanidade”, no Álbum Literário, publicado no Porto em 1880, por ocasião das festas do tricentenário de Camões; “O marquês de Pombal e a liberdade do ensino”, na Evolução, jornal de Coimbra, 1882; “O marquês de Pombal”, estudo importante, publicado a pág. 111 da 2.ª parte do livro intitulado: O marquês de Pombal, obra comemorativa do centenário da sua morte, mandada publicar pelo Clube de Regatas Guanabarense do Rio de Janeiro, Lisboa, 1885. Fundou em 1870 o Trabalho, semanário democrático, que foi o primeiro jornal francamente republicano que se publicou em Coimbra. Em 1893 publicaram-se os Apontamentos de algumas prelecções do Dr. M. Emídio Garcia no curso de ciência política e direito político, coligidos pelos alunos do mesmo curso, padre A. Camelo e Abel Andrade.

 

 

 

 

Manuel Emídio Garcia
Album Republicano

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume III, pág
s. 693-694.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
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