Portugal - Dicionário

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
O Portal da História Dicionário > Luís Leite Pereira Jardim, conde de Valenças
Luís Leite Pereira Jardim
Luís Leite Pereira Jardim

Valenças (Luís Leite Pereira Jardim, conde de).

 

n.      15 de setembro de 1841.
f.       16 de outubro de 1910.

 

Doutor em Direito e lente desta faculdade na Universidade de Coimbra, funcionário público, diplomata, sócio da Academia Real das Ciências, deputado, par do Reino, grande proprietário, lavrador, escritor, jornalista, etc. Nasceu em Coimbra a 15 de setembro de 1841, faleceu em Lisboa a 16 de outubro de 1910. Era filho do visconde de Monte-São, dr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, lente de prima na Universidade, e de sua mulher, D. Guilhermina Amália Leite Ribeiro Freire. 

Desde muito novo demonstrou a sua aplicação ao estudo, galgando depressa, ajudado pela sua lúcida inteligência, dos preparatórios aos estudos superiores, sempre afirmando-se um dos primeiros estudantes do seu tempo. Matriculando-se na faculdade de direito na universidade, ali foi constantemente laureado em todos os anos letivos, pelo que na mesma faculdade defendeu teses Ex Universo Jure, em 1866, as quais se publicaram nesse ano, fazendo também exame de licenciado, obtendo o grau de doutor a 27 de janeiro de 1867. Também em 1866 publicou a sua dissertação inaugural para o ato de conclusões magnas, com o título de Estudos sobre a organização judiciária, na qual desenvolveu o argumento proposto pela faculdade de direito em congregação de 18 de dezembro de 1865: "Na reforma da organização judiciária, qual dos sistemas é preferível: a renovação dos juizes singulares nas primeiras instâncias, ou a sua substituição por tribunais coletivos?" Afeiçoado desde a juventude à carreira das letras, escreveu na Crisálida, jornal literário dirigido por Duarte de Vasconcelos, e em A Folha, dirigida por João Penha, ora versos, ora artigos de crítica literária e artística. Também colaborou, e distintamente, em diversos jornais de Coimbra, Lisboa e Porto, especialmente no Instituto de Coimbra, e no Diário Popular, de Lisboa, de que foi um dos proprietários nos primeiros tempos, assim como do Correio da Noite, e em diferentes publicações literárias, cientificas e políticas. 

Em 1867 fundou com o dr. Manuel de Oliveira Chaves e Castro a Revista de Legislação e Jurisprudência, repositório de preceitos legais e de atos jurídicos. No Tribuno Popular e na Correspondência de Coimbra inseriu numerosas crónicas estrangeiras, secção especial a seu cargo oficioso, muitos outros artigos, sempre muito apreciados. Por decreto de 10 do novembro de 1870 foi nomeado para secretário-geral do governo civil do Algarve, onde também chegou a servir como governador civil. Em 1871, sujeitando-se a concurso por provas públicas, em que eram dez os concorrentes e quatro os lugares, foi admitido lente da universidade, decisão que foi confirmada, na forma da lei, por decretos de 15 de março de 1871 e 10 de junho de 1873. Pediu então a exoneração do seu cargo de governador civil do Algarve, para se entregar à regência da sua cadeira, e exerceu as funções de lente durante seis anos. O destino, porém, não permitiu que ele continuasse no magistério da universidade, por ter sido escolhido, por decreto de 1 de maio de 1875, para a comissão encarregada de redigir o Código de Processo Criminal, motivo porque se exonerou de lento nos começos do ano de 1877, vindo então para Lisboa fixar residência. Conhecidas as suas poderosas faculdades, foi pouco depois eleito vereador da Câmara Municipal, e escolhido para seu vice-presidente, cabendo-lhe o pelouro da instrução. Dedicou-se então com os mais inteligentes e vigorosos esforços ao melhoramento do ensino elementar. Durante a sua gerência conseguiu que se concedesse a cada professor e professora de Lisboa, a verba anual de 100.000 reis para auxílio de renda de casas e para a mobília das escolas. Esta medida, além de muito contribuir para melhorar as condições da instrução primária, foi também a causa imediata e salutar de serem providas várias cadeiras, que estavam vagas no professorado municipal. À sua benemérita dedicação pela causa pública e ao seu muito prestigio, se deveram as seguintes concessões, que por proposta sua a câmara votou: à Associação Civilização Popular, mil seiscentos e trinta metros quadrados de terreno entre a calçada da Estrela e a rua do Quelhas, para aí se construir um grande edifício escolar; um subsídio anual à irmandade dos Passos de S. Caetano, para auxiliar a sua escola de ensino primário; um subsídio à escola da freguesia do Castelo de S. Jorge; um lugar de professor de ginástica na escola n.º 1; um lugar de professor substituto na escola municipal da rua da Inveja, e a construção do respetivo ginásio. Além destes, muitos outros benefícios e melhoramentos se deveram à sua incansável iniciativa. No ultimo período da sua gerência no município, escreveu e fez imprimir um magnifico relatório contendo o registo de todos os seus atos administrativos e a proposta para a reforma dos servidos da instrução primaria. Este livro não é um simples relatório, é um livro repleto de pensamentos judiciosos, de reflexões serias e de exemplos persuasivos. Nesse seu projeto de reforma reclamava, como obrigatórios nas escolas, os exercícios militares com instrutores do exército, dirigindo assim a educação da mocidade no sentido da melhor defesa futura do país, disposição essa de que, posteriormente, fez um projeto de lei, que foi presente ao parlamento em 1882. Infatigável nos seus propósitos civilizadores, solicitou e obteve a criação de duas escolas centrais de ensino primário: adquirindo e fazendo distribuir a todas as do município, objetos necessários para a proficiente e bem regularizada educação de um o outro sexo, tais como maquinas de costura (uma a cada escola do sexo feminino), livros elementares, esferas, armas de combate, mapas, etc. Desde então continuou sempre, já com os seus escritos, já com a sua palavra autorizada, a pugnar pelo aperfeiçoamento da instrução elementar do povo. Eleito deputado, em outubro de 1879, pelo círculo de Estremoz, apresentou logo numa das primeiras sessões a que assistiu, um largo projeto sobre a reforma da instrução primária em Portugal e seus domínios, que lhe valeu os mais alevantados elogios, tanto dos seus colegas da câmara como de toda a imprensa liberal. 

O rei D. Luís I, por esse tempo, teve a ideia de prover à necessidade pública, criando um asilo noturno para os que não têm teto amigo onde recolher os corpos extenuados. A auxiliar o intuito generoso do monarca, correram pressurosos muitos cidadãos filantrópicos e de ânimo valedor. O dr. Luís Jardim foi um dos primeiros, senão o primeiro a responder ao chamamento. A sua generosidade e filantropia desentranharam-se em esforços duma dedicação extraordinária Depois do rei, foi só ele a alma, o centro, a coragem, a perseverança, o impulso da comissão organizadora de tão útil melhoramento Ninguém mais do que ele trabalhou para a fundação dos Albergues Noturnos, instituição feita em 1891, de que foi secretario durante muitos anos, prestando assinalados serviços. Foi ele que elaborou o seu projeto de estatutos, que discutiu em duas sessões da sociedade, presididas pelo rei. Quando saiu da sua regência deixou aquela benemérita associação em casa própria, com escola noturna para educação dos albergados analfabetos, com todos os relativos confortos da higiene, e com fundos para sua sustentação, de não poucas dezenas de contos de reis. Nas eleições de 1885 foi reeleito deputado pelo mesmo círculo de Estremoz, e ainda por esse círculo foi escolhido em 1887 para par do Reino eletivo. Nas duas câmaras, abordando todos os assuntos da publica administração, pois nenhum ramo do saber humano tinha segredos para o seu espirito de estudioso, proferiu, entre outros, na câmara alta, em 1889, um discurso que durou duas sessões, e no qual, tratando da importante questão cerealífera demonstrou os seus muitos conhecimentos sobre assuntos agrícolas. 

Por decreto de 3 de março de 1887, foi agraciado com o titulo de conde de Valenças, em duas vidas, nome de uma das suas propriedades do Alentejo, sendo-lhe também conferida a comenda da Ordem de Santiago. Em 1886 foi proposto para sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, formando o parecer, altamente honroso para o candidato, Tomás Ribeiro, relator, José Dias Ferreira e Inácio Francisco da Silveira da Mota. Foi com o voto unanime da Academia, que o conde de Valenças entrou naquela douta corporação, que sempre soube honrar. Já em 1868 havia recebido o diploma de sócio efetivo do Instituto de Coimbra, uma das congregações científicas mais respeitáveis e mais importantes do país. Um ano antes, a Associação dos Artistas de Coimbra o tinha nomeado seu socio honorário, elevando-o mais tarde à sua presidência também honorária. Nessas associações, fez varias conferências sobre instrução intelectual e profissional, que lhe mereceram os maiores elogios. Em 1869, fazendo parte do júri misto, que de Coimbra, Arganil e Santa Comba Dão, foi a Tábua julgar o facínora João Brandão, elegeram-no presidente d'esse júri, que condenou o celebrado criminoso por unanimidade. Este serviço, libertando as duas Beiras dum salteador destemido, que as assoberbava, tornou popular o nome do dr. Luís Jardim, que apenas contava então vinte e quatro anos. Em 1890 foi nomeado ministro plenipotenciário de Portugal em Viena de Áustria, cargo que exerceu alguns anos, sendo dos diplomatas mais estimados pelo imperador Francisco José e pelos arquiduques da casa de Áustria. 

Assistiu ao congresso jurídico realizado em Madrid, em 1892, nas festas comemorativas do centenário de Cristóvão Colombo. O congresso era presidido por Canovas del Castillo, presidente do conselho de ministros e da Real Academia de Jurisprudência. Na primeira reunião do congresso foi logo eleito vice-presidente, o conde de Valenças, tomando lugar ao lado do presidente, o que foi uma prova da alta consideração em que o congresso tinha a presença do ilustre titular no meio daquela assembleia composta dos mais eminentes jurisconsultos Neste congresso apresentaram-se varias memórias, sendo as de maior alcance sobre arbitragem internacional, firmadas por Moret, Balbin,de Unquerra, Torres Campos, Marquês de Véga de Armijo, e conde de Valenças. Esta foi acolhida pela douta assembleia com a maior distinção, como sendo a que, por ventura, apresentava mais vasto conhecimento das leis, desde os antigos códices até á moderna legislação, chegando a irrefutáveis conclusões de quanto a arbitragem prepondera hoje, mais do que nunca, na consciência dos povos, tendo a guerra pelas armas de ceder o campo às lutas incruentas do trabalho universal. 

A par dos diferentes cargos públicos, por vezes também o honraram os seus concidadãos com diferentes comissões em companhias poderosas. Assim, foi eleito em 1876 administrador da Companhia do Credito Predial Português, de que foi presidente da assembleia geral, administrador do Banco Ultramarino, em 1878 e 1881; presidente do Conselho Fiscal da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses; e presidente da assembleia geral da Companhia das Aguas Termais da Amieira. No ano de 1901 foi nomeado par do Reino vitalício, em sucessão a seu pai. O conde de Valenças viajou pelo estrangeiro, esteve em Espanha, França e na Suíça. Fez parto da grande comissão organizada para se erguer um monumento em homenagem ao falecido jornalista Eduardo Coelho, sendo ele o presidente da comissão executiva. A inauguração realizou-se na alameda de S. Pedro de Alcântara em 29 de dezembro de 1901. Tratando-se de honrar a memória do visconde de Almeida Garrett, também o conde de Valenças se associou com verdadeiro entusiasmo à criação da Sociedade Literária Almeida Garrett, sendo um dos fundadores e presidente do conselho diretor, cargo para que foi reeleito sucessivamente até 1910, ano em que faleceu o ilustre titular. O conde de Valenças apresentou na câmara dos Pares uma representação da referida sociedade, que ele defendeu e justificou em vibrante e eloquente discurso, pedindo para que os restos mortais do grande poeta e escritor fossem depositados no convento de Belém, representação a que se reuniram outras das principais cidades do país, das colónias portuguesas em Paris e no Brasil, e varias sociedades científicas, incluindo a do Ateneu Comercial do Porto. Aquele discurso terminava com a seguinte moção: "A camara convida o governo a decretar que os restos mortais do insigne visconde de Almeida Garrett sejam trasladados para o panteão dos Jerónimos, e que o dia em que se realizar aquele ato solene seja considerado de festa nacional". A moção foi aprovada, e a trasladação efetuou-se no dia 3 de maio de 1903. 

O conde de Valenças, além das distinções já citadas, era também grã-cruz da ordem de Isabel a Católica, e da ordem civil de Beneficência, ambas de Espanha. Casou em Lisboa, a 28 de fevereiro de 1874, com D. Guilhermina Anjos, filha do abastado proprietário e negociante António Lopes Ferreira dos Anjos, e de sua mulher, D. Maria Guilhermina Marques dos Anjos. O seu brasão de armas consta do seguinte: Escudo partido em pala, na primeira que é dos Ribeiras, esquartelada: no 1.° quartel as armas do Aragão, quatro barras vermelhas em campo de ouro, no 2.° as dos Vasconcelos, em campo negro três faixas veiradas de prata e vermelho, e assim os contrários. Na segunda pala as armas dos Freires, em campo verde uma banda vermelha coticada de ouro saindo de duas cabeças de serpes do mesmo metal, armadas de sanguinho; e sobre tudo um escudete veirado de prata e azul com três aves de ouro. Timbre, o dos Ribeiras, um lírio verde com flores de ouro. 

Bibliografia: 

Estudos sobre a organização judiciária, já citados: Do regime das sucessões. A liberdade testamentária, 1871; "As alfândegas e o sistema económico de Portugal", série de artigos publicados no Instituto, de Coimbra, 1872; As magistraturas populares, 1877; A instrução primária no município de Lisboa, 1877; O túmulo de Gambeta em Nice (memória), 1885; "Cartas a um filósofo", série que saiu na gazeta literária O Povo, de Coimbra; ano de 1868, "Elementos que concorreram para a formação do terceiro estado em Portugal", série de folhetins no Conimbricense, de janeiro de 1810; A Itália, publicação feita com luxo notável, e com cromolitografias, desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro; oferecida à rainha D. Maria Pia, para o produto da venda reverter em benefício do cofre da associação das creches, a favor do qual a piedosa rainha iniciara, protegera, e dirigira uma quermesse na tapada da Ajuda, 1884; "Notas de viagem", publicadas no Diário Popular; Relatórios sobre a beneficência e economia dos Albergues Noturnos de Lisboa, anos de 1881 a 1887, inclusive. Em 1890 publicou em volume muitos dos seus discursos em academias e sociedades, e no parlamento, intitulando esse livro Discursos políticos e literários; em 1892, fez imprimir o seu notável trabalho Arbitragem Internacional, a memória que apresentou, como delegado de Portugal, no Congresso Jurídico de Madrid, realizado naquele ano. Deixou manuscritos, entre os quais os volumes A Revolução e a Burguesia, que tencionava publicar, quando faleceu, e de que saíram alguns excertos no Ocidente; Cartas de Viena de Áustria, escritas no tempo em que ali foi ministro plenipotenciário de Portugal; Homens novos e cidades velhas, memórias ácera das suas viagens de observação pela Espanha, França, Suíça, Bélgica e outras nações; e o seu apreciado Livro azul, memórias académicas, que era dedicado a sua mãe. Também publicou um dos seus mais importantes discursos na câmara dos Pares sobre Concessões de terrenos no Ultramar. Em 1909, publicou-se em Coimbra um opúsculo, com o título de Conde de Valenças; homenagem do "Noticias de Coimbra", colaborado por distintos jornalistas, e com o seu retrato. Por ocasião da sua morte todos os jornais lhe dedicaram saudosos artigos enaltecendo a sua memória e o seu grande valor; a sociedade literária Almeida Garrett, dedicou-lhe em sentida homenagem, um número especial do seu boletim intitulado In Memoriam, publicado em 16 de dezembro de 1910. Esse boletim traz diversos retratos seus, tirados em diferentes épocas, e os de seus pais, o visconde e a viscondessa de Monte-São, sendo os artigos firmados por escritores e jornalistas bem conhecidos no campo literário e político.

 

 

 

Luis Leite Pereira Jardim, 1º conde de Valenças
Genealogy (Geni.com)

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VII, págs. 261-263.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2017 Manuel Amaral