Portugal - Dicionário

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Valverde (Batalha de).

 

Esta povoação espanhola tornou-se célebre pela batalha que se deu ali entre portugueses e espanhóis, em outubro de 1385. 

Depois da batalha de Aljubarrota, o condestável D. Nuno Alvares Pereira partiu por ordem do rei D. João I para a província do Alentejo, de que continuava a ser fronteiro, o pensou logo em não permanecer na defensiva, e pagar aos castelhanos invasão com invasão. A realização desse projeto foi coroada de uma brilhante vitória para os portugueses. À frente de mil lanças, dois mil peões, e um punhado de besteiros, entrou o condestável pela fronteira de Badajoz. 

Este pequeno exército marchava em perfeita ordem. A vanguarda era comandada pelo condestável, como sempre, e a retaguarda fora confiada ao prior do Hospital, uma das alas a Gonçalo Eanes Castel Vide, a outra a Martim Afonso de Melo, bagagem no centro e besteiros e peões convenientemente distribuídos. Assim entrou D. Nuno Alvares Pereira onze léguas pelo interior de Castela, saindo-lhe então ao encontro Martim Anes de Barbuda, que retirou sem combater, refugiando-se na serra, e deixando-o tomar posse do castelo de Vila Garcia, que os defensores tinham abandonado. Em Vila Garcia recebeu o condestável um arauto, que o vinha desafiar da parte de todos os fidalgos castelhanos que estavam por aqueles sítios reunidos, e apresentar-lhe ao mesmo tempo da parte deles um feixe de varas como que dizendo-lhe que tencionavam castigá-lo. O condestável recebeu imperturbável o recado, mandou dar cem dobras ao mensageiro, e respondeu com muito graciosa amabilidade que agradecia infinitamente tanto o desafio como o feixe de varas, que não deixaria de aproveitar dentro em pouco, indo com elas fustigá-los a todos. Internou-se mais o condestável em Castela, e subindo duas léguas acima de Mérida, foi na direção de uma aldeia chamada Valverde, que as armas portuguesas tinham de ilustrar com uma nova vitória. Seguiam-no passo a passo mas de longe os castelhanos, que esperavam reforços. O condestável acampou a légua e meia do Guadiana. O inimigo dirigiu-se para Valverde, onde esperava impedir os portugueses de atravessar o rio. Tinham os castelhanos recebido enfim os reforços que esperavam, os quais consistiam em numerosos populares da Andaluzia, e até de Aragão. As forças que então se juntaram, segundo o uniforme testemunho dos cronistas portugueses e castelhanos, eram superiores às que tinham pelejado em Aljubarrota. Uma diferença, contudo, havia, toda a favor dos portugueses, e era que os inimigos em Aljubarrota eram bons, valentes e experimentados soldados, era a flor da nobreza e da cavalaria; em Valverde o grande número de inimigos compunha-se de lavradores juntos à pressa, e que tremiam só de ouvirem proferir o nome do condestável. Além disso, faltava, como faltara em Aljubarrota, a unidade do comando: ciúmes e rivalidades dividiam os chefes. Os castelhanos desconfiavam do mestre de Alcântara, por ele ser português, ou chamorro, como diziam; o mestre de Alcântara desprezava-os; mas em todo o caso a desproporção numérica era formidável. A hoste portuguesa marchava bem unida e bem formada em direção a Valverde, a fim de passar o Guadiana. 

O inimigo dividira-se: uma parte das tropas atravessara o rio e colocara-se na margem oposta; os restantes conservaram-se do lado por onde vinha o condestável para o impedirem de passar. O plano do inimigo podia ser, quando o condestável atravessasse o rio, mete-lo entre dois fogos, porque de um lado lhe picariam a retaguarda, do outro lançariam ao Guadiana a vanguarda nesta dificílima passagem do rio. Com o seu grande tato militar percebeu-os D. Nuno Álvares Pereira, e sem hesitar ideou o seu plano. Com o seu pequeno exército formado em massa compacta, na disposição em que sempre marchara, bagagens no centro, atravessou impetuoso a massa dos inimigos que desse lado se lhe opunha. Deixaram-no passar depois de um breve combate, tanto porque era esse o plano, como porque os lavradores arremetiam de má vontade contra esse homem terrível, que se chamava Nuno Álvares Pereira. Chegando à beira do rio, o condestável deixou ficar a retaguarda guardando as bagagens e contendo o inimigo, e com a vanguarda avançou. Debalde os castelhanos da margem fronteira, que eram dez mil, procuraram opor-se-lhe; o desembarque custou muitas vidas aos portugueses, mas efetuou-se. Deixando a vanguarda em posição, defendendo a praia contra a turba castelhana, D. Nuno atravessou de novo o rio, passou com as bagagens, voltou a buscar a retaguarda, que os castelhanos debalde feriam de longe com pedradas e setas Em pouco tempo estava o exército português todo na margem oposta. Ali o combate tornou se mais vivo, os castelhanos não se deixaram repelir facilmente. Desalojados enfim, reuniram-se num cabeço próximo, o condestável marchou contra eles e de novo os sacudiu das penhas em que se abrigavam, repetiu o mesmo assalto feliz contra segundo e terceiro outeiro, mas os castelhanos multiplicavam-se. Sem ordem, mas numerosos, afogavam a cada momento na sua massa tumultuosa e oscilante a pequena hoste portuguesa. Lançando os olhos para trás, viu D. Nuno a sua retaguarda em grande perigo; correu a ela, desembaraçou-a com o prestígio da sua presença, com a energia da sua voz. Gil Fernandes (o de Elvas) sempre heróico e sempre descontente, depois do pelejar como um leão, não se pode eximir a dizer ao condestável duas palavras desagradáveis por ter deixado a retaguarda em tanto risco. 

D. Nuno, sem lhe responder, tornou à vanguarda, que se achava empenhada em combate desigual com a flor da cavalaria inimiga, e conseguiu faze-la avançar a custo, semeando o caminho de mortos e feridos, os portugueses entusiasmados com o exemplo do seu chefe, combateram como leões, e ufanos do prestigio que a vitória constante imprimia às suas bandeiras, chacoteavam dos inimigos, dirigindo-lhes a um tempo tiros de setas e motejos. A retaguarda estava de novo em perigo, e de novo ali correu o condestável, chegando um momento em que a esperança estava quase perdida; os seus esforços sobre humanos, os esforços sobre humanos dos soldados que o acompanhavam, não conseguiam dissipar essa nuvem de inimigos, que os envolvia, demolir essa barreira viva que por toda a parte os rodeava Então passou-se uma cena, que recorda as singelas lendas do cristianismo primitivo Os portugueses debalde procuravam o seu chefe, e não o encontrando, começavam a espantar-se e a desanimar. Alguns foram afinal encontra-lo entre dois penhascos rezando com fervor; mudo e abatido, a dois passos, o seu pajem de lança, tinha à mão o seu corcel de combate. Os cavaleiros que o buscavam, queriam interrompe-lo, ele, porém, fez-lhes um sinal com a mão, que os suspendeu, e acabou a sua oração. Ergueu-se então radiante, correu à sua hoste, e firmou de novo as vacilantes fileiras. Os portugueses ganhando animo, romperam derrubando tudo quanto se lhes opunha. O combate era furioso, e por fim os portugueses, depois da vertiginosa luta, ficaram vitoriosos, saudando entusiasticamente o seu heroico chefe. 

Orgulhoso com o sucesso D. Nuno Álvares Pereira retirou- se para Portugal, e os castelhanos escarmentados mal ousavam contar esta incrível derrota.

 

 

 

A Batalha de Valverde
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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VII, págs. 303-305.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2016 Manuel Amaral