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As Campanhas no Brasil - 7.ª parte
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A ocupação dos territórios cedidos em 1761
A conquista das Missões
Devido ao sucesso da defesa das rotas marítimas do Atlântico por parte da marinha de guerra portuguesa, o conhecimento da declaração de guerra da Espanha e França a Portugal foi conhecida mais rapidamente do que era normal naquela época.
A notícia oficiosa da declaração de guerra foi recebida na capital do Rio Grande do Sul em 15 de Junho de 1801, por meio de uma embarcação vinda da Baía, cidade onde a corveta portuguesa Andorinha tinha aportado pouco tempo antes, informação que foi confirmada no dia 22 por uma outra embarcação vinda de Pernambuco. Não tendo ainda recebido ordens do vice-rei, o governador do Rio Grande do Sul, tenente-general Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, decidiu mesmo assim realizar uma cerimónia pública para informar a população da declaração da guerra da Espanha. Assim, no dia 4 de Julho, Veiga Cabral "vestindo a sua mais preciosa farda encarnada, e a mais bem guarnecida com largos, e pesados passamanes de ouro, e armando-se com as insígnias do seu posto apareceu em público" e informou a população da cidade da declaração de guerra, tendo proclamado uma amnistia para os desertores. A população, que tinha acorrido em grande número, "convidada pela novidade e excesso de aparecer o General em um traje de que ordinariamente não usava", recebeu agradavelmente a notícia já que esperava à muito conseguir alargar as fronteiras da capitania. As milícias foram mandadas reunir, foram pedidos subsídios em dinheiro e em géneros à população mais afluente, que não pagando até aquela época quase nenhuns impostos, e sendo proprietária de sesmarias doadas pela Coroa, facilmente aceitou encher voluntariamente os cofres vazios da capitania. As forças militares, divididas em dois corpos, começaram a dirigir-se para as guardas da fronteira, tanto para as da zona do Rio Pardo, como para as da região do Rio Grande. O objectivo expresso da população da província era conseguir, em total sintonia com as intenções da longínqua corte portuguesa, conquistar os territórios que fizessem chegar as fronteiras aos "limites naturais" do Sul do Brasil, os rios Uruguai e da Prata. Um dos primeiros milicianos a apresentar-se na fronteira do Rio Pardo, foi Manuel dos Santos Pedroso, um famoso estancieiro caboclo, mestiço filho de um fazendeiro de Curitiba e de uma índia guarani, já na época uma lenda viva na capitania, por ter conseguido sobreviver a uma luta com uma onça. Cabo de milícias, este proprietário de estância de criação de gado, conhecia bem a região das Sete Missões, pois era o local onde costumava fazer as suas arriadas de gado, modo de vida típico do gaúcho de finais do século XVIII, que praticava o saque de gado xucro, gado que vivia solto, ou como se diria em Portugal na mesma época "gado ao vento". Apresentando-se ao capitão do Regimento de Dragões do Rio Pardo Francisco Barreto Pereira Pinto na Guarda de São Pedro, que defendia o Acampamento de Santa Maria da Boca do Monte, aquele oficial ordenou-lhe que arranjasse um grupo de homens que pudesse atacar o fortim espanhol de São Martinho, porta de entrada no planalto ocidental onde se encontravam as Missões, e fosse tentar apoiar a população índia de São Lourenço, que o tinha informado do desejo de ser governada por Portugal. A situação era clara, mas tinha que ser tratada com cuidado. Não tendo havido ainda declaração formal da guerra entre Portugal e a Espanha, as forças regulares não poderiam intervir. Por isso, o capitão, de acordo com o seu comandante, o tenente-coronel Patrício José da Câmara, comandante do Regimento de Dragões do Rio Grande, decidiu infiltrar uma pequena força exploratória, que se esperava não levantasse grandes suspeitas já que, não levando uniformes debaixo dos ponchos que os protegiam do rigoroso Inverno que se fazia sentir naquele ano, poderia aparecer como mais uma expedição de contrabandistas ou ladrões de gado. De facto, esta acção não era mais do que a aplicação das ordens para se fazer uma "guerra surda" aos espanhóis, defendida nos ofícios de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Maneco Pedroso, como era mais conhecido o cabo de milícias, apresentou-se de novo na guarda em finais de Julho acompanhado de 20 a 30 homens. Tendo-lhes sido distribuídas armas e pólvora saíram do forte, subiram a vereda que os conduzia à guarda espanhola no Monte Grande, rodearam-na e atacaram-na pela retaguarda, obrigando a guarnição inimiga a fugir. Dirigiram-se então em direcção ao povoado de São Lourenço que ficava a cerca de 150 quilómetros de distância, percorrendo cuidadosamente o terreno quase plano do planalto coberto de araucárias, os altos pinheiros do Paraná, que os levaria até à antiga missão jesuíta. A meio do caminho desembocaram na estância São Pedro, saquearam-na e ocuparam-na, expulsando os proprietários. Nesta propriedade, que seria doada a Pedroso como sesmaria pelo governo português em paga pela sua actuação na campanha, deixou sete soldados, continuando com os restantes para São Lourenço. Entretanto, um desertor do regimento de dragões, José Francisco Borges do Canto, conhecido contrabandista, tentando beneficiar da amnistia divulgada pelo edital de 4 de Julho, apresentou-se também na mesma guarda de São Pedro em princípios de Agosto, acompanhado por 15 aventureiros. Este antigo cabo do regimento, de 25 anos, nascido na vila de Rio Pardo, filho de pais açorianos chegados à capitania com os primeiros grupos de lavradores enviados do Arquipélago, tinha sido incumbido pelo tenente-coronel Correia da Câmara, de com mais vinte e cinco milicianos, comandados pelo tenente Francisco Silva e o furriel Vítor Nogueira, se ir juntar a Manuel Pedroso e apoiá-lo na expedição a São Lourenço. O grupo atravessou a fronteira a 3 de Agosto, e dirigiu-se para a Estância de São Pedro, a meio caminho do povoado, que já encontrou ocupada. Fez muda de cavalos, aprovisionou-se novamente de mantimentos e dirigiu-se para o posto de São Xavier que ficava a 40 quilómetros de distância. Tendo-se metido a caminho pelo vale aberto pelo rio Piratini, na serra do Pirapó, encontrou um índio seu conhecido que fugia dos espanhóis. Este informou-o que a dez quilómetros dali se encontrava uma patrulha inimiga e que perto de São Miguel se estava a formar um acampamento com 30 espanhóis e trezentos índios. Conseguiu convencê-lo a regressar com ele a S. Miguel para, de noite avisar os índios do acampamento de que se aproximava um exército português e que com a sua própria ajuda conseguiriam libertar-se do governo espanhol. Assim, as circunstâncias iam afastando este segundo grupo de milicianos portugueses de São Lourenço e de Manuel Pedroso, levando-os mais para norte em direcção a São Miguel, a sede do governo espanhol das Missões. Na noite de 4 para 5 de Agosto, Borges do Canto, que comandava as forças infiltradas com o posto provisório de capitão, enviou o furriel Gabriel Ribeiro de Almeida, com 20 homens, contra a patrulha inimiga estacionada em São João Mirim, enquanto ele e o resto do grupo se dirigiram para o acampamento. Tendo chegado ao local mencionado ao fim da noite, o grupo rapidamente conseguiu apanhar a cavalhada dos espanhóis - os cavalos de reserva e as mulas de carga, que acompanhavam em grande número as tropas dos dois países nestas regiões desertas de gente -, e ao raiar do dia atacou-os decididamente, carregando a linha espanhola com as espadas em riste, após uma descarga das clavinas, as espingardas de cano curto próprias da cavalaria da época. Os espanhóis, sem cavalos, e sem o apoio dos índios que se tinham retirado, não tiveram possibilidade de responder ao ataque e renderam-se, tendo sofrido cinco mortos e oito feridos. Depois deste curto combate, José Borges do Canto confirmou ao grupo de guaranis o que lhe tinha sido dito pelo índio que lhes tinha mandado, assegurando novamente que as tropas portuguesas estavam ali para os apoiar e não para os hostilizar, e que com a sua ajuda poderiam libertar os povoados guaranis do domínio espanhol. As conversações foram concluídas com êxito e o grupo índio colocou-se ao serviço do cabo de Dragões. Os milicianos dirigiram-se rapidamente para São Miguel, local onde residia o comissário espanhol, o tenente-coronel D. Francisco Rodrigo, acompanhado de uma guarnição de 150 soldados apoiados por dez peças de artilharia. Intimado a render-se imediatamente o oficial espanhol recusou, barricando-se no vasto edifício do antigo colégio missionário jesuíta. Os atacantes não tendo forças suficientes para um assalto geral, decidiram bloquear a povoação. Afastando-se para fora do alcance da artilharia, impediram qualquer entrada no aldeamento, capturaram todo o gado vacum e cavalar que lhes aparecia, não permitindo à população abastecer-se de água. Os índios começaram rapidamente a abandonar a antiga missão, em número cada vez maior, fazendo com que a guarnição espanhola, vendo a situação a degradar-se rapidamente começasse a vacilar. Borges do Canto notando estes indícios aproveitou para intimar novamente à rendição as forças no interior do povoado. Francisco Rodrigo, esperando reforços, pediu três dias para deliberar, mas no dia seguinte os portugueses interceptaram uma carta do governador-geral das Missões, que tentava animar os sitiados a resistirem, afirmando que uma força de socorro estava prestes a atravessar o Uruguai. Borges do Canto mandou-a entregar ao destinatário informando de que as tréguas tinham terminado, e que ou o comandante espanhol se rendia de imediato ou as forças sob o seu comando atacariam o povoado. O militar espanhol totalmente desfalcado do apoio dos indígenas aceitou render-se, acordando a entrega da povoação para o dia seguinte. Foi o momento tão esperado pelo cabo para escrever ao tenente-coronel Correia da Câmara, comandante do Regimento de Dragões do Rio Pardo, afirmando:
Depois de contar o ataque à povoação e informar da capitulação dizia mais que
De facto, no dia 13 de Agosto as forças espanholas saíram de S. Miguel com as espingardas, a artilharia, as equipagens e os animais, condições muito favoráveis para sitiados que se rendiam, mesmo naquelas regiões cheias de perigos devido à existência de índios charruas hostis e dos muitos animais selvagens. As condições eram, de facto, mais favoráveis do que o normal, mas a verdade é que a rendição permitiria a Borges do Canto apoderar-se dos armazéns com os mantimentos e munições de que tanto precisava, após dez dias intensos de viagem e combates já que, estando longe da fronteira, era-lhe impossível contar com socorros vindo daí, mas sobretudo porque não sendo obrigado a atacar a redução não fazia vítimas na população autóctone, que se podia tornar hostil se houvesse mortos e feridos. A verdade é que depois da rendição de S. Miguel, as missões de S. João e Santo Ângelo, a última a mais importante e rica das sete, informadas da rendição de S. Miguel entregaram-se imediatamente. Manuel Pedroso chamado a São Miguel como solicitado já entrou na povoação após a assinatura da Convenção. Os dois cabos conferenciaram, mostrando-se Pedroso em desacordo com os termos da capitulação aceite por Borges do Canto, trocaram informações, decidiram que o segundo se dirigiria para o rio Uruguai a defender os vaus que permitiam a travessia do rio, perto da missão de São Nicolau. Chegados ao rio, a actividade do pequeno grupo de Pedroso foi frenética. Nos dias seguintes, movimentaram-se de um lado para o outro, entre o vau de Santo Isidro e o de São Lucas, tendo impedido a infiltração de dois grupos espanhóis de reforço vindos da outra margem, negando permissão à saída dos tesouros das igrejas das povoações missionárias, que estavam a ser todas abandonadas, sendo as três que restavam nesta região a de São Lourenço, São Luís e São Nicolau, assim como vistoriando todos os trens de bagagens que estavam a ser retirados pelos espanhóis para a outra margem do rio Uruguai. Perto de São Luís encontrou o governador das Missões, a tentar agrupar sob o seu comando directo todas as forças em retirada. Com os poucos soldados de cavalaria miliciana que lhe restavam postou-se à frente da coluna espanhola, e obrigou-a a regressar prisioneira de novo para São Miguel. Tendo todos regressado a S. Miguel, a 22 de Agosto, chegou ali uma delegação da população de São Francisco de Borja, a sétima e última missão, e que estando mais afastava, ainda não tinha sido atacada. A delegação composta dos caciques dos índios charruas da povoação, que trazia o seu administrador cativo, declarou aceitar a soberania portuguesa, afirmando que não haveria qualquer tipo de oposição à entrada de forças portuguesas no povoado. Manuel dos Santos Pedroso deslocou-se imediatamente para São Borja, descendo o rio Uruguai de que ia reconhecendo e fortificando-os os vaus, ou passos. A Norte da povoação, no vau de São Marcos, deixou uma patrulha de sete homens de guarda à passagem, e de seguida entrou, de facto sem oposição, na antiga missão. Nessa mesma noite, a patrulha que Pedroso deixara a defender o vau foi atacada, tendo que recuar para o rio Icamaqua em direcção à povoação. Mas os sons do combate levaram o grupo de Pedroso em direcção à peleja, tendo a sua rápida actuação obrigado os espanhóis a regressarem de novo para a margem direita do rio. O pequeno grupo português dirigiu-se então para Sul, em direcção ao vau da Cruz, mas não conseguiu atravessar o Uruguai nesse ponto, defendido por tropas espanholas sob o comando de um oficial espanhol conhecido por Rubio Dulce. Dirigiu-se então de novo para Norte e foi ocupar as povoações de S. Pedro e S. Nicolau. Em S. Nicolau, onde estavam reunidas as últimas forças espanholas que ainda resistiam na região oriental das antigas Missões, encontrou Borges do Canto. Tendo os dois concentrado as suas forças atacaram S. Nicolau, provocando pesadas perdas nas forças espanholas que defendiam a povoação. Entretanto, o tenente de milícias Francisco Carvalho da Silva, encarregue da defesa de S. Borja e das passagens do Uruguai adjacentes à povoação, tentava de novo um ataque à guarda do vau da Cruz. A luta na linha do Uruguai manteve-se por mais uns tempos, tendo S. Borja que se defender de mais dois ataques, até que os trinta homens das forças do tenente de milícias Francisco Carvalho da Silva conseguiram surpreender as tropas espanholas, que sob o comando do oficial Rubio Dulce tinham conseguido atravessar o rio destruindo a guarda de Butuí. Alcançadas perto do vau de Itacuí, atacou-as no dia seguinte de madrugada, pondo as forças em fuga e recuperando os animais que os espanhóis tinham reunido na sua curta expedição na margem esquerda do rio. O primeiro revés importante para os milicianos portugueses deu-se no princípio de Setembro quando um destacamento espanhol atacou novamente o vau de São Marcos, a Norte de São Borja, defendido por vinte soldados sob as ordens do furriel Vítor Nogueira da Silva. Os defensores, tendo retirado sob o peso do número em direcção à povoação, foram surpreendidos perto de um laranjal onde, tendo-se refugiado aí foram cercados e obrigados a render-se, tendo perdido catorze homens entre mortos e feridos. A conquista da região das Sete Missões completou-se com a assinatura da nova convenção assinada em princípios de Setembro pelo major José de Castro de Morais, nomeado governador da nova comarca da capitania do Rio Grande de São Pedro, pouco mais de um mês depois da declaração formal de guerra entre Portugal e a Espanha no Rio Grande do Sul e do começo das infiltrações.
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