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Relação da deserção de um Corpo de Cavalaria do Guarda da Polícia de Lisboa, que chegou a esta Cidade no dia 4 do corrente.
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Constando-nos, que na cidade de Coimbra e Províncias do Norte, se havia aclamado o P. R. N. S., e organizado um considerável exército para expulsar do Lisboa e de mais partes destes Reinos os usurpadores , e pérfidos Franceses, nos determinámos a comunicar os nossos sentimentos patrióticos a alguns dos nossos Oficiais, que se não conformaram com os nossos projectos, talvez por falta de resolução, por temor, ou por circunstâncias urgentes e particulares ; mas não esmorecendo por isso, antes cada vez mais firmes em nosso propósito , conviemos em nos ausentar de Lisboa , como com efeito o fizemos pelas 2 horas da noite, Elesiário de Carvalho , António Vieira, Joaquim Miguel de Andrada, Joaquim Manuel Ferreira Pratas, Tomás Pessoa, Domingos José Teixeira, José Germano, Joaquim António, António José de Castro , e João Manuel, sendo as particularidades desta arriscada empresa as seguintes. À uma hora da noite o dito Elesiário , comandante da primeira Companhia, aquartelada às Necessidades, apresentando-se na frente dos seus Soldados, os convidou para o seguirem na gloriosa empresa do restabelecimento de Portugal, que havia sido tão vilmente usurpado ao seu legítimo Senhor, intimando-lhes ao mesmo tempo com eficácia e energia a crítica situação, a que se veriam reduzidos, quando um Exército Português e resgatador se avizinhasse do Corpo, a que pertenciam; que eles seriam forçados, no mais terrível e horroroso combate, a travar peleja com os seus mesmos Compatriotas, assassinando-se reciprocamente; que por fim a vitória deveria infalivelmente pertencer ao furor e justa vingança dos esforçados e intrépidos Portugueses; que se alguns deste Corpo sobrevivessem aos seus desgraçados Camaradas, seria para sofrerem outra desgraça ainda maior, como a de verem cair na sua frente montões de cadáveres alguns dos quais talvez seriam seus Pais, suas esposas, seus filhos, seus amigos e patrícios, e que todos finalmente deviam desterrar a horrorosa ideia de favorecer a causa da perfídia, e da irreligião; de acrescentar as forças do inimigo universal do género humano, de sustentar a mais insaciável ambição e despotismo, e de concorrer para elevar sobre ossadas de nossos semelhantes, e só para uma família, os tronos aleivosamente usurpados aos seus legítimos Senhores. Acabadas de proferir estas palavras, que fizeram nos ânimos dos Soldados a mais viva sensação, cada um quer ser o primeiro a declarar a sua vontade e desejos de partir: dá-se a primeira voz; formam-se as fileiras, e a Companhia, que despreza todos os obstáculos dirige-se imediatamente para o Campo Grande, lugar indicado para a reunião da tropa , que foi então comandada pelo Sargento Teixeira, enquanto o mesmo Elesiário , que se havia encarregado de fazer sair a quarta Companhia , aquartelada ao Salitre , se encaminha para este sítio , e depois de fazer levantar os Soldados com, o pretexto de uma diligência , lhes fala do mesmo modo , que à primeira , sendo igual o resultado, e observando em todos o mesmo entusiasmo, sem embargo de não ser seu Comandante o que lhes influía estes sentimentos , e partem como raios para o lugar aprazado. Já o sobredito Comandante, que nessa ocasião servia de Ajudante, tinha mandado ordem antecipada à segunda Companhia aquartelada em Andaluz, para partir a auxiliar o Corregedor-Mor em Vila Franca: o Furriel Castro que a comandava, tinha sido prevenido, e em consequência daquela ordem estava formando um numeroso. piquete, que logo parte a executá-la. A terceira Companhia foi convocada ao mesmo tempo pelo Sargento Tomás, de quem os Soldados fazem todo o bom conceito, e de acordo com o seu Camarada Prata apronta-se tudo, e foi a primeira, que se apresentou no Campo. Reunidas as Companhias, achou-se logo formado um Esquadrão de 56 filas, comandadas pelo referido Elesiário, e imediato o Andrada: marchando para o seu destino, esta coluna segurava a retaguarda por uma grande guarda na sua frente, adiantando-se a três quartos de légua de distância vedetas e exploradores, que se comunicavam com a frente da mesma coluna; e seguindo a estrada de Loures passámos ao Tojal, Sobral e Merciana, aonde se adiantou um piquete da Retaguarda com o Sargento Gambôa em sua companhia, o qual tinha recebido uma ajuda de custo, e uma ordem de Novion para o Governador Francês de Santarém, do teor seguinte. | |
Lisbonne 1. Août. 1808. M. le Commandant. Une partie de la cavalerie de ma légion vient de déserter avec armes et bagages ; ils auront pris la route de Mafra, ou Obidos. J'ose vous prier de la part de son Excellence, Monseigneur le Duc d'Abrantes de mettre en embuscade quelques piquets de votre infanterie en force pour arrêter ce renfort, qui va droit aux insurgés, ou en prendre quelques-uns pour l'exemple. Je crois, qu’il serait nécessaire d'envoyer un fort piquet sur le chemin, qui va d'Obidos pour leur couper chemin, s'ils voulaient gagner Leiria, où ils auront naturellement rendez-vous: au surplus je m'en rapporte à vous, et sur tout ce que vous ferez pour le bien du service, et ôter les forces à nos ennemis, et je vous en aurai en mon particulier une grande obligation. J'ai l'honneur de vous saluer avec une haute considération. Le Maréchal de Champ, commandant d'armes, et Chef de la Légion de Police. de Novion. P. S. Ils sont armés
de pistolets; et six cartouches chacun, et son sabre.
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Lisboa 1. de Agosto de 1808. Senhor Comandante. Uma partida de Cavalaria, da minha legião acaba de desertar com armas e bagagens, dirigindo-se talvez para Mafra ou Óbidos. Rogo-vos da parte do Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, que ponhais de emboscada alguns piquetes da vossa Infantaria, capazes de suspender esse reforço, que se encaminha para unir-se aos rebeldes, ou de aprisionar alguns para servirem de exemplo. Cuido, que seria necessário mandar um grande piquete para a estrada de Óbidos, a fim de lhes embaraçar os passos, no caso de quererem entrar em Leiria, aonde naturalmente os esperarão. De resto, eu deixo tudo à vossa disposição para bem do serviço, e para tirar as forças aos nossos inimigos, pelo que vos ficarei em particular obrigação. Tenho a honra de vos cumprimentar com a mais alta estima. O Marechal de Campo, Governador: das Armas, e Chefe da Legião de Policia. de Novion. P. S.
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O sobredito Sargento Gambôa, honrado e fiel
Português, que juntamente com todos os seus Camaradas tinha servido sempre
com a maior repugnância, e rancor contra o Governo Francês, em lugar de
executar a referida ordem, veio associar-se connosco, e seguimos a nossa
marcha por veredas e desfiladeiros impraticáveis e arriscados; às 10 da
noite forrageámos no sítio de Alagoa, donde sendo avisados, que uma coluna
Francesa se dirigia para nós da parte de Óbidos, nos retirámos
imediatamente, não desestimando, que se nos oferecessem meios de algum
encontro, com tanto que nos não desviássemos da nossa direcção : ao
amanhecer estávamos nos Carvalhos, e no momento do maior repouso, fomos
novamente avisados, que de Rio Maior, ou de Alcobaça vinha tropa em nosso
alcance: tomámos para a Batalha, e daí para Leiria, aonde chegámos à uma
hora da tarde: observámos com o mais vivo prazer a actividade do Exército
Português, porque, ao sair de Leiria e de Pombal a estrada oferecia a mais
desvelada vigilância, dos postos avançados do Campo de Pombal, aonde chegámos
às 3 da manhã: às 7 da noite marchámos para Condeixa; mas qual não foi
o nosso entusiasmo pela verificação das nossas esperanças, quando uma
forte coluna de Infantaria desdobrava na nossa. frente para nos facilitar o
passo para Coimbra, aonde chegámos à uma hora da tarde! Fomos conduzidos
pelo Comandante de Cavalaria, que ali se achava, e seguidos de um piquete
daquela guarnição, dirigindo-nos a casa do Excelentíssimo Governador, e
dai à do Excelentíssimo
General Nuno Freire de Andrade, depois de grandes aclamações e repetidos
vivas de todo o Povo, que nos olhava com entusiasmo, e aplaudia a nossa
fidelidade. O Comandante Elesiário dirigiu ao Senhor General a seguinte
fala. Ilustre General: Soldados valentes, e fiéis Portugueses se
apresentam diante de vós; se temos abandonado os nossos postos, foi só
para unir as nossas às forças do vosso Exército, e para nos cair também
alguma parte da glória de concorrer para o restabelecimento do Governo do
nosso amado PRÍNCIPE REGENTE, a quem unicamente reconhecemos e respeitamos,
como Legitimo Soberano de Portugal. A empresa da Restauração é heróica;
a nossa fidelidade, inalterável, e debaixo do vosso comando não tememos
encarar os perigos, o inimigo a morte. Assinado Elesiário de Carvalho . |
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