A evolução das Milícias

15.ª parte

 

O combate das Milícias nos flancos e retaguarda do exército francês de invasão 

 

Enquanto a luta política no interior da Regência se desenrolava, o exército francês de Massena começou a marcha para ocidente a 14 de setembro, tendo no dia 17 seguinte atravessado o rio Mondego na ponte de Fornos. Era uma boa notícia para Wellington. Estranha mas favorável.

 

Massena na estrada de Coimbra
Massena reconhece a estrada de Boialvo

 

Massena escolhia a pior estrada para se dirigir a Coimbra e sem parecer preocupar-se decidia aproximar-se da zona de operações das Milícias portuguesas, postadas a sul do Douro, no seu flanco direito. Com o regresso da divisão de Silveira a Bragança e a inexistência de ataque das forças francesas colocadas na província espanhola de Leão, a divisão Trant retrocedera e estava agora postada em Moimenta da Beira, enquanto as Milícias do Minho se tinham dirigido para São Pedro do Sul, na linha do Vouga, para proteger qualquer incursão das forças francesas em direção ao Porto, tendo deixado o regimento de Guimarães em Lamego. A divisão do Porto tinha recebido no dia 17 ordens para seguir as Milícias do Minho e dirigir-se para Sardão, na estrada de Coimbra para o Porto, por S. Pedro do Sul, para reforçar a defesa da cidade, entrando em contacto com a Divisão britânica Spencer postada na Mealhada, mais a sul. Tendo conhecimento de que uma coluna de artilharia se dirigia para Viseu pela estrada Trancoso-Viseu, decidiu atacá-la. Com autorização do general Bacelar, no dia 19 saiu de Moimenta e dirigiu-se para sul. No dia 20 quando chegou ao lugar de Castelo, junto de Ferreira de Aves, soube que se dirigia ao seu encontro o parque de reserva do exército francês. Escoltava-o o Regimento Irlandês vindo mais à retaguarda a Reserva de Cavalaria de Montbrun. No dia 21 as forças de Trant atacaram o parque entre Decermilo e Rãs sem grande sucesso, mas obrigaram o parque e a reserva de artilharia, assim como a cavalaria de Montbrun a parar durante dois dias. As Milícias do Porto tiveram trinta baixas, tendo feito oitenta prisioneiros. Este combate permitiu uma concentração mais serena do Exército britânico na serra do Buçaco, mas atrasou a chegada, e muito, das Milícias de Trant ao local que lhes tinha sido apontado por Wellington. A decisão de enviar o parque do exército francês pela estrada mais a norte que saía de Trancoso, mostra bem a consideração que os comandantes franceses tinham pelo valor das Milícias portuguesas, mas a atuação de Trant devia ter mostrado ao alto-comando francês que devia ter mais cuidado com os seus flancos e retaguarda. Só mais tarde, em Coimbra, a lição será compreendida definitivamente.

Com o avanço lento do exército de Massena, o exército de Wellington foi-se concentrado a norte de Coimbra, tendo forças de Milícias no flanco norte e à retaguarda do exército francês, concentrando as Milícias do sul nas linhas de defesa de Lisboa e chamando as restantes para cobrirem os flancos do exército de campanha. Trant como vimos, deveria apoiar o flanco esquerdo postando-se no Sardão, e Lecor que estava no Fundão, deveria cobrir o flanco direito na Ponte de Mucela. O coronel Lecor, chamado após o corpo de Hill, que estava na Beira Baixa a observar os movimentos do corpo do general Reynier, se ter embrenhado no vale do Zêzere dirigindo-se por Pampilhosa da Serra para o Espinhal onde chegou a 20 de Setembro, e de seguida foi posicionar-se em Ponte de Mucela.

Trant, tendo regressado a Moimenta da Beira após o ataque ao parque francês, não conseguiu cumprir a tempo as suas ordens anteriores, de se deslocar com urgência para o Sardão por S. Pedro do Sul. Em 27 de setembro, muito por causa das ações retardadoras das Milícias dirigidas por Bacelar, Wellington tinha conseguido concentrar o Exército britânico ao longo da serra do Buçaco e dar batalha ao exército de Massena. A vitória foi conseguida, mas o exército de Massena, no dia seguinte, descobriu a estrada que pela serra de Boialvo dava acesso no Sardão à estrada de Coimbra ao Porto. Como vimos, a Divisão Trant não estava em posição, tendo chegado à localidade à uma hora da tarde do dia 28 de setembro, com quatro batalhões (dos regimentos de Aveiro, Feira, Penafiel e Porto), e as forças francesas conseguiram tornear sem oposição a serra do Buçaco, tendo as Milícias unicamente ocasião de atacar a retaguarda da coluna inimiga. A culpa do sucedido foi assacada publicamente por Wellington ao general Bacelar – "o oficial general comandante no norte" – um método que iria fazer escola, sempre que fosse necessário libertar de responsabilidades oficiais britânicos – neste caso William Beresford.

O exército comandado por Wellington retirou em duas colunas, uma por Coimbra e a outra por Tomar, em direção às posições defensivas organizadas a norte de Lisboa – mais tarde conhecidas por Linhas de Torres Vedras – guarnecidas sobretudo por regimentos de Milícias. Acompanhou o exército um número elevado de refugiados, apanhados desprevenidos com a aparição do exército britânico que sabiam vencedor de Massena no Buçaco. Wellington passou por Coimbra no dia 30 de setembro. Os franceses entraram em 1 de outubro. A população tinha abandonado a cidade, uma parte acompanhando até Lisboa o exército em retirada, o resto recolhendo-se às localidades vizinhas. A cidade foi saqueada durante três dias – o que só poderá ter acontecido porque o comando francês a considerou uma fortaleza conquistada, um absurdo, que servia o propósito do exército francês de aterrorizar as populações –, segundo parece pelas tropas do 8.º corpo de Junot, sendo seu governador Manuel Inácio Martins Pamplona, oficial general ido para França com o exército português em 1808. O exército invasor manteve-se três dias na cidade atravessando o Mondego no dia 3 de outubro.

 

continuação

 

 

Evolução das Milícias

| 1ª parte | 2ª parte | 3ª parte | 4ª parte | 5ª parte | 6ª parte | 7ª parte | 8ª parte |
| 9ª parte | 10ª parte | 11ª parte | 12ª parte | 13ª parte | 14ª parte | 15ª parte |

| 16ª parte | 17ª parte | 18ª parte | 19ª parte | 20ª parte |

 


 

regresso à página principal

© 2000-2015 Manuel Amaral