A evolução das Milícias

2.ª parte

 

A criação das companhias de Auxiliares

 

 

Não é fácil definir claramente o motivo da demora na criação dos soldados auxiliares pela coroa e as dificuldades criadas pelas instituições locais. Mas pode-se vislumbrar, por meio da legislação promulgada posteriormente, as preocupações da população privilegiada dos concelhos. Se eram preocupações determinantes é problema que não é possível responder, por agora. A verdade é que em 30 de novembro de 1650, por carta régia, se "determina que os juízes de fora das cabeças de comarca sejam juízes privativos dos crimes dos soldados auxiliares", carta régia que não faz mais do que confirmar o estabelecido no capítulo XXI do regimento dos Auxiliares de abril anterior. Mas percebe-se que, como as Ordenanças, os Auxiliares não quisessem que a sua atividade militar pudesse ser confundida com a do exército. Para além de que, provavelmente, achavam que os privilégios que tinham não fossem suficientes, já que, por decreto de 30 de junho de 1651, foram acrescidos passando a estar isentos dos encargos dos concelhos.

 

 

Infantaria portuguesa durante
a Guerra da Restauração

Isto é, em princípio, a população em geral não se coibia de ajudar à defesa do país, mas não o queria fazer integrado no exército. Exigindo manter-se no âmbito da jurisdição ordinária – tanto civil como criminal – e não da militar. E devido à fragilidade do poder régio acabou por conseguir o seu intento.

O poder local conseguiu ainda mais; conseguiu a diminuição dos dias de exercício. O parágrafo 18 do Regimento de 1570 impunha exercícios todos os oito dias, domingo ou dia santo, reunindo-se por esquadras, e por companhia uma vez por mês. Com o regimento dos auxiliares as obrigações passaram a ser mensais para os auxiliares e somente quatro vezes ao ano para as Ordenanças, sendo que para estes se mantiveram os dois alardos anuais, "nas Oitavas da Páscoa e por dia de São Miguel de Setembro [29, dia evocativo do arcanjo S. Miguel, padroeiro de Portugal a partir do reinado de D. Afonso Henriques e nos que se seguiram]" (§ 21) de que os auxiliares ficaram isentos.

A organização das companhias parece ter começado no início de 1647, desenvolvendo-se lentamente. Temos a prová-lo duas coisas. Primeiro, a carta régia à câmara de Torres Novas, em que a coroa explicava o que tinha realizado desde 1645, informando que "na matéria dos soldados auxiliares se tem já assentado pelas câmaras das vilas e lugares das comarcas de Tomar, Leiria, Vila Viçosa e outras" esperando que "vos disponhais a me servir, com a mesma vontade, pelas muitas e grandes conveniências que deste modo de Milícia se podem seguir". Em segundo lugar, as nomeações de capitães para as companhias de auxiliares. Num decreto de 18 de maio de 1647, remetido ao Conselho de Guerra, já se afirma que "pelas notícias que tenho mandado comunicar ao conselho terá entendido o estado em que se vai pondo a diligência que se faz pelo reino, para se praticar nele a milícia dos soldados auxiliares tão pretendida em cortes e estimados geralmente dos povos". O decreto nomeava Diogo Fróis de Sande capitão da "companhia dos soldados auxiliares da comarca de Portalegre, o qual de presente é capitão da Ordenança da mesma cidade".

Estas unidades auxiliares apareceram em campanha, finalmente, por volta de 1649/1650 e é de facto a partir destas datas que D. Luís de Meneses, conde de Ericeira, na sua célebre obra, começa a referir-se-lhes. Primeiro quando afirma que D. Jerónimo de Ataíde, conde de Atouguia, "achou que [a província de Trás-os-Montes] estava destituída de gente paga [e] procurou emendar esta falta com auxiliares e ordenanças"; a seguir, quando informa que, no Alentejo, em 1650, "supriram os terços de Auxiliares das comarcas do Campo de Ourique e Beja a falta [de] gente"; finalmente quando escreve que "tomou-a D. Sancho [Manoel, conde de Vila Flor em 1659] com melhor sucesso; porque mandou ao mestre de campo João Fialho [comandante do Terço de Penamacor] com 500 Infantes pagos e auxiliares, e 200 cavalos a correr a campanha de Moraleja". Os auxiliares acabaram por ser um enorme sucesso, permitindo aumentar substancialmente as forças militares disponíveis para campanha.

A função das tropas auxiliares estava bem explicitada num decreto de 1650:

 

"O principal fundamento da instituição dos soldados auxiliares foi conservá-los sempre em ser, de maneira que nas ocasiões de maior importância que se oferecessem, se pudesse valer deles, para a defesa do reino, o que se não poderia conseguir, de nenhuma maneira, se os tais soldados fossem divertidos nas levas."

 

Percebe-se assim, mais facilmente, o acordo tácito a que coroa chegou com o "estado dos Povos". Aceitar, na prática, o fim das obrigações militares das Ordenanças para conseguir criar a "milícia dos Auxiliares", mesmo que tivesse de aceitar, também, pelo menos provisoriamente, que esta não integraria a instituição militar. Mas a luta entre os povos e a coroa manteve-se. Como afirma António Manuel Hespanha, "a animosidade dos povos… fez com que a… organização [militar] se arrastasse".

Nos primeiros tempos os auxiliares combateram como companhias integradas nos terços de primeira linha, servindo para os reforçar, como se declarava numa carta régia enviada a Francisco de Saldanha. Naquela missiva afirmava-se que "em razão da grande falta que há de gente nos terços que no exército do Alentejo me servem… convêm muito a meu serviço preenche-los do número de que hão-de constar, de mais dos soldados auxiliares que mando estejam prestes para esta ocasião".

 

 

 

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