A evolução das Milícias

20.ª parte

 

O Levantamento em Massa da população em 1810 - Milícias e Ordenanças

 

Em 1808-1811 o levantamento em massa foi o método fundamental para o sucesso do recrutamento. Serviu rigorosamente o mesmo objetivo da levée en masse em França instituída a 23 de agosto de 1793 pelos jacobinos, na época do Terror, e, como ela, nunca foi vista como uma organização militar permanente, mas sim como uma solução temporária.

 

Voluntários do Comércio
Infantaria dos Voluntários Reais do Comércio

 

O levantamento em massa tem sido confundido com as Ordenanças, tanto na época, por motivos compreensíveis – internos e externos –, como na continuação do século 19 e depois no século 20, e ainda atualmente – porque se passou a confundir e ainda se confunde com a ideologia da "nação em armas", considerando as Ordenanças como forças militares integradas na hierarquia militar, que em Portugal tem uma vertente "decadentista", que sustenta a incapacidade permanente das entidades políticas, ao longo dos tempos, prepararem as instituições militares para a guerra, como se isso fosse um caso original na Europa e não a norma. Esta visão de uma "nação em armas" durante as invasões francesas criou uma visão "ideal" de Portugal e do seu exército, como aconteceu em França, e posteriormente na Prússia. Esta ideologia fez com que a "a nação em armas passasse da realidade à retórica, permitindo que a convicção do exército de que possuía qualidades que faltavam na sociedade civil continuasse intocada".

Mas o levantamento em massa não se deve confundir com as Ordenanças, ultrapassam-nas em muito, e não é, nunca foi, parte – uma terceira linha – do Exército. Como o próprio decreto afirmava foi uma organização da população portuguesa para a defesa local, nova e temporária, que posteriormente serviu como base para o recrutamento, que assentou sobre a organização camarária e foi dirigida por oficiais de Milícias, das Ordenanças, da Armada assim como de oficiais reformados do Exército. Que, como em 1801 e 1808, deu origem a uma força, mais do que de guerrilha ou combate, que serviu para criar cordões de segurança ao redor dos exércitos invasores. E foi um sucesso, que alimentou a vontade de resistência da população portuguesa.

Arthur Wellesley, visconde de Wellington, propôs a William Beresford imediatamente a seguir ao fim da perseguição e expulsão do exército napoleónico de Portugal a mudança do levantamento em massa:

 

"A minha opinião sobre este assunto é que devemos regressar à antiga constituição do país, e fazer o Capitão-mor o Comandante das Ordenanças. O Capitão-mor deve ser selecionado corretamente, e aqueles que se mostraram impróprios para a função demitidos. Mas, na minha opinião, não ganhamos nada em alterar o nome de Ordenança para Guerrilha, e ganhamos pouco fazendo Capitães de guerrilheiros. Foi o único expediente na época, para retirar um qualquer tipo de apoio desta faixa da população, porque os Capitães-mores tinham fugido. Mas como há agora um pouco mais de tempo para organizar esta força, será melhor colocá-la sob os Capitães-mores, de acordo com as antigas práticas, e acabar com esses bandos de saqueadores que se chamam guerrilheiros, e que agora estão a saquear o país e as nossas colunas de abastecimentos."

 

Nem todas as informações de Wellington, como sempre, eram inteiramente corretas. A obrigação do levantamento em massa, a nomeação de comandantes para esta organização fora dos oficiais de Ordenanças, não tinham sido motivados pela fuga natural de alguns capitães-mores dos seus distritos durante a invasão de 1809, nem tão-pouco da de 1810. Estas nomeações tinham sido a norma em 1808-1810, e a criação das guerrilhas era anterior à invasão de Massena. Mas num regime parlamentar como o britânico em que toda a correspondência oficial entre entidades dependentes da coroa podia ser tornada pública, e era-o normalmente porque sistematicamente analisada pela oposição, o que se escrevia tinha que ter em conta essa possibilidade, não se podendo dizer tudo, nem se podendo dizer de menos. Por isso, culpava-se sempre quem não estava ao alcance do longo braço do parlamento londrino – os aliados – e da sua capacidade de impeachment, de destituição dos cargos dos que erravam, ou, mais comumente, dos que se tornavam incómodos, e como se sabe a fação familiar Wellesley era-o, e muito, para a oposição Whig.

O que interessa perceber é que as Ordenanças tinham servido eficazmente - como o quartel-mestre general do exército português, Benjamim D’Urban referiu em 1811 no seu diário e, praticamente da mesma forma o coronel Vincent, comandante da Engenharia do exército de Junot assumiu -, ao criarem um cordão à volta dos exércitos de Junot e de Massena que os tinha impedido de receber ordens e informações, diminuindo substancialmente a sua capacidade operacional.

 

 

 

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