A evolução das Ordenanças

6.ª parte

 

O Regulamento Provisional das Ordenanças de 1803: 

Uma proposta radical de nova organização militar em Portugal

 

É importante conhecermos o conteúdo das propostas contidas na proposta de regulamento, para compreendermos o que se vai tentar mudar na organização das Ordenanças até 1810, e quais eram os princípios que balizaram as decisões políticas.

 

D. João VI

© Palacio Nacional de Queluz

D. João VI em 1803

 

O inspetor-geral de Infantaria, o general Forbes, que estava em Portugal desde 1762, e que pelo casamento com uma portuguesa se tinha tornado súbdito português, propôs, no seguimento do que tinha sido discutido pelo conde de Lippe em 1764, a abolição das Milícias, e a criação do estatuto de "semestreiros" – soldados que só integrariam os regimentos de infantaria três meses por ano. Assim os regimentos de infantaria seriam divididos em duas partes. Metade seria composta por voluntários e por membros recrutados das antigas ordenanças; os semestreiros seriam recrutados nas antigas listas de Milícias. Esta proposta de abolição das Milícias era acompanhada pela criação do estatuto de Voluntário das Ordenanças. Este grupo, uma percentagem certa dos membros das listas de Ordenanças, que não eram recrutados para o Exército seriam organizados em seis Legiões de Tropas Ligeiras, compostas por um batalhão de caçadores e um esquadrão de hussardos. O uniforme previsto era o usado pelo antigo regimento de Voluntários Reais, criado em 1764 – castanho pinhão com vivos encarnados.

Este plano, que tinha sido apresentado em meados de 1802 e aprovado, necessitava de um trabalho preparatório relativamente importante.

O que se propunha era dividir o país em três divisões militares territoriais, tendo subordinados sete governos das armas, e vinte e quatro brigadas de Ordenanças, cada uma das quais daria origem a um regimento de infantaria a dois batalhões. Cada brigada de ordenanças seria dividida em oito distritos – as capitanias-mores, equivalentes às oito companhias de fuzileiros de cada um dos regimentos, e cada capitania-mor em oito companhias de Ordenanças equivalentes às secções das companhias.

O plano, por isso, necessitava de definir previamente o território das vinte e quatro brigadas, que tinham que ter uma população equiparada, assim como escolher criteriosamente as personalidades que as dirigiriam, já que o cargo seria uma novidade e de muita importância. Tinha que assentar num conhecimento demográfico bastante alargado, só possível com base no numeramento de 1801. Precisava também da impressão dos regulamentos, tendo o trabalho de compilação dos dados e impressão terminado em maio de 1803.

Assim, no segundo trimestre de 1803 tudo estava preparado, tendo o príncipe regente D. João mandado convocar uma reunião do Conselho de Guerra para aprovar o plano. O plano seria acompanhado por uma revolução na organização e na distribuição territorial do exército, já que prevendo-se modificar os sete governos das Armas das províncias e subordiná-los às três divisões militares territoriais, que não devem ser confundidas, como muitas vezes o são, com as grandes unidades táticas com o mesmo nome, queria-se acompanhar estas transformações com a transferência de grande parte dos regimentos dos quartéis que ocupavam nas fronteiras terrestres e nas principais localidades da costa, a maior parte deles estacionados no mesmo local desde a segunda metade do século 17, para outras povoações no interior do país. Os vinte e quatro regimentos de infantaria preparavam-se para serem enviados para as sedes das brigadas de Ordenanças, cobrindo assim com as suas guarnições todo o território nacional.

Este plano não foi posto em prática. Tudo acabou após os Motins de Campo de Ourique, que não são mais do que uma manifestação de desagrado da aristocracia dirigente do exército – sobretudo do marquês de Alorna e de Gomes Freire de Andrade, mas que contavam com o apoio dos marqueses de Ponte de Lima e Valença, do conde de São Miguel, e de outros oficiais generais e superiores, que tinham sido colaboradores próximos do duque de Lafões, enquanto este dirigiu o exército –, contra as propostas apresentadas pelos ministros, considerados dirigentes do partido inglês, D. João de Almeida Melo e Castro e D. Rodrigo de Sousa Coutinho, dirigentes do velho partido dos funcionários régios, que tinha tido no marquês de Pombal o seu dirigente paradigmático.

Só em 1807 se tentará novamente a reorganização das Ordenanças, mas agora, significativamente, mantendo os regimentos de Milícias, o que não será possível implementar devido à primeira invasão francesa. Em 1816 tentar-se-á novamente pôr em prática a organização das Ordenanças como estava prevista na proposta de 1803, dois anos depois de o plano de distribuição do exército de 1803 ter sido finalmente aplicado, nesse ano de 1814 em que o exército português, tendo invadido a França e ajudado à deposição de Napoleão Bonaparte, integrado no exército britânico, regressou a Portugal.

A manutenção, ao longo de uma década, da mesma política de organização do exército e do seu recrutamento deveu-se fundamentalmente, é bom não esquecer, a que o secretário de Estado da Guerra de 1808 a 1820, que já tinha sido secretário da Regência que governou Portugal após a saída da corte para o Brasil, fora o secretário da Comissão de reforma militar criada em finais de 1801, e o principal responsável pela proposta de implementação dos planos de organização das Ordenanças e de distribuição do exército apresentada em 1803, por ser o subinspetor de Infantaria desde meados 1801 – o tenente-general D. Miguel Pereira Forjaz.



1. Documentação do AHM, a ser apresentada em Novembro de 2005 no XV Colóquio de História Militar, organizado pela Comissão Portuguesa de História Militar e subordinado ao tema. «Portugal Militar nos séculos XVII e XVIII até às vésperas das Invasões Francesas».

2.Vide Doc. 8 – Alvará de 21 de Fevereiro de 1816, aprovando o «Regulamento de Ordenanças».

3. Sobre Dom Miguel Pereira Forjaz ver a biografia de Francisco Arturo de la Fuente, Dom Miguel Pereira Forjaz: his early career and role in the mobilization and defense of Portugal during the Peninsular War, 1807-1814, Ann Arbor, UMI Dissertation Services, 1997; edição facsimilada da cópia microfilmada do texto policopiado da Tese de Doutoramento defendia na Universidade Estadual da Florida em 1980.

 

 

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