D. Rodrigo de Sousa Coutinho

D.Rodrigo de Sousa Coutinho

 

 

DISCURSO DE D. RODRIGO DE SOUSA COUTINHO

 

Discurso proferido por D. Rodrigo de Sousa Coutinho em 22 de Dezembro de 1798, na cerimónia de inauguração da «Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares», que tinha sido criada em 30 de Junho do mesmo ano.

 

 

O primeiro discurso, dos cinco que faria até 1803, que D. Rodrigo de Sousa Coutinho proferiu perante os sócios desta Sociedade criada para centralizar os trabalhos técnicos a realizar para promover o desenvolvimento económico do país.

O discurso é muito interessante porque, se por um lado, mostra o tipo de prelecção que um ministro realizava a uma assembleia quando o monarca estava presente -  era o único centro das atenções -, por outro, lista claramente os principais problemas da sociedade portuguesa em finais do século XVIII, confrontada com o relativo atraso económico em relação aos países do norte do continente, e que criava dificuldades na defesa do império atlântico.

 

 

SENHORES

Reunidos hoje, para dar principio a um dos grandes estabelecimentos que S. A. R. O Príncipe Nosso Senhor se dignou criar, e que imortalizando a sua Regência, associa o seu Augusto Nome ao do seu Grande Tio o Sr. Infante D. Henrique, tão justamente célebre pelas grandes descobertas, que mandou fazer e que sucessivamente ligaram entre si as mais distintas e separadas partes do Globo, seria certamente eu o que devesse ser o último a falar diante de uma tão ilustre como sábia Sociedade, se o nosso Augusto Príncipe se não houvera dignado de encarregar-me, descrever as suas Grandes ideias sobre tão interessantes objectos no Alvará que acaba de ler-se, e se consequentemente não me ficara tocando a distinta honra de lembrar à Sociedade, os objectos de que deve logo ocupar-se segundo as Reais Intenções para dar princípio à sua Gloriosa Carreira e se não fora justo em tão solene dia gravar ainda que com grosseiro buril e muito sucintamente as imortais Acções do Grande e Augusto Príncipe, que em poucos anos de Regência tem beneficiado os seus povos com instituições as mais respeitáveis; resultados de séculos de civilização, novos para Portugal, e cujos frutos se vêem com a grandeza do nosso comércio, e até da nossa agricultura, e que cada dia prometem ser maiores, o que bem sentem os que de perto gozam da honra de admirar hum Príncipe que ás maiores, e incomparáveis luzes une o mais eficaz desejo de executar, e realizar as mais sólidas vistas a benefício dos seus ditosos vassalos.

É para satisfazer ás paternais vistas de tão Augusto Senhor que a Sociedade deve logo ocupar-se dos objectos Científicos, que lhe ficam encarregados e de que tanto a Nação necessita, e dos Económicos que devem afiançar a sua existência sem ser de modo algum pesada ao Estado, e que o seu Real Fundador lhe confiou de par com a Real Junta de Fazenda da Marinha.

As Cartas hidrográficas e marítimas, objecto o mais importante para a nossa extensa navegação, é sem duvida o primeiro e mais essencial objecto que deve merecer a atenção da Sociedade, e que é de esperar consiga com grande e indefesso zelo publicar no mais breve período possível, ao menos aquelas de que há uma inteira falta, é uma absoluta necessidade. Nesta classe se compreendem em primeiro lugar as Cartas das Costas do Reino e ilhas, as que servem para a navegação do Brasil, as da navegação para os Portos de Africa, as da navegação para as costas da África Oriental, para as duas costas de Malabar, Coromandel e Bengala, para as Molucas, e China; em segundo lugar as que mais se nos avizinham, e que vão ser (graças ás luminosas e Paternais Vistas do nosso Augusto Príncipe,) muito frequentadas pela nossa marinha mercante, e que é inútil nomear, as Costas que bordam o Mediterrâneo, as do Báltico os mares do norte da Europa, e as da América Setentrional.

A necessidade imediata que há de semelhantes publicações, não podem por ora permitir que unamos grandes trabalhos e Correcções Nacionais, ao que tem publicado as Nações mais cultas, e que tem uma mais extensa navegação; mas temos a vantagem de poder aproveitar-nos das ultimas correcções já anunciadas nas primeiras publicações e de preparar para o futuro cartas mais exactas, que sejam o fruto das ordens que S. A. R. tem já dado a todos os Comandantes das suas Embarcações de Guerra, e das que se darão em consequência das representações desta Sábia Sociedade.

A estes primeiros trabalhos tão essenciais segue-se o abrir-se a Grande Carta Geográfica da América Meridional muito particularmente do Brasil coligida pelo hábil e douto Governador da Capitania do Espírito Santo, de todas as Cartas Gerais e Particulares que se achavam no Deposito da Secretaria de Estado da Marinha e que certamente é muito superior em exacção a tudo o que até aqui se tem publicado, bem que muito distante ainda da perfeição a que será elevada, quando se poder colher o fruto de todos os grandes trabalhos que já se acham ordenados a este respeito pelo nosso Grande Fundador, e Augusto Príncipe.

Vai de par com este trabalho a publicação e gravura do Porto de Lisboa, traçado com a maior exacção pelo hábil e Douto Lente nosso distinto Colega e que faz parte do grande trabalho da Carta Geral do Reino, e da medida dos graus do Meridiano que S.M. ordenou, e que vai executado com tal perfeição, que nada terá que invejar aos últimos trabalhos de Mechain, e de Delambre assim como aos anteriores de Cassini em França; de Le Roi, em Inglaterra, dos P.ss Cesaris Regis e Oriani no Milanês, e de Bonovich e de Maio nos Estados Eclesiásticos.

Seja-me lícito lembrar aqui que este tão grande como útil trabalho tem até aqui tido poucos meios para que as grandes luzes e incansável actividade do nosso Colega possam com brevidade dar-nos completo um trabalho de que tanto se necessita em todo o sentido, e de que se viu em França o fruto, quando se fez sobre a Mesa uma divisão que praticamente não achou inconveniente pela exacção das medidas, sobre que se fundava.

Certamente a época do Astrónomo não podia ser mais feliz, e com gosto vendo esta publica justiça, ao filho de um meu Mestre, a quem o Real Serviço, o Reino e os Domínios Ultramarinos devem Muito e a cujo respeito O Grande e Augusto Príncipe Nosso Senhor tem uma divida a pagar, tendo sido pouco atendida à Memoria deste Sábio Estrangeiro que soube servir, e não soube fazer-se valer.

Após tais e tão distintas ocupações terá a Sociedade de trabalhar em Cartas Militares, de que não creio haja ainda entre nós depósito algum, e certamente não será nem pouco útil nem pouco laborioso tudo o que a tal respeito houver de empreender-se.

Com tão profundos, e sábios exames deve a Sociedade combinar os arranjos económicos, seja para fixar o imposto que se há-de lançar sobre as Cartas Geográficas e Hidrográficas que mandarem vir os livreiros para porem em venda, seja para sistematizar a execução, do que se há-de praticar a respeito da venda e da aprovação das agulhas de Marear, seja para publicar o juízo das Cartas Estrangeiras que se vendem, e cujos erros particularmente nas Hidrográficas, podem ser fatais quando não são conhecidos; seja finalmente para o exame dos favores que se podem conceder aos Artistas que nos principiarem a manufacturar Instrumentos Matemáticos bem divididos, enquanto não voltam os artistas que S. A. R. mandou aprender na Escola de Ramiden, o artista por excelência segundo a voz publica e Geral da Europa.

Expostas assim as obrigações de que primeiro nos devemos ocupar, é preciso Senhores, que procuremos com o mais activo zelo adiantar todos estes objectos e que satisfaçamos assim as grandes vistas do nosso Augusto Fundador, vistas que se estendem a todos os Grandes Objectos Políticos, Administrativos, de Fazenda, Militares, Marítimos, Comerciais, e de Agricultura e Artes, que me será lícito tocar aqui brevemente, e com voz pouco digna de tão alto assunto, para nós animar a grandes esforços e para que a Posteridade veja com admiração o que a Grande Alma e Sublime Espírito de S. A. R. o Príncipe Nosso Senhor, pode executar em tão breves anos de Regência e cujos frutos são visíveis no meio, da desolação quase universal da. Europa, que singularmente contrasta com a Grandeza e Felicidade de Portugal, e dos seus Vastos Domínios.

No momento em que toda a Europa temia ser vitima de uma Revolução, que aproveitando-se de todos os meios e de todas as luzes que há séculos a - civilização geral da Europa havia acumulado na França, queria sepultar todos os Governos do Universo no mesmo abismo de miséria e de desgraça em que a antes rica, populosa e fértil França hoje jaz; no momento em que a Religião, a Propriedade e tudo o que pode ser ao Homem ou grato ou agradável e interessante estava ameaçado da mais fatal ruína, é então que a maior Firmeza nas negociações e à mais intacta, e pura Boa Fé na Conservação do sistema Federativo o mais análogo à situação física de Portugal no Globo, ás suas relações políticas e comerciais salvou Portugal de todo o perigo, e o conserva feliz no meio da Geral desgraça; e quando a maior parte da Europa se vê miserável por ter sido vítima de uma falsa confiança, e de tímidos princípios, então Portugal devo ao seu Grande e Augusto Príncipe a feliz situação de que gozamos.

Nada deixa a Sua Grande Alma de tentar do que podia demonstrar o seu sincero desejo de fazer uma Paz decente, e honrosa, mas nada também se aceita o que pôde levemente ofender ou a dignidade da R. Coroa, ou a Segurança do Império, e tais medidas políticas exteriores, também são acompanhadas de outras igualmente prudentes no interior de maneira que a Nação pode justamente duvidar, se uma Paz absoluta lhe houvera sido mais vantajosa do quer a Guerra, de que não sente os funestos efeitos, e em que só vê uma maior estabilidade no seu Governo.

Para ocorrer ás Despesas que exigia hum estado respeitável de Defesa, a Organização do Credito Publico por meio de hum Estabelecimento onde se pagam religiosamente os Juros das Dividas do Estado; a criação de Impostos moderados que ou recaem sobre a gente abonada que melhor os pôde pagar, quais a decima dos Dízimos, o Quinto dos Bens da Coroa, ou sobre todos em geral e moderadamente quais os Impostos do Papel Selado; são certamente Operações de Fazenda as mais louváveis, e que unidas ao Empréstimo que se abriu fazem ver que em tal e tão importante matéria abraçou o nosso Grande Príncipe tudo que se acha mais sancionado pela experiência das outras Nações.

Não é menos admirável a Real Resolução que incorporou na Coroa o Correio das Cartas, e a mesma Generosidade com que foi indemnizado o seu ultimo Administrador, muito além do que lhe era devido, faz o Elogio do Soberano, que não quis vexar de modo algum o Particular em quanto exigia dele um sacrifício tão útil à Causa Publica, e que faz de uma vez cessar o ridículo que se dava ao Governo Português por ser o único Estado em que o Correio Publico era o Património de um Particular.

Não são menos gloriosas as resoluções com que S. A. R. pôs o seu Exército em um Pé tão respeitável, e com que procura manter a sua Disciplina por meio de acampamentos como aquele que acaba de ter efeito, comandado por um nosso Colega, cujo alto merecimento, e superiores luzes, são tão geralmente conhecidos, que nomeá-lo aqui é dizer tudo.

Não é talvez sem fundamento que a Nação em Geral espera; do nosso Augusto e Grande Príncipe para maior Consolidação, e perfeição do Exercito; o ver sistematizado com grande regularidade o Plano dos Semestreiros por cujo meio um grande Exército cessa de ser oneroso; o ver estabelecidos Acampamentos anuais em Cada Província onde o Oficial, e o Soldado se formem ao mesmo tempo; e finalmente o restabelecimento da Cavalaria que justamente merece a maior atenção de um tão Iluminado como Grande Soberano.

Os novos estabelecimentos para consolidar, e engrandecer a Marinha Real tem até aqui sido justificados pela experiência e até por uma rara fortuna S. A. R. pode nesta Repartição emendar a falta de luzes, e de actividade ,do Ministro de Estado da Repartição, escolhendo para os Tribunais e para Chefes das Repartições em que se subdivide Oficiais de Marinha, e Fazenda que nada deixam a desejar; e muitos dos quais nossos Colegas aqui presentes justificam as minhas asserções.

Seja-me lícito citar sucintamente as Resoluções abraçadas por S. A. R. nesta Repartição quais em primeiro lugar a Divisão da Administração Militar e de

Fazenda para cujo efeito criou o mesmo Augusto Senhor a Junta da Fazenda de Marinha cujos resultados o Público conhece atribuindo-se a sua boa Administração à forma da sua Organização sendo composta de todos os

Chefes, que ou administram Fazenda, ou trabalhos do Arsenal e Fabricas de Marinha.

Para o mesmo fim, e para segurar a bordo das Naus a Administração, da Fazenda Real criou S. A. R. os Comissários, e deu também para o mesmo efeito os Regulamentos que se observam a bordo de todos as Embarcações de Guerra, e de que se tem seguido não pequenas vantagens em matéria de economia.

Para o engrandecimento, e melhor serviço da Marinha Real criou o Augusto Príncipe Nosso Senhor uma nova Escola de Construção, de que são esperáveis os mais saudáveis efeitos.

Criou o Observatório da Marinha a que vai dando diariamente toda a consolidação, e por cujo meio se estão já publicando as Efemérides para o próximo ano, e se publicarão daqui em diante com a antecedência de quatro anos; formou a Brigada Real sem a qual se não poderia ter elevado o armamento ao ponto a que S. A. R. o tem aumentado; acrescentou a Marinha Real com novas construções e com a compra dos Vasos que se julgaram necessários, sendo neste ponto notável .que a fragata Amazonas de 50 Peças, construída no Pará custou o seu casco pouco mais de 52 mil cruzados e se pagou quase o seu Valor com o frete da Fragata «Golfinho» que veio do Pará com Carga de Madeira.

Para o melhor serviço do mesmo Arsenal ordenou S. A. R. que no seu seio se criassem várias Fábricas quais as de Cobre Latão e. a das Vistas.

A Real Fábrica da Cordoaria e Lonas aumentada por S. A. R. tem-se elevado ao ponto que em poucos anos nada destas Manufacturas virá de fora, particularmente logo que o Linho e Cânhamo do Rio Grande, de Paraguai, e dos Campos da Coritiba vier na abundância que justamente se espera depois que se houverem executado as providencias que S. A. R. tem mandado dar.

Tanto o Objecto do Linho Cânhamo, como a Condução de Madeiras do Brasil nas charruas que S. A. R. tem mandado construir de novo, além das que já existem, e o Salitre, que é provável em breve tempo acresça aos Produtos inestimáveis que dá o Brasil, e que é um Produto que soma se deve aos Paternais Cuidados de S. A. R. hão de não só aumentar muito consideravelmente as Rendas Reais mas hão de dar uma sólida base à Marinha Real, de que S. A. R. conhece tanto a necessidade, de que é memorável o seu Grande dito «que as Embarcações Reais eram as Pontes que reuniam os seus Vastos Domínios».

No número dos objectos que no seu detalhe tem aperfeiçoado a Marinha Real, deve citar-se a introdução dos feixos para dar fogo às peças, e S. A. R. mandou  introduzir conforme a qualidade das peças as três diversas espécies de fechos de que os ingleses, e franceses se têm até aqui servido.

A grande vantagem que a Marinha Real e Mercante há-de receber da criação das Intendências do Brasil que S. A. R. exigiu, o tempo o há de cada dia mais verificar e o exemplo da Baía assaz o comprova já.

Um eterno Monumento de Humanidade é sem dúvida o Hospital Real da Marinha por meio do qual S. A. R. livrou o Arsenal da infecção do Gás Azote mais pesado que o Atmosférico, e que do antigo Hospital se derramava sobre todos os operários que trabalhavam no Arsenal.

Ao mesmo Hospital uniu S. A. R. a criação de um Laboratório Químico e de um Dispensário Farmacêutico de cuja utilidade seria fora de propósito falar diante desta Sociedade.

O Sistema Económico que S. A. R. adoptou para a erecção deste Hospital, procurando por meio de uma anuidade um empréstimo com que fazer esta fundação correspondeu plenamente à expectação, e é superior a tudo que se supunha, a economia e ordem com que este edifício se vai erguendo e que é fruto das medidas que S. A. R. antes abraçou.

Não devo concluir este sem da uma breve ideia da forma da contabilidade que S. A. R. ordenou para esta Repartição e que é conforme ao que melhor se conhece fora de Portugal em tal matéria.

No princípio de cada ano logo que S. A. R. ordenou para fixa no seu gabinete o armamento marítimo no ano futuro dobe à sua Real Presença o Orçamento ou Balanço da futura Despesa que se há de fazer, e ao mesmo tempo a conta efectiva da Despesa que se fez no ano passado comparada com aquela que antes havia sido orçada para o ano precedente e juntamente os Paralelos ou Causais das diferenças que houve em mais ou menos entre as duas Despesas a orçada e a efectiva.

Esta comparação se faz também em cada seis meses e sobe o quadro comparativo à Real Presença. 

Logo que finda o primeiro mês de cada ano e assim sucessivamente em todos os meses sobe à Real Presença o quadro da despesa feia naquele mês, e todas as despesas não fixas e variáveis (quais as compras de géneros, as letras de câmbio, e tudo o que é extraordinário) são justificados em quadro à parte onde se mostra o preço, a qualidade e a pessoa a quem se comprou o género, assim como a pessoa que tirou a letra de câmbio e todas as mais circunstâncias que podem dar clareza em tal matéria.

Parece-me senhores, que S. A. R. deu em tal matéria todas as providências que humanitariamente se podiam desejar, e que até aqui ao menos em parte alguma da Europa se não tem feito mais neste ramo de administração da Fazenda Real.

Nada digo da Marinha Real e da gravidade da disciplina militar que S. A. R. tem estabelecido a seu respeito. Os almirantes Lord S. Vincent e Nelson no bloqueio de Malta, dizem tudo, assim como também o diz a felicidade com que tem sido protegido o comércio nacional de que resulta o crédito que dão os seguradores de Londres aos nossos comboios.

Se tais são as providências que S. A. R. tem dado para a sua Marinha as que o mesmo Augusto Senhor tem posto em execução nos seus domínios ultramarinos prometem as mais felizes consequências.

Tem o primeiro lugar sem contradição as providências dadas para a navegação do Amazonas e para o corte das madeiras nas suas margens, e essa navegação difícil como a do Ganges será um eterno monumento de glória de S. A. R.

As navegações pelo Amazonas, Madeira e Guaporé até Mato Grosso, a do Tocantis até Goiases já abertas e a do Tapajóz preparada são objectos que só por si fariam a glória de um Reinado.

O estado civil dado aos índios que completa a imortal lei do senhor rei D. José o 1.º de saudosa memória une a glória e nome do augusto neto ao grande avô.

A civilização dos índios ainda fora do recinto da sociedade procurada por meio da religião, para cujo fim mandou S. A. R. publicar catecismos e dicionários da mesma sua língua para instrução dos que hão de espalhar a luzes evangélicas é a acção que mais há de imortalizar a regência de um tão grande príncipe e é um sistema igualmente religiosos como filosófico, apesar das falsas teóricas com que fanáticos filósofos pretenderam criar o homem diferente do que ele é, e virão com a experiência desvanecer quiméricos sistemas filhos de imaginações em delírio.

Aqui é o lugar de citar as providências dadas por S. A. R. para a conservação e cortes regulares das matas e arvoredos do Brasil, cujo produto deve ser imenso, para o estabelecimento da nitreiras artificiais e nitreiras naturais que dão já de si as maiores esperanças para a cultura do linho cânhamo; e mais que tudo de citar as aquisições que se devem aos esforços ordenados pelo mesmo Augusto Senhor e que tem introduzido no Brasil a cultura da árvore de pão, a do cravo da Índia, a da pimenta, a da canela, e a de muitas outras culturas preciosas ou já adquiridas ou que tocam ao momento de ser, podendo asseverar-se que nos poucos anos da regência de S. A. R. fez Portugal maiores aquisições deste género do que não havia feito em todo um século.

Para se constituir S. A. R. benfeitor em todos os sentidos dos seus vassalos portugueses que habitam o Brasil até acaba de fazer-lhes comunicar por via da imprensa todas as melhores obras que se conheciam e se haviam publicado em França e na Grã-Bretanha a respeito das grandes culturas próprias daquele continente, e é provável que na época presente se tirem os maiores proveitos desta sábia resolução política.

Também seria aqui o lugar de citar os planos que ainda se discutem na Real Presença para melhorar a administração do Brasil, os favores concedidos aos estabelecimentos de manufacturas na costa do Malabar, o plano de ampliar e segurar o comércio de todos os domínios da Ásia portuguesa, e as ordens dadas para a execução do velho, útil e nunca executado projecto da reunião das duas costas de África, mas são objectos estes que em grande parte o tempo deve ainda desenvolver e que basta aqui apontar como monumentos da presente e futura glória de S. A. R. 

Sobre o aumento da marinha mercante e do comércio português devido aos cruzeiros, e aos comboios regulares, e repetidos ordenados por S. A. R. é inútil falar, e toda a Nação conhece o que deve à firmeza e aos seguros princípios administrativos do grande príncipe, que é a única causa de tão grande bem, e o mesmo senhor se visse os nossos corações, conheceria que dentro deles existem monumentos erigidos pela gratidão, e pelo reconhecimento do muito que devemos a um tão tão grande soberano e pai comum.

Com a extensão do comércio tem também crescido muito a agricultura como prova a imensa exportação dos nossos vinhos, mas muito há ainda de esperar das sublimes luzes de um Príncipe que conhece que ela é a melhor base da prosperidade pública.

Ninguém melhor que S. A. R. conhece que a organização de um imposto territorial fixo e produtivo lançado sobre um exacto cadastro, que a fixação ao menos por longas épocas dos dízimos eclesiásticos, que os longos arrendamentos, que caixas de crédito a favor dos agricultores, que canais de navegação e rega e outros objectos de tal natureza são os grandes meios de promover e elevar ao sumo auge a agricultura; e certamente oiço dizer que a Nação justamente pode esperar tão grandes benefícios da provida e augusta mão que tanto tem feito, e que no meio da desgraça universal da Europa pode preservar-nos dos males gerais e segurar a nossa felicidade como certamente se não poderia esperar sem o grande soberano, verdadeiro génio tutelar da monarquia dos seus augustos avós, cujos sagrados direitos aos olhos dos fiéis e bons portugueses se enlaçam sempre com a memória de que tão augusto soberano devemos a nossa glória, a nossa independência, e a existência nacional.

Eis aqui senhores, bem sucinto e fiel, ainda que mal exposto quadro do muito que devemos ao Nosso Augusto Soberano e que eu espero que tenhamos sempre presente ante os nossos olhos para que  com o mais indefesso zelo, procuremos realizar as vistas de um tal príncipe e nos mostremos dignos da confiança que se dignou por em nós.

Eu assim o espero, e que nada tenhamos que invejar aos trabalhos das assembleias de longitudes, e depósitos de costas marítimas estabelecidas pelas nações mais cultas, a que podemos procurar alcançar, ainda que muito nos precedessem em tempo.

Tais são os votos e desejos donosso grande fundador, e o que certamente nunca fugirá de diante dos nossos olhos.

Disse.

 


Fonte:

Marquês do Funchal, «Discurso I. feito pelo Ill.mo e Ex.mo Sr. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, na abertura da Sociedade Real Marítima, em 22 de Dezembro de 1798», in O Conde de Linhares, Dom Rodrigo Domingos António de Sousa Coutinho,Lisboa, 1908, págs. 105-115.

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