Norton de Matos |
MANIFESTO DE NORTON DE MATOS. Manifesto de Norton de Matos «À Nação», impresso em Lisboa e distribuído em 9 de Julho de 1948.
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O general Norton de Matos apresentou-se oficialmente às eleições para a Presidência da República, em Julho de 1948, após algumas hesitações, já que a sua candidatura demorou a criar consenso. António Sérgio apostava no general Costa Ferreira, que tinha sido ministro da Instrução de Setembro a Dezembro de 1929, e outros preferiam Mário de Azevedo Gomes, um dos patriarcas da oposição ao salazarismo e membro do directório Democrato Social. Manuel Serras e a antiga estrutura do Partido Republicano Português eram da opinião que a Oposição não devia apresentar um candidato às eleições. A campanha eleitoral começou a 3 de Janeiro de 1949, e as eleições realizaram-se em 13 de Fevereiro, tendo o general Carmona sido reeleito e Norton de Matos desistido no dia anterior. |
«Trata se evidentemente de um candidato de oposição ao regime actual. Mas de um candidato que exprime uma forte corrente, provavelmente indomada e indomável»
« Portugueses de aquém e de além mar! A todos me dirijo no momento de ter sido entregue, segundo os preceitos legais, ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a apresentação da minha Candidatura à Presidência da República. Solicitações instantes, vindas de toda a parte, acumulando-se há mais de um ano à minha volta, com entusiasmo crescente, destruíram em mim as hesitações que de começo formulara. Carecia, na realidade, de convencer me de que nenhum mal podia advir, com a minha Candidatura, à Pátria que estremeço e que pelo contrário dela algum bem podia resultar. Este convencimento existe hoje, depois que pude auscultar a opinião democrática e liberal do País, e depois que a sua unidade de vistas a meu respeito se tornou um facto, suficientemente atestado pela qualidade, número e distribuição territorial dos cidadãos que apoiaram e subscreveram, honrando-me sobremaneira, as listas da minha apresentação. Nestas listas ficam representados, sem dúvida, credos políticos e religiosos diversos, podendo ir a diversidade até à oposição, como nelas figuram individualidades das mais distintas em saber, ao lado de trabalhadores bem modestos. O quadro não pode ser mais expressivo, nem mais perfeita pode ser a fusão em volta de um ideal político de emergência que, de momento, se impõe à consciência da Nação: Ideal desvinculado de todo o partidarismo, alheio a todo o espírito sectário e com autêntico cunho nacional. Trata se evidentemente de um candidato de oposição ao regime actual. Mas de um candidato que exprime uma forte corrente, provavelmente indomada e indomável; de um candidato, pois, que, na plena consciência do que vale a designação que do próprio nome foi feita, se dispõe a lutar pelo seu direito, guiado sempre pelo único imperativo de servir a honra e o interesse nacionais. A aceitação desta candidatura implica, aliás, como é de prever, atentas responsabilidades anteriores, o propósito de não colaborar nos actos públicos, pré eleitorais e eleitorais, a que faltem as características democráticas da liberdade, seriedade e independência; de não sancionar com o meu silêncio, nem os vícios da lei, nem as práticas dolosas que, imperfeita embora como é, a desrespeitam. Farei a propósito, oportuna e incessantemente, as reclamações adequadas. Esta candidatura haverá, assim, que prestigiá-la à face do País, por isso que de mais sei que, sem este prestígio, não sirvo a função e não honro o mandato que me fica entregue. Culmino com este acto, maduramente pensado, da minha vida pública aquela acção política de democrata convicto que tenho exercido, o melhor que me tem sido possível, no decurso de uma longa existência. Mantenho me fiel a princípios que sempre defendi e, julgando traduzir, com a minha atitude, as aspirações da maioria da Nação, voto-me inteiramente, neste derradeiro combate, à satisfação dessas aspirações, as quais vão - sem mais preâmbulos - adiante expostas, como sendo a parte doutrinária do presente manifesto. Quais são, segundo os compreendo, os pontos de vista e propósitos comuns do povo português, materializados nesta apresentação de candidatura? Vou enumerá-los com a maior concisão possível e nas minhas palavras nada haverá que possa ofender ou irritar, pois que no povo a que pertenço só vejo vontade de harmonia, de respeito mútuo e de vida pacífica. I - Cansado de divergências internas, o povo português deseja que todos os habitantes de Portugal sejam acima de tudo portugueses; que a tolerância e o respeito pela pessoa humana os ligue a todos e permitam a cada um viver a sua vida sem o terror desmoralizante da incerteza. II - Hoje mais do que nunca quer Portugal marcar o lugar a que tem direito no mundo, engrandecer-se e prestigiar-se, manter ciosamente as suas independência e soberania fundamentais e cooperar internacionalmente para a consolidação da paz universal, servindo-se para tanto do seu espírito empreendedor, do seu génio colonizador e da sua bondade natural que só injustiças e violências podem alterar. lII - Um grande campo de acção continua aberto às actividades portuguesas e nele têm, desde há séculos, desaparecido sempre todas as nossas discórdias, quando logra dominar-nos uma visão superior. Refiro-me à missão histórica de Portugal, à colonização e civilização de territórios de além-mar. Na continuação dessa obra, intensificando-a e sublimando-a no tremendo momento que se atravessa, todos os portugueses poderão encontrar-se lado a lado, longe de contendas e tendo apenas em vista melhorar e elevar a vida nacional, quer vivam na Metrópole quer no Ultramar, sem necessidade de ninguém se deslocar para ir, vexado, colocar-se ao lado doutrém. O lugar é de todos e para todos. IV - Mas para conseguir o que fira dito, que é considerável, muito há a fazer. Em primeiro lugar temos de levar a cabo a Unidade Nacional, concebida, aliás, desde a primeira hora das descobertas dos nossos antepassados. - A Nação é uma só, formada por territórios situados na Europa e por outros em continentes diversos, províncias portuguesas de aquém e de além-mar, que assim lhe chamaram os nossos maiores. A Unidade Nacional implica: - Unidade territorial: para o que temos de agir como se se tratasse de um território único e contínuo. - Unidade económica: que consiste no aproveitamento integral e harmónico de todos os esforços da Nação, materiais e espirituais. As medidas de progresso aplicadas a qualquer porção do território nacional, da Metrópole ou do Ultramar, de modo algum deverão prejudicar as porções restantes. Tudo pára todos. Sacrifícios e vantagens terão de ser gerais e subordinados a uma repartição equitativa. - Unidade de acção: pois que sem ela a unidade territorial não se manterá e a unidade económica nunca chegará a existir. - À valorização das colónias devemos dar o nome de valorização da Nação; não há política colonial, há apenas política nacional. - Realizar a Unidade Nacional e consolidá-la são os primeiros deveres da República. V - Temos também, para que se transformem em realidade os desejos do povo português, de proceder sem mais demoras ao intenso povoamento do Ultramar. A pequena área metropolitana tem hoje mais de oito milhões de habitantes, e, para bem da Metrópole e dos territórios de além-mar, é necessário que muitos milhares de famílias portuguesas se vão fixar anualmente em terras pouco povoadas até hoje. VI - Necessário é também que nos nossos planos de desenvolvimento económico nunca se perca de vista que os habitantes da Nação, brancos e de cor, olham com apreensão cada vez maior para a estagnação e muitas vezes diminuição de produção agrícola. Temos de continuar, por gerações ainda, se desejamos real melhoria de vida ria Metrópole e no Ultramar, a basear na produção agrícola a nossa força de resistência a todo o mal que nos pode atacar. Sem deixar de fazer avançar a industrialização da Nação, não devemos com esse avanço colocar a agricultura em condições inferiores às de outras actividades. Nunca devemos perder de vista o modo de ser e a mentalidade que a vida rural produziu na maior parte das populações portuguesas e que nessa vida rural tem de assentar também toda a civilização dos indígenas das províncias ultramarinas. VII - Colocada que seja rada uma das actividades nacionais no seu lugar próprio, o que se requer é uma planificação geral, superiormente concebida, no espaço e no tempo, que signifique a integração perfeita de todas as energias e conduza o povo português à mais completa valorização dos recursos naturais de terra e mar, adstritos no território que lhe pertence. VIII - É este, a traços largos, o plano de Unidade e de Renovação Nacional que se impõe. Mas para a sua realização a Nação carece que um novo regime político se estabeleça. O povo português deseja reintegrar-se, nas suas linhas gerais e com as alterações necessárias, sobretudo de carácter social e atinentes à obtenção de mais elevado nível geral de vida, no regime liberal que, desde a abolição do absolutismo até 28 de Maio de 1926, persistiu na Nação. Não deseja de forma alguma esse povo viver privado de liberdades fundamentais, do pleno exercício dos direitos do homem e sem garantias de possibilidade em alcançar uma vida cada vez mais alta e mais digna. Progresso económico sem liberdades cívicas, ser a prática garantida de cidadania, não serve aos povos livres, e o povo português quer ser, acima de tudo e antes de tudo, um povo livre. Assim a apresentação de uma candidatura de oposição no actual estado de coisas significa a luta legal e pacífica pelos objectivos seguintes:
IX - Logo após a proclamação da República em 5 de Outubro de 1910, todas as nações se apresentaram a declarar a Portugal a sua amizade. A Inglaterra manifestou-nos o desejo de que se mantivesse a aliança que a ela nos ligava. Essa aliança foi consagrada pela intervenção de Portugal na primeira Grande Guerra. É à futura Câmara Constituinte que competirá fazer a declaração sobre as relações de Portugal com as outras nações, mas estou certo de que o povo português deseja viver em paz e amizade com todos os povos, independentemente do especial relevo a dar aos laços de sangue com o Brasil e às relações de vizinhança, e deseja intensificar com todas as nações o seu comércio, e concorrer o mais possível para a paz universal e para o bem da Humanidade. A manutenção da aliança com a Inglaterra, em especial, será sem dúvida o desejo constante de Portugal, de forma a que ela se torne cada vez mais íntima, perfeita e dignificante, e mais vantajosa para as duas Nações em consequência da troca de benefícios mútuos. X - Portugueses! Se esta candidatura vingar, para o que é primeira condição respeito pelos princípios democráticos atrás mencionados, o Presidente eleito nomeará um Governo cujos objectivos principais serão iniciar a realização dos planos de reforma que neste manifesto ficam apenas esboçados e promover que se faça no mais curto prazo a eleição inteiramente livre de uma Câmara Constituinte. Dessa Câmara sairá a consagração da nova Democracia pela publicação de uma adequada Constituição Política da República. Terá desde logo terminado a minha missão, e novo Presidente, nos termos daquela Constituição, haverá de ser eleito. Portugal ocupará então o lugar que lhe compete na Organização das Nações Unidas e seguirá confiadamente pelos séculos fora na realização da sua missão histórica, servindo sempre a causa da Paz e nunca esquecendo o bem da Humanidade. Lisboa, Julho de 1948. NORTON DE MATOS »
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Fonte : Circular «À Nação» (folheto de uma folha, impresso dos dois lados, de duas colunas em cada página, de 34 x 22,5 cm, datado e situado em Lisboa, em Julho de 1948); texto integral, in João Medina (dir.), História Contemporânea de Portugal, s.l., Multilar, [1990], vol. 5, págs. 81-84.
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