António Champalimaud em 1967 |
DISCURSO DE ANTÓNIO CHAMPALIMAUD. Discurso de António Champalimaud, na Assembleia Geral do Banco Pinto & Sotto Mayor em 22 de Março de 1974.
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António Champalimaud tinha chegado a Lisboa em finais de 1973, com passagem prévia por Moçambique, após quatro anos de exílio no México, para onde foi residir em princípios de 1969, devido a um mandato de captura emitido pela Polícia Judiciária durante o Caso da Herança Sommer. Em desacordo com a política seguida por Marcelo Caetano, que considerava «um homem sem coerência e sem confiança nele próprio», apresentou à Assembleia Geral do Banco Pinto & Sotto Mayor, de que era o maior accionista, e que possuía mais de cem agências em Angola e Moçambique, sendo o maior banco privado nesses mercados, propostas de desenvolvimento dos territórios ultramarinos portugueses tendo como base o fim da guerra. |
«A
Nação sofre todos os dias, nas presentes circunstâncias, perdas irreparáveis
de vidas e uma sangria exaustiva de recursos materiais. Isso
exige que o encargo com a defesa militar tenha de dar decisivamente o
passo à cooperação económica.»
Começo
por agradecer as referências generosas que em seu nome e no dos seus
Colegas e também no dos Accionistas presentes me acaba de dirigir o
Presidente do Conselho de Administração do Banco. Quando
um homem aprende a viver essencialmente dos recursos da sua força
interior e deixa‑se guiar pelas normas estritas que ela lhe dita,
geram‑se em si as certezas que lhe asseguram a tranquilidade. E então
a coerência e a firmeza de
atitudes são a sua consequência natural. Por
isso, os cinco anos de exílio a que fui forçado nenhum dano pessoal me
causaram. E poucos ou nenhum malefícios também teriam advindo para os
interesses que aqui deixei se as forças que os abocanharam não tivessem
contado com afianças fundadas na convicção de que eu era um homem
perdido. Tão
alheado andava o meu espírito do desfecho de um julgamento sui generis
que pude trabalhar activamente onde países estrangeiros me acolheram. Não
reneguei a Pátria e tão pronto regressei a Ela logo procurei
restabelecer as condições pata de novo engrenar a potência disponível
das nossas empresas ao corpo exigente da Nação. A
ideia central que enforma o Relatório que o Conselho de Administração
deste Banco dirigiu aos seus Accionistas, indica um propósito de
desenvolvimento em direcções que se afiguram basilares e estão de
acordo com os pontos de vista que de há muito defendo da expansão simultânea
do activo da Nação em África, no Brasil e na Europa, sem prejuízo,
evidentemente, dos interesses do pequeno espaço que foi o nosso berço. A
distância e o tempo que me separaram de Lisboa e a integração que fiz
na realidade internacional, incluindo o contacto com grandes massas de
portugueses radicados no estrangeiro, permitiram-me ter a perspectiva
suficiente para ver que tendo faltado a Portugal capacidade para albergar
mais de um milhão de homens que procuraram o destino de países europeus
a que pouco mais os ligava do que a servidão do trabalho, não dispunha
igualmente de arcabouço para assimilar sem graves perturbações as suas
remessas de divisas, acrescidas das oriundas do turismo. E essas remessas
teriam necessariamente que ser maciças uma vez que enquanto o imigrante
do Novo Mundo investe o da Europa transfere. É que a sua condição de
elemento assimilável pelas sociedades de além-mar contrasta
singularmente cari aquela que tem na Europa em que não passa de um corpo
estranho. Por
isso, a solução conveniente teria sido a de dotar Portugal com instituições
adequadas ao funcionamento de uma praça financeira de tipo internacional. Mas
a falta de suficiente liberdade que tolhe o andamento dos Bancos
Comerciais não lhes permitiu dispor da necessária agilidade criadora. E
foi pena porque perdemos ocasiões excelentes de levar organizações
nacionais para além-Pirenéus, de reforçarmos através da valorização
da nossa presença económica a expressão política das massas que no
Brasil ainda respondem ao nosso apelo e, finalmente, de desenvolvermos os
territórios do Ultramar como devíamos e tínhamos podido. Aliás,
teria bastado a circunstância de estes últimos fazerem parte integrante
da área do escudo para que não tivesse havido falta de espaço nem de
oportunidade para investirmos intensivamente dentro da própria Nação as
divisas da emigração. Na
realidade, os efeitos inflacionistas por elas provocados devem-se à pressão
anormal que exerceram sobre os preços na medida em que tendo permanecido
durante demasiado tempo como reservas do Banco Central não geraram
oportuno investimento reprodutivo. Por
isso é que antes de termos começado este ano, e só este ano, a sentir
as consequências da alta do preço dos produtos petrolíferos foram o acréscimo
das despesas com a defesa, a emigração e o turismo, a par de dois outros
factores, um relacionado com o capital e o outro com o trabalho, que nos
empurraram para a cabeça das taxas inflacionistas da Europa com intensos
reflexos na descapitalização das empresas produtoras, minando de modo
concomitante os alicerces do verdadeiro progresso e consequentemente da
estabilidade social. Portanto,
a utilização das nossas reservas em grandes planos de investimento onde
a Nação os exija e consinta para responder às exigências de exportação
que se lhe põe é solução bem mais completa do que a do seu habitual
emprego directo na colmatação dos saldos negativos das nossas trocas com
o estrangeiro. Mais
do que nunca impõe-se abalançarmo-nos sem tergiversações no caminho do
grande investimento. E
a compreensível liberalização da actividade bancária no sentido de se
lhe proporcionar uma estrutura e uma acção adequadas aos fins do
investimento, consoante se deixa perceber no Relatório do Conselho de
Administração, é condição essencial. Por
outro lado, no que respeita particularmente ao Ultramar é fundamental que
se passem a situar no topo das listas de prioridade de transferências
para a Metrópole as remessas dos rendimentos do trabalho como condição
do necessário equilíbrio étnico e produtivo. Sobre
este problema os Governos não terão forma de agir diferentemente porque
as massas trabalhadoras nunca compreenderão outra linguagem e outro
sistema que não seja o da garantia pura e simples da livre
transferibilidade dos seus pecúlios. Já
porém com respeito aos empresários que de futuro se queiram atrair a
questão é outra porque a Administração poderá sempre dialogar e
contratar com eles com base no manejo da alavanca fazendária quando
pretenda com uma redução maior ou menor do imposto obter um acordo para
a não saída das Províncias durante determinado período dos dividendos
a distribuir pelas sociedades. Mesmo
durante os períodos em que se debateram com as maiores dificuldades
cambiais relativamente à Metrópole, sempre as balanças de pagamentos
dos grandes territórios de África mantiveram saldos positivos nas suas
relações com o estrangeiro. E a situação apresenta tendência para se
firmar dada a valorização que ultimamente tiveram no mundo os produtos
primários, com repercussões negativas acentuadas nas economias dos
Estados Unidos da América e, principalmente, da Europa. Daí
que, ao contrário do que por vezes se declara e também do que se supõe,
eu veja na situação que se seguiu às hostilidades iniciadas em Outubro
entre árabes e judeus uma nova oportunidade para a Nação dar um passo
decisivo na senda do desenvolvimento. Sendo europeia e africana, sem
distinção de raças nem preconceitos de supremacia de uma das partes
sobre as demais e com a zona do escudo comum ao conjunto, está Portugal
numa situação ímpar no que respeita à possibilidade de compensar os
prejuízos que sofrerá na Europa com os lucros que auferirá em África,
desde que se tomem precauções para que daí não advenham benefícios
que se possam confundir com neocolonialismo. Isto
exige que os recursos africanos de assinalado valor estratégico na cena
económica internacional sofram localmente o processo da sua transformação
tão elaborada quanto possível e que se faculte a empresas locais o
transporte dos produtos, a fim de que se residenciem sem ambiguidades nas
Províncias Ultramarinas os lucros de transformação e os lucros de
transporte, a adicionarem-se aos da produção ou extracção. E
na faixa dos transportes deve-se considerar não só o das mercadorias,
mas também o de passageiros. Todavia,
enquanto nos transportes de mercadorias se torna imperioso que Lisboa
autorize a concretização das iniciativas que levem à constituição de
companhias de navegação africanas, já o mesmo talvez não tenha que
acontecer com tanta urgência no que se refere aos transportes aéreos de
passageiros. Neste caso é indispensável, porém, que os territórios do
Sul passem a ter participação equitativa nos lucros e nos impostos
resultantes do tráfego que geram e que a Metrópole lhes credite o saldo
das cambiais que arrecadariam na hipótese de disporem de companhias de
longo curso e core direitos de tráfego equilibrados, não só com
Portugal mas também com outros países. Trata-se
de aspectos fundamentais para o estabelecimento de uma política clara e
realista de cooperação. Tem
se liquidar o tradicional clima de queixa e desconfiança que advém dos
privilégios que os parceiros africanos consideram injustos continuarem a
ser usufruídos pelos da Metrópole. A
situação a que se chegou já não permite sequer jogar-se com a invocação
do balanço de vantagens que derivaram como sendo a riqueza mineral de
mais fácil extracção e venda. Os
mercados que lhes abrem a siderurgia de Angola, de que adiante nos
ocuparemos, e a do Seixal serão da ordem dos dois e meio milhões de
toneladas, havendo que ter em conta outros que certamente estão surgindo
em consequência da chamada crise da energia A
comprovarem-se boas características de navegabilidade do rio após a
conclusão da barragem é de crer na economicidade do transporte fluvial
do carvão o que se espera não venha a ser contrariado .pelos resultados
dos estudos em curso sobre o porto marítimo a construir ou sobre solução
alternativa para este. Terminámos
brevíssima exposição acerca de uma área fascinante que encerra
potenciais energéticos fabulosos e que virá a ser atravessada um dia por
enorme tráfego fluvial proveniente das entranhas da África. No
que respeita ao sul de Angola, foi a Companhia Mineira do Lobito que
iniciou uma exploração que, a prosseguir e a ser valorizada, se
transformará em importante núcleo do maior centro de progresso da região
e que interesses de ordem política e social que se estendem até às
fronteiras e aos Cuanhamas tanto reclamam. Oportunamente,
manifestámos à mencionada Companhia, através dos representantes do seu
accionista quase totalitário e dos seus administradores, o interesse que
haveria numa conjugação mútua de meios que conduzisse à intensificação
das tonelagens de minério a extrair, à sua conveniente concentração e
transformação em pellets destinados à exportação e à alimentação
de um alto-forno a erigir ali a par da inerente aciaria e também das
laminagens angolanas. O
conjunto que concebamos, que deve também integrar uma coqueria para
processar a transformação dos carvões a virem da região de Tete em Moçambique
e a serem lotados, como se torna necessário, numa proporção que se supõe
poderá atingir os 50%, beneficiaria das importantes e excelentes instalações
portuárias e ferroviárias já existentes. Finalmente, com referência a
Portugal e sem entrar por agora na enumeração inoportuna de projectos,
limitamo-nos a fazer registar que a Siderurgia Nacional procurará
proceder com o maior espírito de colaboração aos investimentos necessários
nas suas fábricas do Hemisfério Norte de forma a facilitar escoamentos
quer aos carvões de Tete, quer às produções da siderurgia de Angola. A
Nação sofre todos os dias, nas presentes circunstâncias, perdas irreparáveis
de vidas e uma sangria exaustiva de recursos materiais. O
Sotto-Mayor e as Empresas de índole industrial e financeira que lhe estão
ligadas por laços de parentesco accionista encontram-se amplamente
disseminados em Angola e Moçambique. Nada
do que ali sucede pode por isso ser-nos indiferente. Mas acima de tudo é
a rápida construção do futuro promissor das populações e dos territórios
que nos interessa sobremaneira. Isso
exige, e todos estaremos de acordo com o ponto de vista, que o encargo com
a defesa militar tenha de dar decisivamente o passo à cooperação económica.
E, embora a presença de forças armadas continue a ser imprescindível
por período indeterminado para manter a ordem e a segurança, sem as
quais não pode haver progresso, o essencial das forças de ataque tem de
ser constituído por uma participação consentida de brancos e pretos,
por mais gente que saibamos atrair, por crédito adequado e por
investimento pertinaz, porque o inimigo mais sagaz em que os demais
procuram apoiar-se será a falta de desenvolvimento. A
cooperação dá lugar a interesses compartilhados de territórios
diferentes e populações distintas com respeito pela individualidade e
direitos básicos de cada uma das partes. Só o regime de cooperação
entre parceiros com direitos idênticos é que pode oferecer à vida comum
fundamentos claros de permanência e estabilidade. |
Fonte : Notícias de Lourenço Marques, de 23 de Março de 1974. «António Champalimaud - Projecto Neocolonial (22-III-1974») in João Medina (ed. lit.), História Contemporânea de Portugal, 4.º vol.: Ditadura - O Estado Novo: do 28 de Maio ao Movimento dos Capitães, [s.l.], Multilar, 1988, págs. 249-251;
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