DECLARAÇÕES DE D. CARLOS I
Declarações prestadas por D. Carlos ao jornal de Paris Le Temps
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A entrevista dada por D. Carlos ao jornal Le Temps em Novembro de 1907 foi explosiva. A situação política portuguesa era vista na Europa como perigosa. Acompanhada pelos graves problemas financeiros portugueses - o célebre deficit - que permitiam todos os cenários sobre as colónias portuguesas, parecia que uma mudança de regime podia estar também na ordem do dia. A vinda a Lisboa do redactor principal do mais importante jornal francês, para relatar a situação e entrevistar o «ditador», como o jornalista o chamou, mostrava a importância do assunto. A entrevista a João Franco, em 3 de Novembro, não parece ter sossegado o jornalista. O problema fundamental era saber se João Franco se manteria na direcção do Ministério e se conseguiria manter o apoio do rei, da família real, que se sabia não ser clara, e, note-se bem, do exército. A possibilidade de intervenção do exército contra o rei e o seu presidente do Conselho de Ministros era tão preocupante que a pergunta foi feita aos dois governantes e respondida por ambos da mesma maneira, declarando a sua lealdade, mas sem nunca se falar da sua «opinião». Para responder a tudo isto era preciso uma resposta clara do rei. João Franco conseguiu que Galtier a obtivesse. A entrevista ficou célebre pela palavra que D. Carlos proferiu sobre a necessidade de «carácter» do político que o rei andava à procura para lhe entregar a governação do país. De acordo com as declarações do rei pareceu que João Franco o tinha e os outros políticos portugueses não. Como João Chagas, jornalista e político republicano, declarou a palavra implicava que o rei governava “contra todos os partidos e homens que o serviram.” Isto é, desde 1889, data da sua ascensão ao trono. O rei, é claro, não queria dizer nada disso, mas ter aceite que a palavra fosse publicada, ou melhor, que João Franco, que ficou encarregue de verificar a versão a publicar, como ainda hoje é absolutamente normal, não tenha percebido que a palavra ia tornar-se uma bomba, foi inaceitável. Terá sido de propósito? Há contemporâneos que o afirmam e, de facto, a entrevista de João Franco não os desmente, quando nela ataca sistematicamente os seus pares. De facto, a afirmação do rei parece vir no seguimento das declarações de João Franco sobre a falta de lealdade dos seus adversários. Mas o mais grave da entrevista, de facto, não foi o problema do «carácter» dos políticos portugueses. O que assustou e preocupou realmente a classe política portuguesa foi o rei, pela primeira vez, desde o início do regime liberal, ter afirmado ser ele quem governava directamente («para conseguir realizar as minhas ideias», «trabalhamos juntos»), e mesmo enquanto chefe de partido («vamos certamente ter a maioria»). Isto sim, era inaceitável para os políticos liberais portugueses, possivelmente mesmo para os políticos monárquicos da Europa Ocidental. Era uma modificação sensível da tradição política portuguesa. De facto, não se governava «à inglesa» - a intenção expressa pelo presidente do Conselho - com um monarca dirigindo pessoalmente os «conselhos da Coroa». E foi sobretudo contra este programa político do rei, apresentado na entrevista, que a maioria dos dirigentes políticos se insurgiu. E ninguém o apoiou publicamente, mesmo no Partido Regenerador-Liberal, no poder. De facto, a «gaffe» era enorme e indefensável. A entrevista que, parece, tinha em vista assegurar aos «mercados financeiros» e às grandes potências a estabilidade governamental («pretendo mantê-lo», «estou muito satisfeito com ele.») e a luta contra o deficit («vamos restaurar o equilíbrio orçamental e acabaremos com o défice») levou ao aumento da luta política, e à tentativa de golpe de Estado patrocinada pelos progressistas dissidentes e os republicanos em Janeiro de 1908, e, devido às medidas repressivas preparadas pelo governo, finalmente, à morte do rei, em Março. Um drama que, segundo a célebre frase de Karl Marx, se for repetido será como comédia... |
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«Precisava de uma vontade sem vacilação para conseguir realizar as minhas ideias»
VISITA A PORTUGAL
Le
Temps,
Quinta-feira 14 de Novembro de 1907.
1.
João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco (1855-1929). Formou governo
em Maio de 1906 enquanto dirigente do novo Partido Regenerador-Liberal
e com o apoio do Partido Progressista. As medidas reformistas que
promoveu tiveram a oposição de vários sectores da sociedade que
provocaram a saída do governo dos ministros progressistas. A partir
desse momento em minoria na Câmara dos Deputados, teve de ter o apoio
do rei D. Carlos para continuar a governar, já que passou a governar
“em ditadura”, isto é, não só legislando sem as Câmaras
estarem reunidas, mas por meio de decretos que necessitam somente da
aprovação dos tribunais.
2.
Júlio Marques de Vilhena (1845-1928). Deputado, ministro e governador
do Banco de Portugal, dirigiu o Partido Regenerador a seguir à morte
de Hintze Ribeiro em Agosto de 1907. Nunca presidiu um governo.
3.
Discutidos em Novembro de 1906, João Franco apresentou na Câmara dos
Deputados os documentos que mostravam os adiantamentos que o Estado
tinha feito à Casa Real por conta da Lista Civil. Os últimos
adiantamentos tinham servido para pagar as obras de iluminação dos
palácios reais, mas serviram à oposição progressista e aos
republicanos como arma de desgaste político do rei. João Franco
acabou com o problema por meio de um encontro de contas e do aumento
de dotação da Lista. Mas fê-lo em Ditadura, não tendo o apoio
expresso da classe política para o fazer, o que aumentou o
desconforto da Família Real.
4.
A entrevista foi apoiada por João Franco que tinha sido entrevistado
previamente pelo Le Temps em 3 de Novembro, sendo a entrevista publicada no jornal de
dia 12, por isso no dia seguinte à entrevista dada pelo rei.
5.
A Cidadela de Cascais foi utilizada durante os meses de Setembro e
Outubro como residência de férias da Família Real a partir de 1871.
6.
A antiga residência do governador da fortaleza que D. Luís adoptou a
residência de férias em 1870.
7.
O jornal diário Le Temps
foi criado em 1861 por um jornalista francês liberal e protestante,
aproveitando a liberalização do regime imperial de Napoleão III
iniciado em Dezembro de 1860, até essa época, uma ditadura militar
como a criada pelo seu tio, o primeiro Napoleão. Tornou-se o mais
importante jornal francês durante a Terceira República (1870-1940).
Deixou de se publicar em 1942, devido à falta de papel na França
ocupada pelo Exército Alemão. Acusado de colaboração com o
ocupante, em 1944 a redacção será ocupada e o material de impressão
requisitado, dando origem ao Le Monde, criado por um antigo jornalista do Le Temps, Hubert Beuve-Méry, que manteve o aspecto gráfico do
antigo jornal.
8.
Caractère no texto francês. Foi uma das palavras mais discutidas
da entrevista. O que queria o rei dizer com esta palavra? Que os
dirigentes políticos portugueses não tinham carácter? Provavelmente
não. O termo francês implica mais coragem e firmeza do que
personalidade. A frase seguinte parece claramente apontar para a
primeira versão, quando fala de «vontade sem vacilação».
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Fonte: Le Temps, Quinta-feira 14 de Novembro de 1907. A ler: Rocha Martins, João Franco: O último cônsul de D. Carlos, Lisboa, Bonecos Rebeldes, 2007 (reedição). Ligações:
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