Duque de Palmela

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Busto do duque de Palmela

DISCURSO DE D. PEDRO DE SOUSA HOLSTEIN, DUQUE DE PALMELA

 

Discurso do duque de Palmela, presidente da Câmara dos Pares, pronunciado na Câmara dos Deputados em 11 de Setembro de 1834, sobre o relatório da Comissão criada para discutir o casamento da rainha D. Maria II com um príncipe estrangeiro, neste caso o seu primeiro marido o príncipe Augusto de Leuchtenberg, irmão da segunda mulher de D. Pedro IV, a imperatriz do Brasil  Amélia de Beauharnais.

 

O discurso do duque de Palmela, dias antes de ser nomeado presidente do Conselho de Ministros pela rainha D. Maria II, o que acontecerá em 24 de Setembro, depois desta ter sido declarada maior em 20 de Setembro, é contrário ao parecer da comissão parlamentar presidida pelo então marquês de Saldanha, marechal do exército, que defendeu que não havendo em Portugal pessoa idónea para casar com a Rainha aceitava que esta casasse com um príncipe estrangeiro deixando a escolha do noivo a D. Pedro, como pai e tutor de D. Maria II. 

A posição de Palmela, que defendia que a autorização devia ter em conta o conhecimento prévio do príncipe com quem se iria casar a Rainha, parece ser a fonte da história sobre a intenção do duque casar o filho com a herdeira do trono.

 

«Ninguém dirá que este negócio é indiferente à Nação, que lhe não causará interesse o saber se o Noivo de Sua Majestade é Francês, Inglês, Alemão ou Espanhol»

 

Começarei repetindo a instância, que, mais de uma vez, tenho feito ao Governo, para que se digne nomear um Vice-Presidente a esta Câmara, pela repugnância suma que tenho de entrar nas discussões deste lugar.

Tem-se discutido a fundo este assunto, considerando-se por todos os lados; muitas coisas se têm dito, com algumas das quais concordo, não assim com outras. Uma daquelas em que não concordo, é a questão, repetida debaixo de várias formas, de que o Governo não necessitava vir pedir às Cortes o seu consentimento para o caso em questão. Tem-se querido tirar esta consequência da análise do artigo 90 da Carta; mas não se tem tido em vista que a Carta não anulou as Leis fundamentais da Monarquia, ao contrário, confirmou-as em tudo, ligou-se ao seu espírito, repetiu muitas delas debaixo de palavras quase semelhantes, e algumas que não repetiu (e se consideram talvez por isso em esquecimento) existem, porque as não proscreveu explicitamente: confirmarei esta asserção com um exemplo. Em nenhum artigo da Carta existe expresso o princípio de que uma Princesa que casa fora de Portugal, perca por esse facto os seus direitos à Coroa; e apesar disso creio que nenhum dos Membros desta Câmara consentiria em que assim se deixasse de verificar. E porquê? Porque a Lei  primordial da Monarquia (os capítulos das Cortes de Lamego) posto que não proíba os casamentos das Princesas fora do  Reino, determina contudo que, quando tenham lugar, elas percam o seu direito à Coroa. Portanto é deste princípio que, a meu ver, se segue a necessidade, quando em Portugal se não encontrar pessoa idónea, como no caso presente do projectado casamento da Rainha, segue-se a necessidade, digo, de que as Cortes concedam uma dispensa para o consórcio com Príncipe estrangeiro. Tem-se trazido exemplos da história do país para provar a necessidade da intervenção das Cortes neste caso. Um desses exemplos (o do tempo do Senhor Rei D. Fernando) é muito duvidoso, pela probabilidade de que então não fossem conhecidas e aplicadas as Leis das Cortes de Lamego; e portanto não se podiam tirar consequências daquilo que se não sabia se existia. As disposições das Cortes de Lamego são para nós Leis desde 1641, por ser nas Cortes desse ano que no preceito daquelas se fundou o direito da Casa de Bragança;  uma das provas disto é que tais disposições se não  mencionaram quando se curou do casamento da Infanta D. Brites; foi só em 1641 que o facto ficou sendo uma verdade (legalmente falando) para Portugal. Ao tratar-se o casamento da infanta D. Isabel, foi pedida às Cortes dispensa da Lei que proibia tais consórcios com estrangeiros, mas dizendo-se logo que o estrangeiro, a que se aludia, era o Duque de Sabóia; e então, deliberando-se sobre a oportunidade de levantar esse impedimento, deliberou-se conjuntamente sobre a conveniência da escolha do esposo que se apresentava. Há portanto aqui alguma coisa confusão na aplicação do princípio sancionado pelas Cortes de Lamego, confusão que até parece tornar contrapuducentem a deliberação das Cortes de 1641: parece que havia uma coisa in mente, e que ao expô-la se manifestara diversa tenção, por se não declarar suficientemente, o que eu estou bem longe de censurar, referindo unicamente o facto como aconteceu, e reconhecendo que numa situação talvez complicada. Voltemos porém à questão presente.

A Câmara dos Senhores Deputados respondeu àquilo que se lhe não tinha perguntado. Aqui está o Discurso do Trono, que é onde primeiro se lembra a decisão desta matéria, e nele se diz o seguinte: «Recomendo ao vosso zelo ... dar a conveniente providência para que Sua Majestade possa casar com Príncipe estrangeiro.» A proposta do Governo apresentada à Câmara dos Deputados, diz assim: «Sendo necessário dar a conveniente providência para que Sua Majestade Fidelíssima a Senhora D. Maria 2.ª possa casar com Príncipe estrangeiro, etc.» Portanto, se aquela Câmara se limitasse a responder a isto, estava a questão acabada, porque, quanto ao resto, sem dúvida que o Augusto Pai da Rainha era pessoa mais adequada para julgar do Marido que convêm a Sua Majestade Fidelíssima; havia, e há de certamente escolher um Príncipe que pelas suas qualidades possa concorrer na parte que lhe cumpra para a conservação do sistema da bem entendida liberdade, que o Sr. D. Pedro, com tanta glória sua, estabeleceu neste país, um Príncipe próprio para dar a mão à primeira herdeira da Europa, e para ser o tronco da quarta Dinastia Portuguesa. Aqui não se trata do casamento da filha de um Príncipe (como nos dois citados exemplos) trata-se do casamento da Herdeira ou Senhora do Trono de Portugal, e por consequência de um casamento que deve estabelecer para o futuro uma nova Dinastia em Portugal; e portanto ninguém, com razão, dirá que este negócio é indiferente à Nação, que lhe não causará interesse o saber se o Noivo de Sua Majestade é Francês, Inglês, Alemão ou Espanhol, sendo certo que assim em nada se contraria a suma consideração que se tem ao Regente, nem a maior confiança que haja no Governo. É um facto singular que se não diga aos Representantes da Nação quem é o Noivo da Rainha, uma vez que se entende que as Cortes prestam o seu consentimento desde já, qualquer que seja o Noivo.

O artigo 90 da Carta tem sido muito singularmente interpretado, mas (repito o que já disse) aqui não se cura tanto da aplicação deste artigo como do costume antigo, da Lei primordial da Monarquia: esta Lei não diz que se esteja obrigado a pedir e a obter o consentimento das Cortes para o casamento da Herdeira do Reino, diz só, que não poderá casar com estrangeiro, sem perder os seus direitos; logo o que se pede é uma dispensa, e o costume é dizer-se a favor de quem. Creio que tenho falado abstractamente nesta questão; mas persuado-me de que se não pode negar às Cortes o direito (bem que indirecto, e sem impedir a marcha do Governo) que elas têm de dar, ou de negar o seu consentimento ao casamento da Princesa Herdeira, ou da Rainha; se nos compete conceder a necessária dispensa, não devemos dá-la, sem saber quem. Este é o direito; vamos ao facto.

Diz-se que há inconvenientes em se não aprovar a proposição, tal qual veio da Câmara dos Senhores Deputados. Pela minha parte confesso, como a enumeração desses inconvenientes não tem feito grande peso no meu espírito, concluo que, mesmo para poder avaliar a força dessa asserção, seria indispensável que as Cortes tivessem o direito de perguntar a favor de quem prestavam o seu consentimento, e que a falta do conhecimento dessa pessoa, em grande parte, obrigaria às observações que sobre a matéria se têm feito,  pelos motivos aqui ponderados.

 

Fonte :

Discursos parlamentares proferidos pelo Duque de Palmela nas Camaras Legislativas, desde 1834 até hoje, volume 1.º, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1844, págs. 22-26.

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