A GUERRA EM ANGOLA

 

5. Execução das operações e ocupação do território do Baixo-Cunene (cont.)


O soba Mandume

O soba Mandume entre as autoridades inglesas, a quem se apresentou, após a fuga do território português

 

Operações além-Cunene (cont.)

Destacamento do Evale. Ao destacamento do Evale fora dada, como vimos, a missão de dirigir-se sobre o Quiteve, bater os povos entre o Mulondo e o Cáfu e, atravessando o Cunene, dirigir-se sobre a embala do Evale, afim de fazer a reocupação deste território.

O comandante do destacamento, major Reis e Silva, tendo como chefe do estado-maior o capitão Ferreira Chaves, constituiu para esse efeito três colunas: a do Evale, a do Colui, a do Cuvelai.

A coluna do Evale, partindo do Mulondo no dia 11 de Agosto, atingiu o Evale em 21, tendo percorrido 172 quilómetros e efectuado algumas razias e reconhecimentos.

Não foi hostilizada no percurso, havendo apenas por vezes ligeiros tiroteios com grupos de indígenas armados, foragidos do Quiteve, Cáfu e Humbe ou espiões do Cuanhama.

As fortificações no Quiteve, Cáfu e Evale apresentavam ligeiras danificações, facilmente reparáveis. Das habitações, porém, restavam apenas as paredes; nem material nem mobília.

O povo do soba Chimbobolo, o primeiro que se encontra ao atravessar o Cunene, apresentou-se numa atitude pacífica, lavrando as suas terras, não fugindo à aproximação das tropas; pelo contrário, o soba e a gente do Mastifelo, tinham fugido para o Cuanhama, segundo uns, para Curiamanha, segundo outros.

Nas cacimbas do Evale e nas mulolas do Cuvelai foi encontrada água em abundância.

O gentio fez a sua apresentação, tendo o soba do Evale mandado os costumados presentes de bois e galinhas.

Atingido o Evale, onde ficou, como tropa de ocupação, uma companhia do 3.º batalhão do 16, o destacamento, informado da grave situação do destacamento do Cuanhama, seguiu em direcção à Môngua na manhã de 22, e, marchando dia e noite, chegou na manhã de 24 ao Cáfu onde se lhe reuniu o comboio de viveres em 25.

Em 26 continuou directamente para a Môngua sem passar pela Chimbua, reunindo-se ao destacamento do Cuanhama pela meia noite de 27, tendo apenas trocado alguns tiros as patrulhas, nas proximidades das cacimbas da Cuancula, contra um grupo de cuanhamas armados.

As colunas do Colui e do Cuvelai não encontraram, durante a execução das missões que lhes tinham sido confiadas, qualquer resistência digna de menção especial, tendo facilmente apreendido bastantes armas de fogo e gentílicas e mais de trezentas cabeças de gado.

Em 28 de Agosto foi dissolvido o destacamento do Evale e extinto o comando da região militar de Cassinga.

 

Destacamento de Naulila O destacamento de Naulila, sob o comando do tenente Luís de Camões, do 3.º esquadrão de cavalaria 9, saiu do Humbe pelas 7 horas do dia 12 de Agosto, atingindo o vau de Calueque pelas 14 h. 40 min. de 13, onde se lhe reuniram os auxiliares boers do comando do alferes Sarmento Pimentel.

Colhidas as informações de que necessitava para com segurança poder operar na Hinga, continuou a marcha no dia 15, indo acampar a S.E. da Dongoena, perto do Cunene, que atravessou em 16, tendo deixado junto à margem direita do rio uma patrulha mista de soldados de cavalaria e auxiliares boers, que, tendo por missão cobrir o flanco direito do destacamento, prestou bons serviços, como bom foi também o auxílio prestado por uns cento e cinquenta indígenas da Dongoena sob as ordens dos lengas Cachinduo e Chimbungo.

A região da Hinga estava na sua maioria deserta. O Forte de Naulila encontrava-se completamente arrasado, vendo-se muitos destroços de artigos de material de guerra.

A N.E. do forte havia um cemitério com quatro sepulturas, com alguns copos de granadas sobre os covais e a seguinte inscrição sobre uma tábua aplainada: «W II W I K». Pelas informações de alguns oficiais que tomaram parte no combate de Naulila, era o cemitério dos alemães mortos no referido combate. Estava cercado por uma vedação de arame farpado, encontrando-se com idêntica vedação outro cemitério, um pouco a S. E., que o gentio dizia pertencer aos alemães mortos antes do combate.

Não tinham cemitério especial os portugueses mortos em Naulila, parecendo, por alguns vestígios de roupas e tendas, que foram enterrados nas trincheiras utilizadas no combate.

De uma árvore caída perto do Forte pendiam seis cordas, uma das quais segurava ainda uma cabeça de indígena.

A S. E. do caminho para o vau do Calueque, e a 300 m do Forte e junto a um grande imbondeiro, foi encontrada a sepultura de um alemão, o Dr. Schultz lena.

O destacamento retirou para o seu acampamento do vau do Calueque, tendo no dia seguinte, 17, feito a sua apresentação o «lenga» da região, Manicambe, trazendo tudo o que, pertencente a portugueses, se encontrava nas suas terras.

O comandante do destacamento entendeu dever dar sepultura condigna aos nossos mortos de Naulila e, no dia 1 de Setembro, na presença de todo o seu esquadrão, foi feita a trasladação dos corpos do capitão Homem Ribeiro, alferes de cavalaria Alves, um 2.º sargento e treze soldados do 3.º batalhão do 14, três soldados de infantaria e um cabo de dragões. A sepultura foi resguardada com uma alta vedação de arame farpado e assinalada com uma grande cruz de madeira, com a seguinte inscrição: «0 esquadrão de cavalaria 9, presta assim homenagem aos seus camaradas mortos no cumprimento do dever em 18 de Dezembro de 1914.»

O destacamento, finda a missão de ocupação provisória da região da Hinga, regressou em Outubro ao Lubango, sendo dissolvido.  

Ocupação militar do território do Baixo-Cunene

Tendo o Destacamento da N'Giva atingido em 4 de Setembro a embala grande do Cuanhama, a Ordem de Serviço do Comando Superior no dia 5 tornava pública a sua dissolução, inserindo um elogio às tropas, sem mencionar, em especial, qualquer unidade.

Restava organizar a ocupação dos territórios recuperados e conquistados, e, para esse efeito, fez o General publicar uma portaria com a Organização militar do território do Baixo-Cunene, território este constituído pelas regiões do Humbe, Cuamato, Cuanhama e Evale.

O território era dividido em zonas militares e estas em sectores militares, sendo desde logo constituídas as zonas militares do Humbe, Cuamato, Cuanharna e Evale, e devendo o comando do território ficar instalado na zona do Cuanhama.

Nessa portaria fixavam-se as directrizes para a acção política, militar, administrativa, de justiça e financeira, além de disposições sobre atribuições do Comando, natureza das tropas da guarnição, serviços de saúde e de abastecimentos, e vencimentos.

Foi nomeado comandante do território o major Pires Viegas, comandante do 3.º batalhão do 17 e, como não houvesse tropas frescas já organizadas para a ocupação, foram inicialmente destinados a este espinhoso serviço aquele batalhão e as restantes unidades, com excepção do batalhão de marinha e dos auxiliares, que retiraram sem demora para o planalto.

No Cuamato, Humbe e Evale, foram restabelecidos os postos militares existentes anteriormente à revolta indígena que se seguiu à retirada de Naulila em 1914, e que eram os de Humbe, Naulila, Forte Roçadas, Damequero, Cuamato, Cáfu e cacimbas, e Evale.

No Cuanhama, conservaram-se os postos de N'Giva, Oxinde, Balunganga, Môngua e Cuancula, estabelecidos durante a campanha, e criou-se o posto da Ompanda.

Na N'Giva ficou o comando do território e em Namakunde, junto da zona neutra entre o sul da província e o norte da Damaralândia, foi mandado residir, como delegado português, o tenente de cavalaria Roque de Aguiar, afim de se manter em ligação com um oficial inglês que ali também fora mandado estabelecer como representante do seu pais.

Içar da Bandeira

Içar da bandeira na N'Giva

O efectivo inicial das tropas de ocupação foi de 3.759 homens e 903 solípedes.

Durante o mês de Setembro foram sucessivamente retirando as unidades da metrópole (com excepção do 3.º batalhão de infantaria 17) e o 1.º esquadrão de dragões, deslocando-se do planalto para o serviço de ocupação a 2.ª companhia europeia, a 16.ª e 17.ª companhias indígenas de Angola e 2 companhias do 3.° batalhão de infantaria 19, ficando o efectivo das tropas de ocupação com 2.173 homens e 246 solípedes.

Em princípios de Novembro, desembarcaram em Moçamedes 2 companhias de infantaria 22 e contingentes do 4.º grupo de metralhadoras e de artilharia de guarnição, destinados a render as tropas de ocupação 1.O 3.º batalhão do 17, tão experimentado durante a campanha e tendo permanecido em África durante mais de um ano quase sempre bivacado, foi a última unidade de infantaria a ser repatriada, desembarcando em Lisboa em princípios de Fevereiro de 1916.

A totalidade das nossas baixas na campanha (1914-1918) cifra-se nos seguintes números 2:

Mortos:
Oficiais por ferimentos em combate 10
por doença 18
Praças Europeias por ferimentos em combate 90
por desastre 1
por doença 617
Indígenas por ferimentos e doença 68
Auxiliares por ferimentos 2
por desastre 1
por doença 3  810
Feridos:
Oficiais 8
Praças europeias 90
Indígenas 213 311
Incapazes do serviço:
Praças europeias  18
indígenas 354 372
Total 1.493

De todas as campanhas do Exército Português durante a Grande Guerra, as de Angola, de 1914 e 1915, especialmente esta última, são, como a princípio dissemos, as que menor interesse despertaram no espírito público e nos próprios meios militares.

Ainda hoje há quem persista em afirmar que o ambiente internacional de 1914-1915 não era de iminente ameaça para a integridade da nossa Colónia de Angola!

É o mesmo espírito de frieza com que foram recebidos em Lisboa os soldados portugueses regressados de Angola em 1915 e 1916 a manifestar-se, como se não fossem filhos da mesma Pátria os que se bateram na África Ocidental e fizeram a conquista, a 700 quilómetros da base de desembarque, de mais de 60.000 quilómetros quadrados de território!

 

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Notas:  

1. Estas unidades faziam parte das forças organizadas para esse fim por Decreto de 11 de Setembro de 1915 (0. Ex. n.º 15 - 2.ª série) que compreendiam: 3 companhias de infantaria e 2 pelotões; 2 baterias de metralhadoras; 1 bateria de artilharia de Montanha; guarnições para 16 peças 8 c; serviços de engenharia e saúde: num total de 49 oficiais e 1.740 praças.

Para rendição das tropas de ocupação foram ainda mais tarde enviadas para Angola: em 1917, 2 companhias de infantaria e 2 secções de metralhadoras, num total de 14 oficiais, 566 praças e 60 solípedes; em 1918, 2 companhias de infantaria e 2 secções de metralhadoras, 2 divisões de artilharia e pessoal de aviação, num total de 30 oficiais, 746 praças e 218 solípedes. Assim os efectivos enviados da metrópole para Angola de 1914 a 1918 elevaram-se a 387 oficiais, 12.043 praças e 2.321 solípedes.

De Moçambique destacaram para Angola as 15.ª e 16.ª companhias indígenas, de infantaria, cada uma com cerca de 5 oficiais e 200 praças. Regressaram a Moçambique em Janeiro de 1916.  

2. Recentemente colhidos no Ministério das Colónias.

 

Fonte:  

Coronel António Maria Freitas Soares, «A campanha de Angola»
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 235-258

A ver também:

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