Soldado da Legião Portuguesa

© Napoleon Series

Granadeiro da Legião Portuguesa em 1811,
por Horace Vernet

LEGIÃO PORTUGUESA AO SERVIÇO DE NAPOLEÃO


A CAMPANHA DA RÚSSIA (1812).

 

Já em Abril de 1811 Napoleão se ocupava activamente da campanha da Rússia, organizara o exército da Alemanha em três corpos de observação, o do Elba, o do Reno e o de Itália. Neles foram colocados nove batalhões portugueses.

Em 2 de Janeiro de 1812 publicava o Imperador o decreto de organização do grande exército. Esse exército, com que ele devia partir para a Rússia a domar Alexandre, compunha-se de seiscentos mil homens, metade dos quais apenas eram franceses. Polacos, saxões, austríacos, bávaros, prussianos e alemães de todos os principados, portugueses, espanhóis, suíços, italianos, divididos em quatro grandes corpos, os dois do Elba, o do Oceano, e o da Itália, formavam, juntos aos franceses, esse exército. Berthier comandava o estado-maior. Alguns generais eram reis, príncipes reinantes. Napoleão, prosseguindo no seu sonho de ambição e de glória, dizia – Castigue-mos o czar. A fatalidade cega a Rússia; cumpra-se a sua sina. Mas a fatalidade cegava o grande Imperador, e o soberbo exército ficou em Smolensk, nas margens do Moscova, e por todos esses longos e inóspitos caminhos, cobertos de neve. O ministro da guerra, mandara em Março o marquês de Alorna inspeccionar os regimentos portugueses e preveni-los de que iam entrar em campanha.

Alorna voltara de Portugal, em 1811, sentindo mais fundo o ódio que sempre votara à influência inglesa no seu país. Afeiçoara-o a Napoleão a residência em França e sonhara a aliança deste país para Portugal., expulsos dele os orgulhosos insulares que lhe eram insuportáveis.

Escrevia o marquês numa carta ao duque de Feltre em 27 de Janeiro de 1812.

«Diz-se que um decreto acaba de tirar-me o comando da Legião; não o creio, mas não estou tranquilo depois de tal rumor. (...) Sinto necessidade de procurar fazer a guerra, mas já me não é permitido verter o meu sangue senão pelo Imperador; pois só do Imperador posso esperar desforço dos ultrajes que os ingleses procuram fazer-me; pondo, porém, de parte o que pessoalmente me diz respeito por esse lado, afeição, raciocínio, e todos os sentimentos possíveis, me fizeram dedicar ao maior homem do mundo, e outra ambição não tenho senão a de merecer-lhe um olhar de aprovação ... ainda que isto haja de custar-me a vida, rogo a V. Ex.ª queira ser meu intérprete junto de S. M. Imperial e Real para que eu não perca a ocasião de provar-lhe o meu zelo pelo seu serviço, a minha dedicação à sua pessoa sagrada e para me provar a mim de que ainda não existe decrepitude no meu coração e na minha cabeça.»

À margem desta carta o ministro escreveu: «Fazer hoje um projecto de decreto em que o marquês de Alorna seja nomeado general de divisão.»

O marquês recebia esta nomeação em 21 de Março de 1812 e partia com um inspector a desempenhar o encargo de preparar a Legião para entrar, na campanha da Rússia. Todos os quatro regimentos que estavam completos marcharam a incorporar-se, o primeiro, de infantaria, comandado pelo coronel Pego, na primeira divisão do primeiro corpo de exército comandado por Ney, o segundo, comandado, primeiro por Baltazar Ferreira, e depois por Cândido José Xavier, na terceira divisão do mesmo corpo; e o terceiro, comandado por Manuel de Castro Pereira de Mesquita, na primeira divisão do segundo corpo comandado por Oudinot. O regimento de cavalaria, completo em homens, tinha muita falta de cavalos, e o coronel partiu com cento e cinquenta oficiais e soldados que estavam montados, indo o chefe de esquadrão João de Melo para o Hanover com duzentos e cinquenta homens afim de receber cavalos e ir depois juntar-se ao regimento.

Os dois esquadrões foram reunir-se à nova guarda Imperial, comandada por Mortier, que os deixou em Krasnoe alguns dias, encarregados de proteger comboios que passavam. D. José Benedito de Castro tinha ficado em Epinal esperando cavalos para os outros dois esquadrões, que apenas estiveram montados partiram para a Rússia, chegando a Moscovo poucos dias depois do exército.

O marquês de Alorna acompanhou a cavalaria até Mogúncia e ali recebeu a nomeação de governador de Mohiloff. Pamplona, que em 22 de Março fora nomeado para o governo da praça de Maiença, partiu em Maio para a Rússia no segundo corpo da divisão Legrand, e foi depois nomeado governador de Polotsk, onde teve ocasião de se distinguir. Gomes Freire recebeu também em Maio ordem de partir para o grande exército. Governou o distrito de Dsjisma na Lituânia, de Julho a Outubro de 1812, sendo no fim deste mês chamado a Moscovo. Encontrou o exército em Smolensk retrogradando com ele até Koenigsberg. Carcome Lobo ficara em Franca.

O marechal Ney, que logo no começo da campanha reclamava para o nosso segundo regimento a honra de possuir companhias de elite, deu sempre grande consideração aos dois regimentos portugueses que tinha no corpo do seu comando, e empregou-os em todas as ocasiões, que havia glória a ganhar com risco de vidas. Na tomada de Smolensk encontraram-se os nossos pela primeira vez com os russos. O primeiro batalhão do segundo regimento, comandado pelo major Bernardino António Moniz, foi a primeira força do exército francês que passou o Dnieper, atravessando-o a nado para proteger a operação do lançamento da ponte de barcos em que devia passar todo o exército. Muito molestado pelo fogo das tropas e dos camponeses russos que defendiam o arrabalde da praça, atacou este à baioneta, e tendo recebido ordem de deitar-lhe fogo, executou-a arrojadamente, lutando com a resistência dos russos que defendiam passo a passo as ruas fazendo fogo das janelas. Tomado o arrabalde, foi Moniz com os seus homens ocupar posição junto do rio, no lugar onde se lançou a primeira ponte, indo depois reunir-se-lhe o comandante do regimento com o outro batalhão.

O exército francês atravessou o Dnieper de noite, e de manhã começou o ataque da praça, que foi tomada em quarenta e oito horas, brilhante acção em que os nossos regimentos se distinguiram. O primeiro regimento formava a testa da coluna da primeira divisão do terceiro corpo e perdeu na tomada de Smolensk vários oficiais e muitos soldados; o segundo, que na véspera perdera muita gente na tomada do arrabalde, também não foi poupado no dia seguinte.

O terceiro corpo formara a vanguarda de todo o exército desde Krasnoe e continuou a marcha na frente até Borodino; dois dias depois de ter saído de Smolensk, no planalto de Valontina, encontrou numerosas forças russas com quem teve de sustentar combate por espaço de oito horas, apesar dos russos terem a vantagem do número e da posição, até que chegando uma divisão do corpo de Davout, os russos foram obrigados a retirar. Sofreram nesta ocasião franceses e portugueses grandes perdas. Em consequência disto ordenou Napoleão que todos os regimentos de quatro batalhões ficassem provisoriamente reduzidos a dois e desde então o segundo regimento passou para a primeira divisão a unir-se ao primeiro; ficando ambos comandados pelo coronel Pego. Assim entraram os dois regimentos reunidos na batalha de Borodino, indo à frente do corpo de Ney atacar à baioneta um reduto dos russos que fazia o centro das suas linhas. Perderam aqui os nossos mais de quinhentos soldados entre mortos e feridos. Ficaram mortos no campo o valente chefe de batalhão do segundo, Moniz, e o chefe de batalhão do primeiro, António Pego, filho do coronel; o chefe de batalhão Caldeira, mortalmente ferido, acabou no hospital dois dias depois. Cândido José Xavier foi novamente ferido em Borodino.

Neste campo de batalha nas margens do Moscovo ficaram prostrados setenta mil homens e entre eles vinte e sete generais franceses. Conta Teotónio Banha que, na volta de Moscovo, o encontrou coberto duma legião medonha de corvos que podiam contar-se por centenas de milhares. Ney recebeu o título de príncipe da Moscova, mas Napoleão já perdera a grande parte, do seu brilhante exército. Os nossos regimentos ficaram tão reduzidos que não puderam mais ser empregados; a retirada devia acabar a sua destruição.

Na revista passada por Napoleão às tropas foi o coronel Pego nomeado general de brigada, Baltazar Ferreira Sarmento foi também então promovido.

Foi distribuída a muitos portugueses a Legião de Honra e alguns, que já a possuíam, receberam o grau de oficial. Ney, que estimava muito os nossos influíra para que eles recebessem grande número de recompensas. A estima de Ney pelos portugueses, que vira baterem-se ao lado dos ingleses, ou, isolados, em valentes corpos de milícias defendendo o solo pátrio, e que agora via ao seu lado baterem-se pela glória da França, manifestou-se mais duma vez. Na marcha de Smolensk para Borodino, Napoleão, passando junto do corpo do duque de Elchingen, reparou em que os portugueses marchavam na frente da coluna, lugar que não era costume ser ocupado por estrangeiros e fez a esse respeito uma observação ao marechal que lhe respondeu. Sim, Senhor, são os portugueses os nossos guias e os que os seguirem não se desviarão nunca do caminho da honra.

Em 23 de Maio dirige Ney a seguinte carta, datada de Thorn, ao príncipe de Neuchâtel:

«Senhor, o segundo. regimento português é comandado pelo chefe de batalhão Sarmento. Este oficial é cheio de firmeza e de instrução, a ordem e a disciplina que ele mantém no seu regimento são dignos de maiores elogios; mas não é coronel e é necessário que o chefe dum corpo ocupe o posto de que está encarregado de desempenhar as funções.

Rogo pois a V. Alteza Sereníssima, ou de fazer nomear coronel o chefe de batalhão Sarmento, o que seria um acto de justiça, ou de enviar um outro oficial com esta graduação para comandar o regimento.

Marechal – Duque de Elchingen.»

O terceiro regimento acompanhou todos os movimentos do corpo de Oudinot, mas o marechal não tinha confiança nele porque sabia das inteligências que o comandante tinha com os russos para quem queria passar-se não o conseguindo logo pela vigilância dos franceses; realizou porém, mais tarde a deserção, pedindo aos russos auxílio para voltar a Portugal.

O valor dos portugueses nesta campanha evidenciou-se de modo que Napoleão dirigindo-se-lhes na sua proclamação de 7 de Setembro diz, referindo-se a Borodino: «Que a posteridade mais remota cite com orgulho a vossa conduta neste dia.»

O marechal Ney

O marechal Ney

Mas é necessário ler alguns historiadores que se ocuparam do período napoleónico para se imaginar o que foram essas portentosas batalhas, o que foi essa medonha retirada da Rússia, esse atravessar dum país de solo e clima de tão dura hostilidade, quando os habitantes desertavam levando ou destruindo tudo quanto podia ser útil aos invasores. Igual processo de defesa tinha usado Portugal contra Massena, mas o doce clima meridional, a indestrutível seiva dos nossos campos, tornavam, nas povoações desertas das nossas províncias, suave esse sistema que na Rússia era horroroso, obrigando os desgraçados soldados a sofrimentos terríveis e a insuportáveis fadigas.

«Do Niemen a Moscovo duzentas e cinquenta e sete léguas, diz Garcez, isto é sem contar aquelas das diferentes marchas para a direita e esquerda da estrada, ora para ir buscar víveres, ora para executar reconhecimentos, e para escolher bivaque a grande distância da estrada, a qual estava exausta de tudo, de modo que se podem juntar, sem faltar à verdade cem léguas a esta grande marcha.»

Entraram no dia 14 de Outubro em Moscovo, a cidade santa dos Czares, a cidade das torres e das cúpulas douradas; acamparam na povoação abandonada; onde ainda encontraram subsistências para algum tempo e bastantes riquezas para saciar o instinto de pilhagem. A nossa cavalaria bivacou, à chegada, nos arrabaldes, e começou então o seu serviço. Uma diligência de quinze homens comandados por um oficial, António José de Figueredo, e mandada daí a duas léguas a proteger do incêndio um palácio, foi aprisionada e teve de seguir o exército russo até Tolotsk.

Com o tempo escassearam as forragens e tinham de ir procurá-las a grandes distâncias, serviço arriscadíssimo neste estranho país em que as hordas selvagens de cossacos apareciam e desapareciam como fantasmas.

No dia 18 de Outubro um renovo de hostilidades pôs o exército em marcha. O marechal Mortier devia ficar em Moscovo com dezoito mil homens para guarnecer o Kremlim. Ficara a guarda nova, quatro esquadrões de lanceiros, toda a cavalaria apeada, e os restos dos regimentos mais dizimados nos anteriores combates, e nestes estavam incluídos o que havia de sobreviventes das gloriosas fileiras portuguesas do coronel Pego.

Loulé foi mandado com o seu regimento para uma légua de distância, o que o obrigou a montar um rigorosíssimo serviço de segurança. Incumbia-lhe a missão de rondar a cidade, o que se fazia por fortes patrulhas de quarenta cavalos, estas andaram por várias vezes a braços com os cossacos, que, aparecendo de súbito, não davam quartel a ninguém.

No dia 22 mandou o Imperador a Mortier ordem de abandonar Moscovo, o que devia fazer-se por alta noite deixando as muralhas desmanteladas e o Kremlim em chamas.

Na retirada, a marchas forçadas, a cavalaria formava a testa da coluna e teve vários encontros com os cossacos.

Em Vereia encontrou Mortier o Imperador, descansou por um dia e partiu no encalço do exército. Nesta marcha precipitada ia encontrando os vestígios de recentes combates, e bivacando em campos semeados de mortos. A 3 de Novembro em Visma teve a cavalaria de sustentar na retaguarda uma escaramuça renhida.

Retirava-se sobre Smolensk, onde esperavam arranjar quartéis de Inverno. Os víveres escasseavam, já não havia forragens. Os homens comiam sementes de linho e a carne dos cavalos que caíam estafados; os cavalos lambiam a palha dos tectos das choupanas os raquíticos rebentos de erva, e as folhas das árvores. Banha conta que em Mojuik comera apenas raízes de couve cozidas sem tempero algum. O frio dos Invernos gelados da Rússia era cada vez mais cruel. Na noite de 8 para 9 uma rigorosa nortada fez baixar a temperatura a vinte e sete graus abaixo de zero. Descrever as cenas de desordem, de pilhagem, de selvajaria, e de horror dessa retirada trágica é quase impossível, a cada passo em todos os que dela faltam, se encontram episódios espantosos. O corpo de Mortier vinha sobre Smolensk e o duque de Treviso elogia a boa fraternidade dos portugueses nestas circunstâncias horríveis, unindo-se, auxiliando-se quanto podiam e tornando-se por isso notados no meio da anarquia que desordenava as tropas. Já perto de Smolensk num combate contra uma partida de cossacos, que atacara as bagagens e ambulâncias, foi morto com uma lançada o alferes de cavalaria Gama que recebera a Legião de Honra em Wagram.

O frio gangrenava-lhes os membros, as armas queimavam-lhes as mãos, e tinham de quebrar a espadeiradas e coronhadas o gelo para encontrarem uma pouca de água. Teotónio Banha conta que a 10 de Novembro, enquanto no bivaque esperava que lhe arranjassem a cama de mato, veio-lhe um cheiro de trapos e carne queimada, e, voltando-se, deparam com um soldado caído, tendo uma perna no lume. Quando o chamava viu-o exalar o último suspiro. «Tão repetidas cenas diariamente observadas pela estrada e as noites passadas nos bivaques iam minando o coração do homem ainda o mais estóico.» Garcez fala de homens que para chegarem mais depressa às fogueiras empurravam para dentro delas os seus camaradas.

Chegados a Smolensk receberam o consolo de duas rações de pão, outro tanto arroz e um quartilho de aguardente, mas souberam logo que em vez de ficar aquartelados seguiriam a marcha rio dia 14.

Urgia alcançar Orcha e fazer frente aos russos que os ameaçavam.

Em Smolensk encontraram os restos dos nossos regimentos o general Gomes Freire que recebera a honra de ser mandado incorporar ao estado-maior do Imperador, e estava acompanhado pelos seus ajudantes Asseca e Auffdiener.

As forças de Mortier chegaram a 16 a Krasnoe e nesse mesmo dia foi ordenado à nossa cavalaria de ir formar a duas léguas de distância da cidade, na estrada já percorrida, e foi necessária toda a energia do marquês de Loulé para alcançar dos seus homens, exaustos de fadiga, o cumprimento desta ordem. Eram a este tempo uns duzentos cavalos. Os russos procuravam tornear Krasnoe e cortar a retirada aos franceses; o Imperador teve de seguir na marcha, inquieto pela sorte de Ney e de Davout. O duque de Treviso sustentava-lhe a ala direita e na manhã de 17 caiu sobre a nossa cavalaria e dois esquadrões polacos que lhe estavam reunidos, uma avalanche de cossacos que o marquês de Loulé carregou impetuosamente fazendo-os

com rapidez fugir. O bravo regimento de Pego, que contava apenas já cento e cinquenta homens, atacou de flanco os cossacos que debandaram atordoados. Nos combates do dia 17 perdeu a nossa infantaria ainda um oficial e quarenta soldados e a cavalaria um oficial e doze soldados, incluindo o cadete Palha.

Lê-se nas memórias de Banha: «Foi nomeado o cadete Palha; segui-o com a vista, vejo-o galhardamente chegar ao pé do marechal, e fazer-lhe a continência. Retiram-se os cossacos para os flancos das suas extensas linhas e o fogo da artilharia anuncia o começo da acção que foi muito renhida e sanguinolenta. Ao meio-dia soube que o cadete Palha já não existia, vítima duma bala de artilharia que lhe havia despedaçado o crânio.»

Às duas horas da tarde soube-se que o corpo de Davout chegara a Krasnoe, mas corria o aterrador boato de que Ney fora feito prisioneiro com todo o seu exército.

No dia 18 as forças de Mortier deixaram Krasnoe com destino a Dubrowna, cidade que ainda não havia sofrido devastações, e onde as tropas encontraram bastantes víveres; mas tiveram de pagá-los a peso de ouro aos judeus, que souberam aproveitar esta esplêndida ocasião de negócio. Segundo conta Garcez, os oficiais de cavalaria comeram nesse dia papas de milho, carne de cavalo e aguardente, o que lhes pareceu uni magnífico banquete, servido ao abrigo duma casa e ao calor duma boa fogueira. A 19 marcharam para Orcha, onde se encontrava já Napoleão, que nesta cidade tinha achado excelente material de guerra e trinta e seis peças de artilharia, que lhe foram de muita utilidade. No dia 20 os postos avançados deram sinal da presença do inimigo e dentro em pouco uma notícia fez percorrer violento frémito de emoção por todo o exército, os soldados gritavam Ney! Ney! Era efectivamente Ney que se aproximava perseguido pelos russos. Eugénio e Mortier prepararam-se para correr em seu socorro, e em breve o quinto e terceiro corpos, sob o comando do enteado do Imperador, partiam ao encontro de Ney. Cem cavalos do regimento português e a nossa infantaria partiram também, contentes de terem ocasião de mostrar a sua gratidão ao grande marechal, que tão bem soubera apreciá-los quando fora seu chefe. O duque de Elchingen, agora príncipe de Moscova, entrou em Orcha depois de ter passado terríveis lances, saudado pelo entusiasmo das tropas.

Chegava porém ao exército uma notícia assustadora, Os russos procuravam cortar-lhe a retirada nas margens do Berezina, o rio caudaloso cuja passagem teriam de tentar sob o peso do inimigo.

Temos acompanhado a Legião Portuguesa durante toda esta extraordinária campanha e numa carta enviada de Mayença em Fevereiro de 1813 por Cândido José Xavier ao ministro da guerra, encontramos ainda a discrição dum episódio sangrento em que o segundo regimento de infantaria figura.

«Senhor, tenho a honra de dar parte a V. Ex.ª que tendo partido de Moscovo a 19 de Setembro com o segundo regimento português que comando, encarregado da condução de mil e duzentos prisioneiros de guerra para Smolensk, quando o exército começava a sua retirada, recebi no caminho ordem de forçar a marcha e fui obrigado a deixar para trás, com escolta; as bagagens do regimento que me seguiam. Essas bagagens, arrastadas pelos maus cavalos do país, não puderam alcançar-me e tiveram de juntar-se ao comboio de bagagens do terceiro corpo de exército. No dia 8 de Novembro; na passagem do Boristene, a três dias de marcha antes de Smolensk, atacaram os cossacos o grande comboio e tudo quanto pertencia às equipagens do regimento foi tomado ou lançado ao rio; a caixa e, por conseguinte todos os papéis de contabilidade, juntos se perderam. O oficial pagador, que se tinha escapado, foi preso, em WiIna. Dos capitães três ficaram no campo da batalha, quatro foram feitos prisioneiros, e outros quatro ficaram, exaustos de fadiga, pelo caminho, no corpo apenas resta um. Dos primeiros-sargentos cinco ficaram feridos nos hospitais, um foi morto, e dois feridos, que tentavam acompanhar o regimento, não puderam suportar as fadigas da retirada; de quatro que tinham sido feitos prisioneiros, um conseguiu fugir e voltar ao corpo. Deste modo nada existe para a contabilidade das companhias do ano de 1812.

«O regimento teve nesta campanha doze oficiais mortos ou no campo de batalha, ou em consequência das feridas, dezanove feridos, dezoito aprisionados pelo inimigo e doze que não tendo já força para marchar ficaram pelos caminhos da retirada.

Rogo a V. Ex.ª etc.

O major

Comandante do segundo regimento Português.

C. Xavier.»

A marcha do exército francês continuava a fazer-se nas duras condições anteriores. A 26 acampou numa eminência à vista do Berezina.

A miséria do exército era enorme, Teotónio Banha diz-nos:

«invejava-se a fortuna do homem que comia a carne de cavalo, a quem pediam um bocado “há dois dias respondia ele que nada tinha comido” e se o infeliz não estava rodeado dos seus camaradas agrediam-no privando-o da sua propriedade; se pretendia resistir era ferido ou morto (...) . O amigo negava a outro um golo de aguardente e o menor socorro que dele carecia; os homens, ainda os mais generosos e de fina educação, e de grande bonomia de alma, tornavam-se egoístas e cruéis!»

O que muito me magoava a existência, era ver o grande numero de mulheres, entre elas muitas de rara beleza, perdidas de seus maridos ou a amantes, divagarem pelos acampamentos pedindo, desfeitas em lágrimas, um pedaço de carne de cavalo que as restituísse à vida prestes a finar-se. Eram estas infelizes tratadas cone a maior brutalidade.»

Napoleão conseguira iludir os russos, e tendo chegado na véspera junto ao rio, dirigia os trabalhos preparatórios da passagem. As forças portuguesas tiveram no dia 27 a alegria de ver chegar a guarnição de Mohiloff com o marquês de Alorna. Vinham todas as guarnições da Lituânia e chegavam bem armadas, equipadas e fornecidas de forragens e víveres, que repartiram com os seus famintos camaradas. O marquês fez distribuir aos portugueses bolacha, aguardente e toucinho. No mesmo dia 27 passou Napoleão o Berezina escoltado pela guarda imperial. Devia segui-los a nova guarda e a cavalaria portuguesa, alas na ânsia de passar a ponte abria-se caminho à cutilada. Alguns dos nossos esperando mais serena passagem aguardaram o dia seguinte, resolução que custou a muitos a vida ou a liberdade. «Nem um só destes camaradas e amigos tornámos a ver» diz Banha. A cavalaria portuguesa foi nessa noite empregada contra os cossacos que tentavam romper o cordão de vedetas dos postos avançados. Mortier dizia dela: «Estes cavaleiros portugueses são bravos, conhecedores do seu ofício e a nova guarda deve-lhes grandes serviços.»

Pontoneiros franceses

© Fernand Nathan

A construção das pontes no Beresina

A 28, ainda um grande número de forças tinha de atravessar o Berezina. Uma parte do exército russo corria a atacar os franceses na margem esquerda e outra parte aproximava-se dos que já tinham passado para a margem direita. Às nove horas da manhã abateram as pontes destinadas à cavalaria e artilharia, que em tropel se precipitaram sobre a outra ponte que a desgraçada infantaria atravessava. Foi horrível este episódio de atroz egoísmo e na passagem da ponte perdeu-se tanta gente como numa batalha. Os russos, da margem direita atiravam sobre a ponte bombas incendiárias aumentando a confusão, e os da margem esquerda avançavam em grande massa.

Para salvar o grosso do exército foi então necessária uma resolução enérgica, mas cruel. Ao acabar de passar a divisão Girard, que formava a retaguarda das forcas organizadas, os franceses lançaram, fogo à ponte e os desgraçados que ficaram na margem esquerda ou foram mortos pelos cossacos ou arrebanhados e conduzidos cativos para a Sibéria. Neste número entrou o valente coronel Pego, que só regressou a França em 1814. Seu genro José Joaquim de Sousa, a quem o general de divisão Ledru des Essarts, passando-lhe atestado de ter feito a campanha da Rússia no regimento de elite diz que nela se portara - «com honra e distinção, depois de ferido em Moscovo, ficou prisioneiro no último combate de Krasnoe. Também ficou prisioneiro na retirada o tenente de infantaria Carlos Damasceno Rosado.

O terceiro regimento português, que acompanhava Oudinot, tinha entrado na batalha que o 2.º corpo dera às forças do general russo Wittgenstein, em Agosto; acompanhou-o na retirada para Polotzk onde estava como governador Pamplona, que à frente dum regimento de suíços protegeu a entrada do segundo e do sexto corpos na cidade, repelindo os russos, que chegaram a apertá-los nas ruas. Na passagem do Dwina, depois de fazer passar a

artilharia e as bagagens fez cortar as pontes sob o fogo do inimigo; a ponte foi pelo rio abaixo, levando Pamplona e o resto das torças que não tinha ainda passado. Nas acções em que entrou, o terceiro regimento teve um oficial morto e dois prisioneiros, e perdeu duzentos soldados entre prisioneiros, mortos e feridos; desertaram alguns durante a estada em Polotzk. Como lá dissemos, Oudinot não tinha, e com razão, grande confiança no comandante do terceiro, motivo porque conservava este regimento na reserva. encarregado da guarda do grande parque de artilharia, na margem esquerda do Dwina. Estava ainda o terceiro regimento nas vizinhanças de Polotzk quando Napoleão chegou a esta cidade com o seu exército a 20 de Novembro; o regimento conservava setecentas e setenta praças, mas tendo perdido bagagens e mantimentos na passagem do Berezina, pereceu de miséria na retirada. No dia 30 de Novembro já não pôde juntar dezoito homens no bivaque do seu comandante.

O exército francês conseguindo livrar-se dos russos que tentaram envolve-lo, continuou a sua marcha para Zambim semeando as estradas de cadáveres O corpo de Mortier, que marchava logo em seguida à guarda imperial, foi dos primeiros que encontrou alojamento. Muito contentes por obter papas de milho e poderem dormir descansados em medas de palha numa herdade, ficaram os nossos soldados, e tão espantosa impressão lhes havia deixado a travessia fatal do Berezina, que, quando dois amigos se encontravam, abraçavam-se  chorando, felizes, na sua miséria, por não pertencerem ao número dos que tinham ficado nas margens do gelado rio, nem terem sido arrastados, sorte mais negra ainda, para a escravidão horrível da Sibéria.

Marchavam pela estrada de Kamen, quando, quebrando-se o gelo dum riacho que atravessavam, dez soldados de cavalaria Portuguesa caíram à água sendo a custo salvos um soldado e um sargento, apesar dos esforços feitos pelos camaradas para os salvar a todos.

A perseguição dos cossacos incomodava-os na marcha, em recontros com esses bárbaros ainda morreram alguns dos nossos e entre eles o quartel-mestre Durão.

Em Molodstchino, diz Teotónio Banha:

«Encontrei-me com o general Gomes Freire pelo braço do tenente Ribeiro, do primeiro regimento do brigadeiro Pego, com os cavalos à

rédea. Apenas o general me conheceu disse-me que o não desamparasse nesta ocasião; pus-me a pé e dei-Ihe o braço; julguei-o muito doente, quase com os sintomas já referidos, que o indicavam não longe da morte. Apenas entrados na vila houve o contentamento de vermos que os habitantes a não tinham ainda abandonado, e concebendo então a esperança de restituir a vida a um homem a quem era tão obrigado, entrámos para uma casa de boa perspectiva, onde nos receberam sem repugnância. Pedi à dona da casa que nos mandasse ferver uma pouca de água, ria qual deitei depois umas pedras de açúcar de que me havia feito presente D. José Clemont, fazendo assim uma bebida que dei ao general e que muito o consolou e aqueceu. Pouco depois entrou o dono da casa que me pareceu ser bom judeu, dispondo-o muito a nosso favor pela entrega de quarenta e oito francos, pedindo-lhe que comprasse uma galinha, carne, pão e forragens para quatro cavalos, dizendo-lhe que o mais que gastasse seria satisfeito; tudo comprou menos a carne que só às dez do dia seguinte pôde obter. Não eram passadas duas horas quando o general estava tomando um bom caldo de galinha, deitado em boa cama. Os mais comeram arroz temperado com manteiga e bom pão, bebendo aguardente, tudo com abundância, resultando passarmos uma excelente noite. Os cavalos também gozaram igual fortuna por terem feno, cevada, e palha, e por se deitarem.»

Gomes Freire melhorou e em Jouprononi todos os oficiais portugueses o foram. com prazer visitar.

Em Molodestchino, conta Garcez que, no bivaque da noite de 2 de Dezembro o visconde de Asseca propusera a vários oficiais passarem-se para o exército russo, afim de alcançarem voltar mais depressa para Portugal. O receio de serem vítimas da brutalidade selvagem dos cossacos, fizera com que a maior parte hesitasse, e só o visconde de Asseca e o capitão Manuel Bernardo se resolveram a partir. Nas Recordações da Revolução, do Império, e da Restauração do conde de Rochechouard, emigrado francês, que em 1811 militava no exército russo, sendo ajudante de campo do imperador Alexandre, lê-se o seguinte:

«Em Oschimiana fui encontrar muitos factos que completarão a pintura dos horríveis sofrimentos suportados pelo mais belo e valente exército do mundo. Entrei num Kartehma, botequim de judeu, à procura duma peliça de perle de canteiro para o meu criado, e vi lá dois homens duma magreza incompreensível, tendo por único vestuário umas ceroulas, um velho colete, sem camisa; por calçado umas meias esfarrapadas e na cabeça uma meia de seda preta, cujo pé caía negligentemente para as costas. Estes dois homens falavam português e à minha entrada disse um deles: “Eis um oficial, imploremo-lo.” Então aproximei-me e disse-lhes também em português. – “Que desejais, senhores”. Pareceram admirados de ouvir um oficial russo falar a sua língua. – “Se sois cristão, em nome de todos os santos vinde em nosso socorro. Chamo-me o visconde de Asseca, e pertenço à casa de Sousa, o meu camarada e eu fazemos parte do corpo comandado pelo marquês de Alorna, reunido ao exército francês. Um bando de cossacos surpreendendo-nos anteontem neste botequim, onde procurávamos aquecer-nos, roubou-nos os nossos uniformes e as nossas botas; não comemos nem bebemos já há vinte e quatro horas. O patife do judeu diz que nada possui nem para ele mesmo.»

Em quanto nos despiam os cossacos, consegui esconder no fogão uma bolsa bem guarnecida, que nos permitiria viver se pudéssemos sair deste maldito albergue. Toda a nossa esperança está em vós, a quem como oficial e como cristão imploramos. Salvai-nos!” Respondi-lhe que faria o possível.

Era difícil, mas ia tentá-lo, lembrando-me do bom acolhimento que tinha recebido em Portugal em 1801 e 1802.

O indispensável eram duas peliças para os dois oficiais, depois subiriam alternadamente para o meu trenó. Chamando o judeu, tirei da minha bolsa um bilhete de cem rublos, e disse-lhe: “aqui tens, para três Shoubi.” A peliça, usada pelos camponeses russos clama-se Shouba, no plural, Shoubi. – “Ainda que me désseis o triplo não poderia arranjar-vos uma só». -«Ah! é isso, exclamei agarrando-o pelas barbas, tu vais dar-me já a que tens às costas e juro-te que se não encontrares as outras, ficarás sem um pelo na barba.” E como eu começasse a puxar-lhas tão vigorosamente que ele soltava uivos, a família acudiu trazendo três peliças, sendo duas de mulher, que estavam escondidas no celeiro. Dei uma a cada um dos portugueses, e a terceira ao meu criado que esperava a conclusão do negócio. Uma peliça nova vale dez rublos dando cem rublos por três peliças velhas fiz esquecer os meus processos de cossaco ao judeu, que me testemunhou o seu reconhecimento oferecendo a cada um de nós um copo de aguardente, mas pedindo-nos que guardássemos o segredo dele a possuir para lha não roubarem. Levei comigo os dois oficiais portugueses a quem o meu criado deu um par de botas, tomadas no Berezina, e que serviam àquele que tinha de andar a pé. Chegando a WiIna deixei-os, pois o dinheiro que possuíam lhes permitia livrarem-se de embaraços. Não pensava já neste episódio quando, passados dois meses, encontrando-me em S. Petersburgo, o visconde de Asseca se apresentou em minha casa.

Tive dificuldade em reconhecer no elegante e belo mancebo que via, o miserável farroupilha que tinha acolhido. Cobriu-me de bênçãos e agradecimentos. Contou-me que em WiIna um general russo, seu conhecido, lhe tinha feito dar autorização para ir a S. Petersburgo esperar a sua libertação como prisioneiro de guerra. Encontrei-o em Paris em 1816; tinha-se estabelecido no Brasil, ministro do interior, um personagem importante.»

Da narrativa do conde de Rochechouard depreende-se que se o visconde de Asseca realmente pensara em desertar, teve pejo de apresentar-se ao emigrado francês como desertor.

Foi em Molodestchino que Napoleão se separou do exército, adiantando a sua marcha para Paris, onde o chamavam acontecimentos políticos de importância; mas se a presença do Imperador não bastava para conter os actos de brutalidade das tropas desmoralizadas pelo excesso de sofrimentos, com a sua retirada agravara-se ainda o mal e o que depois se passou foi indescritível.

Pouco antes de chegar a Wilna adoeceu gravemente o marquês de Loulé, e valeu-lhe a dedicação dum seu criado polaco que lhe arranjou um trenó onde pudesse continuar a marcha, e no qual o marquês deu lugar ao cirurgião-mor Fernando Rufino também doente. Passaram na capital da Lituânia o dia 9 de Dezembro e Mortier deu ordem para que recomeçasse a marcha a 10; a pouca distância da cidade encontraram os portugueses o general Pamplona, o major Castro e o chefe de batalhão do terceiro de infantaria, Blanc, que pouco depois devia ficar prisioneiro em Kowno, onde morreu, era sempre grande a alegria quando aos nossos se deparava o encontro de camaradas; este sentimento de fraternidade, amparando-os, livrava-os de caírem nos maiores excessos. A doze chegava-se a Kowno onde muitos soldados morreram vítimas do excesso da aguardente e a catorze passava-se o Niemen.

Andrajosos, ébrios, imundos, sem obedecer a nenhuma ordem, a nenhuma disciplina, roubando, destruindo, esvaziando todas as bebidas alcoólicas que encontravam, soldados, e até oficiais, chegaram em deplorável estado às fronteiras da Polónia. Aqueles a quem a miséria não alterara ainda os nobres sentimentos humanos esforçavam-se por dar alguns remédios a estes males. «Que triste e melancólico aspecto oferecia a multidão de homens, quase todos desarmados, cobertos de rotas e queimadas vestes, com os pés envolvidos em trapos e de tal modo feridos que só a custo e apoiados marchavam, com as barbas e bigodes carregados de neve, enegrecidos pelo fumo dos bivaques, pareciam mais espectros que homens.

Estavam em país amigo, mas a perseguição dos russos continuava e Ney, defendendo a retaguarda admirável sempre nas retiradas, guardava o passo ao inimigo o em Kowno enquanto o estado-maior entrava em Koenisberg.

As poucas praças que se encontravam reunidas da nossa cavalaria seguiram os seus oficiais, e os pobres restos da infantaria, tendo deixado além do Berezina o seu bravo comandante, seguiam também após eles. A 19 recebeu o capitão Garcez ordem de Mortier para ir juntar uns destacamentos de cavalaria portuguesa que haviam ficado em Koenigsberg, e fazer alguns reconhecimentos nas estradas. Num desses, avistando as avançadas russas, foi participá-lo ao quartel-general, de Murat, onde encontrou o marquês de Loulé, que havia chegado com os restos do seu regimento.

Em Koenigsberg sofreu a Legião Portuguesa um doloroso golpe. Adoeceu aqui o marquês de Alorna tão gravemente que, apear dos esforços de todos para se conseguirem as suas melhoras, sucumbiu a 2 de Janeiro de 1813. Gomes Freire, convalescente ainda, assistiu aos últimos momentos do seu companheiro de armas.

Realizado o funeral do marquês, partiram para Brademburgo, depois, em Ebling, viram ainda morrer D. José de Noronha (Tancos) alegre rapaz, cuja fraca compleição sucumbiu à rudeza do clima apesar de nunca ter saído assim como o marquês de Alorna, seu tio, de Mohiloff.

Seguindo pela estrada da Alemanha os restos da Legião encontraram em Dantzig de novo o marquês de Loulé. Garcez adoeceu aqui gravemente e aos cuidados do seu coronel e atenções delicadas dum banqueiro, em cuja casa se hospedava, deveu o restabelecimento.

Os prussianos, embora inimigos, acolheram generosamente o exército francês com todas as atenções.

Tão digno de piedade era o estado dessas tropas.

Em Berlim, onde entraram a 25 de Janeiro, demoraram-se até 5 de Fevereiro por pedido de Gomes Freire que queria celebrar o seu aniversário natalício na companhia dos seus camaradas. O marquês de Loulé foi atacado de reumatismo agudo que o impossibilitava quase de andar, ainda assim reunia-se a 5 de Fevereiro em Brunswick aos restos da cavalaria portuguesa. Em Francforte participa Gomes Freire a Banha que fora nomeado alferes, ficando este louco de alegria, porque o general, a quem ele idolatra, o toma às suas ordens.

A Legião Portuguesa a não ser pelos oficiais já quase não existia; segundo Ferreira de Mesquita, os quatro regimentos tinham levado para a Rússia proximamente cinco mil homens, dos quais voltaram a França apenas uns cem. Uns duzentos espalhados pelos hospitais da Rússia e da Alemanha, uns quatrocentos e cinquenta que tinham ficado nos depósitos, por incapazes de serviço em campanha, era quanto restava da Legião Portuguesa que se compunha ao sair do reino de perto de nove mil homens, aos quais se tinham juntado depois catorze mil prisioneiros espanhóis.

 

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Fonte:

Ribeiro Artur,
Legião Portugueza ao serviço de Napoleão,
Lisboa, Livraria Ferin, 1901,
págs. 68 a 102.

A ver também:

 

As Invasões Francesas

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