CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826

 

TÍTULO VIII

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS, E GARANTIAS DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS DOS CIDADÃOS PORTUGUESES

 

ARTIGO 139

As Cortes Gerais no princípio das suas Sessões examinarão se a Constituição do Reino tem sido exactamente observada, para prover como for justo.

140

Se, passados quatro anos depois de jurada a Constituição do Reino, se conhecer que algum dos seus Artigos merece reforma, se fará a Proposição por escrito, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte deles.

141

A Proposição será lida por três vezes com intervalos de seis dias de uma a outra leitura; e depois da terceira deliberará a Câmara dos Deputados se poderá ser admitida a Discussão, seguindo-se tudo o mais que é preciso para formação de uma Lei.

142

Admitida a Discussão e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedirá a Lei, que será sancionada, e promulgada pelo Rei em forma ordinária, e na qual se ordenará aos Eleitores dos Deputados para a Seguinte Legislatura, que nas Procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma.

143

Na seguinte Legislatura, e na primeira Sessão será a matéria proposta e discutida; e, o que se vencer, prevalecerá para a mudança, ou adição à Lei fundamental, e juntando-se à Constituição será solenemente promulgada.

144

É só Constitucional o que diz respeito aos limites e Atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos e Individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas pelas Legislaturas ordinárias.

145

A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira seguinte:

§ 1.° - Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei.

§ 2.° - A disposição da Lei não terá efeito retroactivo.

§ 3.° - Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicados pela Imprensa sem dependência de Censura, contanto que hajam de responder pelos abusos, que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela forma que a Lei determinar.

§ 4.° - Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública.

§ 5.° - Qualquer pode conservar-se, ou sair do Reino, como lhe convenha, levando consigo os seus bens; guardados os Regulamentos policiais, e salvo o prejuízo de terceiro.

§ 6.° - Todo o Cidadão tem em sua Casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela senão por seu consentimento, ou em caso de reclamação feita de dentro; ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira que a Lei determinar.

§ 7.° - Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei, e nestes dentro de vinte e quatro horas, contadas da entrada da prisão, sendo em Cidades, Vilas ou outras Povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e, nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do Território: o Juiz, por uma Nota por ele assinada, fará constar ao Réu o motivo da prisão, os nomes dos acusadores, e os das testemunhas, havendo-as.

§ 8.° - Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão, ou nela conservado, estando já preso, se prestar fiança idónea, nos casos, que a Lei a admite: e em geral, nos crimes que não tiverem maior pena do que a de seis meses de prisão, ou desterro para fora da Comarca, poderá o Réu livrar-se solto.

§ 9.° - À excepção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da Autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o Juiz que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar.

O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada, não compreende as Ordenanças Militares estabelecidas, como necessárias à disciplina, e recrutamento do Exército: nem os casos, que não são puramente criminais, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos Mandados da Justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro de determinado prazo.

§ 10.° - Ninguém será sentenciado senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na forma por ela prescrita.

§ 11.° -Será mantida a independência do Poder Judicial. Nenhuma Autoridade poderá avocar as Causas pendentes, sustê-las, ou fazer reviver os Processos findos.

§ 12.° - A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.

§ 13.° - Todo o Cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos ou Militares, sem outra diferença, que não seja a dos seus talentos e virtudes.

§ 14.° - Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado, em proporção dos seus haveres.

§ 15.° - Ficam abolidos todos os Privilégios, que não forem essencial e inteiramente ligados aos Cargos por utilidade pública.

§ 16.° - A excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juízos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Comissões especiais nas Causas Cíveis, ou Crimes.

§ 17.° - Organizar-se-á, quanto antes, um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade.

§ 18.° - Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.

§ 19.° - Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja.

§ 20.° - As Cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes.

§ 21.° - É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o Bem Público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do Cidadão, será ele previamente indemnizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única excepção, e dará as regras para se determinar a indemnização.

§ 22.° - Também fica garantida a Dívida Pública.

§ 23.° - Nenhum género de trabalho, cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos Cidadãos.

§ 24.° - Os Inventores terão a propriedade de suas descobertas, ou das suas produções. A Lei assegurará um Privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização.

§ 25.° - O segredo das Cartas é inviolável. A Administração do Correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção deste Artigo.

§ 26.° - Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos Serviços feitos ao Estado, quer Civis, quer Militares; assim como o direito adquirido a elas na forma das Leis.

§ 27.° - Os Empregados Públicos são estritamente responsáveis pelos abusos, e omissões, que praticarem no exercício das suas Funções, e por não fazerem efectivamente responsáveis aos seus subalternos.

§ 28.° - Todo o Cidadão poderá apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a Autoridade a efectiva responsabilidade dos infractores.

§ 29.° - A Constituição também garante os Socorros Públicos.

§ 30.° - A Instrução Primária é gratuita a todos os Cidadãos.

§ 31.° - Garante a Nobreza Hereditária, e suas regalias.

§ 32.° - Colégios e Universidades, onde serão ensinados os Elementos das Ciências, Belas Letras e Artes.

§ 33.° - Os Poderes Constitucionais não podem suspender a Constituição, no que diz respeito aos Direitos individuais, salvo nos casos, e circunstâncias especificadas no § seguinte.

§ 34.° - Nos casos de rebelião, ou invasão de inimigos, pedindo a Segurança do Estado que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a Liberdade individual, poder-se-á fazer por acto especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunidas as Cortes, e correndo a Pátria perigo iminente, poderá o Governo exercer esta mesma providência, como medida provisória, e indispensável, suspendendo-a, imediatamente cesse a necessidade urgente que a motivou, devendo num e noutro caso remeter às Cortes, logo que reunidas forem, uma relação motivada das prisões, e de outras medidas de prevenção tomadas; e quaisquer Autoridades, que tiverem mandado proceder a elas, serão responsáveis pelos abusos, que tiverem praticado a esse respeito.

 

Pelo que: Mando a todas as Autoridades, a quem o conhecimento, e execução desta Carta Constitucional pertencer, que a jurem, e farão jurar, a cumpram e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nela se contém. A Regência desses Meus Reinos e Domínios assim o tenha entendido, e a faça imprimir, cumprir e guardar; tão inteiramente, como nela se contém, e valerá como Carta pela Chancelaria, posto que por ela não há-de passar; sem embargo da Ordenação em contrário, que somente para este efeito Hei-de por bem Derrogar, ficando aliás em seu vigor; e não obstante a falta de Referendo, e mais formalidades do estilo, que igualmente Sou Servido Dispensar. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos vinte e nove dias do mês de Abril do Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos vinte e seis. - EL-REI Com Guarda. - Francisco Gomes da Silva a fez. - Registada a fol. 2 do competente Livro. Rio de Janeiro, 30 de Abril de 1826. Francisco Gomes da Silva, Oficial Maior do Gabinete Imperial.

 

António Gomes Ribeiro.

 

Foi publicada esta Carta Constitucional na Chancelaria-Mor da Corte e Reino, por virtude do Real Decreto, que assim o Determinou. Lisboa 20 de Julho de 1826. - Francisco José Bravo. - Registada na Chancelaria-Mor da Corte e Reino no Livro das Leis a fl. I. Lisboa 20 de Julho de 1826. - José Bravo Pereira.

 

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