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Aclamação de D. João IV, por Veloso Salgado |
Assento feito em cortes pelos três estados dos Reinos de Portugal, da aclamação, restituição. e juramento dos mesmos Reinos. Ao muito alto e muito poderoso Senhor Rei Dom João IV deste nome
|
"Conforme as
regras de direito natural, e humano,
De acordo com Luís Reis Torgal "o
Assento, feito [durante as cortes de 1641] em nome dos três
estados, mas que terá sido escrito por juristas, César de Meneses, que
aparece formalmente como o redactor, talvez com a colaboração de
Velasco de Gouveia, conforme já foi sugerido, apresenta os princípios
fundamentais da argumentação legitimista [da aclamação de D. João
IV]. Todas as obras que depois se publicaram sobre o tema glosaram e
teorizaram os argumentos ali apresentados.
Os
três estados destes Reinos de Portugal juntos nestas Cortes1 onde
representam os mesmos Reinos, e têm todo o poder, que neles há,
resolveram, que por princípio delas deviam fazer assento por escrito,
firmado por todos, como o direito de ser Rei, e Senhor deles pertencia,
e pertence, ao muito alto e muito poderoso Senhor Dom João IV deste
nome, filho do Sereníssimo Senhor Dom Teodósio2, Duque de Bragança, e
neto da Sereníssima Senhora Dona Catarina Duquesa do mesmo estado,
filha do Sr. Infante Dom Duarte, e neta do muito alto, e muito poderoso
Senhor Rei Dom Manuel. Porquanto
depois que no primeiro dia de Dezembro do ano próximo de 640 em que
primeira vez, foi aclamado por Rei nesta Cidade de Lisboa, e em todos os
seguintes, em todo o mais Reino, e jurado, e levantado, nesta mesma
Cidade em os quinze do mesmo mês. Ajuntando-se depois nestas
Cortes, os três estados, e celebrando-se solenemente em os 28 de
Janeiro de 641. Assentaram
seria conveniente para maior perpetuidade, e solenidade de sua feliz
aclamação, e restituição ao Reino, que sendo agora juntos tornem em
nome do mesmo Reino fazer este assento por escrito, em que o reconhecem,
e obedecem, por seu Legítimo Rei, e Senhor, e lhe restituem o Reino,
que era de seu Pai, e Avô, usando nisto. do poder, que o mesmo Reino
tem para assim o fazer, determinar, e declarar de justiça. E
seguindo também a forma, e ordem que no principio do mesmo Reino se
guardou com o Senhor Rei Dom Afonso Henriques, primeiro Rei dele. Ao
qual tendo já os Povos levantado por Rei no Campo de Ourique, quando
venceu a batalha contra os cinco Reis mouros, e tendo-lhe passado Bula
do título de Rei, o Papa Inocêncio III no ano de 1142, contudo nas
primeiras Cortes que logo subsequentemente celebrou na Cidade de Lamego
pelo fim do ano de 1143 sendo juntos nelas os três estados do Reino,
tornaram outra vez, em nome de todo ele, ao aclamar, e levantar por Rei
com assento por escrito, do que nelas se fez, para memória, e
perpetuidade de seu título. E
pressupondo por coisa certa em direito, que ao Reino somente compete
julgar, e declarar a legítima sucessão do mesmo Reino, quando sobre
ela há dúvida entre os pretendentes, por razão do Rei último
possuidor, falecer sem descendentes, e eximir-se também de sua sujeição,
e domínio quando o Rei por seu modo de governo se fez indigno de
reinar. Porquanto este poder lhe ficou, quando os Povos a princípio
transferiram o seu no Rei, para os governarem. Nem sobre os que não
reconhecem superior, há outro algum a quem possa competir, senão aos
mesmos Reinos, como provam largamente os Doutores, que escreveram na matéria,
e há muitos exemplos nas Repúblicas do mundo, e particularmente neste
Reino, como se deixa ver das Cortes do Sr. Rei Dom Afonso Henriques, e do Sr. Rei Dom João I. Com
este pressuposto, os fundamentos, e razões que o Reino teve para
aclamar por Rei ao Senhor Rei Dom João IV e para agora nestas Cortes o
tornar a aclamar, determinar, e declarar que o legitimo Senhorio dele
lhe pertence, e lhe devia ser restituído, posto que os Reis Católicos
de Castela estivessem em posse dele são os seguintes: 1.º
Que falecendo o Sr. Rei Dom Henrique sem filhos, nem descendentes, a
justa e legitima sucessão do Reino se deferiu à Sr.ª Duquesa de
Bragança sua sobrinha filha legitima do Sr. Infante Dom Duarte seu irmão
representando a pessoa de seu Pai, com todas as qualidades, que nele
concorriam para haver de suceder. Por este benefício da representação
ter lugar na sucessão dos Reinos (a qual se defere por direito hereditário)
e porque especialmente na sucessão deste de Portugal está admitido por
disposição, e declaração expressa feita pelo Sr. Rei Dom João I era
seu testamento, mandando nele, que o Sr. Infante Dom Duarte seu filho
primogénito, ou em seu defeito seu filho, ou neto, e qualquer outro
legitimo descendente por sua linha direita, sucedesse nele, segundo se
requeria por direito, e costume na sucessão destes Remos, e Senhorios,
que são palavras formais da cláusula do dito testamento. Pelas quais
fica sem dúvida haver de ter lugar na sucessão dele a representação,
havendo-o assim disposto o dito Senhor Rei Dom João I que o podia
dispor, e declarar. E na mesma conformidade o haver também disposto o
Sr. Rei Dom Afonso V seu neto nas Cortes, que celebrou nesta Cidade em
seis de Março de 1476 quando foi casar a Castela com a Senhora Rainha
Dona Joana. Termos em os quais os mesmos Doutores, que negaram a
representação, nestas semelhantes sucessões dos Reinos, e morgados
confessam, que se devem admitir. E
suposta a representação, lhe não poder preferir o Católico Rei
Filipe de Castela, sobrinho também do Sr. Rei Dom Henrique, ainda que
fosse mais velho em idade, e estivesse em igual grau de parentesco; Por
ser filho de irmã fêmea a Senhora Imperatriz Dona Isabel, e
sucedendo-se por representação ficar excluído, pois representava a
pessoa de sua mãe, que lhe não podia dar mais, do que ela tinha. E
pelo contrário a Senhora Duquesa Dona Catarina, entrar representando a
pessoa do Infante Dom Duarte seu Pai, o qual se fora vivo, ouvera de
excluir a Imperatriz sua irmã. E anda que concorressem á dita sucessão,
sendo primos irmãos, sem concorrer Tio, haver de ter lugar a representação
por ser mais verdadeira, e mais comum a opinião dos Doutores na matéria,
que esta sucessão por representação se admite entre os primos irmãos,
sem com eles concorrer tio, e assim o dispor o direito comum dos
Romanos, posto que o contrário fosse determinado, pelas Leis das
partidas de Castela, que neste Reino não ligam, nem se devem guardar. E
assim deferindo-se a legitima sucessão do Reino, à Senhora Dona
Catarina, se ficou derivando dela em seu filho o Sr. Dom Teodósio, e em
seu neto o Sr. Dom João IV posto que actualmente não tivesse posse do
Reino. 2.º
Porque ainda em caso negado, que não pudesse ter lugar o beneficio da
representação, e por ele não pudesse deferir-se a sucessão do Reino
à Senhora Duquesa Dona Catarina sobrinha do Sr. Rei Dom Henrique, se
lhe deferiu pela prerrogativa de melhor linha, que é a primeira das
quatro qualidades, pelas quais se defere as sucessões dos Reinos,
morgados, e bens vinculados. Porquanto
na mesma cláusula do testamento do Sr. Rei Dom João I acima referida,
fez o dito Senhor expressa constituição de linhas entre seus filhos
para a sucessão destes Reinos, chamando em primeiro lugar o dito Sr.
Infante Dom Duarte seu filho primogénito, e seus filhos, e netos e
quaisquer outros legítimos descendentes por linha direita, que é a que
os Doutores chamam linha do primogénito, e logo em falta desta primeira
linha, chamou a dos outros seus filhos, por sua direita ordenança, a
saber. Primeiramente a do Infante Dom Pedro (que era o filho segundo)
com todos seus filhos, e netos, e faltando esta segunda linha chamou a
do Infante Dom Henrique (seu filho terceiro) e acrescentou, que assim
fosse nos outros seus filhos pelo modo sobredito, que são também
palavras formais da mesma cláusula do testamento. Das
quais se segue precisamente, que na sucessão destes Reinos depois da
representação tem o primeiro lugar a prerrogativa da linha para que em
quanto houver descendentes da linha do filho primogénito se não admita
pessoa alguma da linha do filho segundo génito, e da mesma maneira nos
outros filhos. Porque ainda que de direito comum haja controvérsia nos
Doutores, negando alguns as linhas mais, que a do possuidor, e primogénito,
e não admitindo que os outros filhos constituam linha, senão quando
chegaram a ocupar a sucessão. Contudo havendo expressa disposição do
testador, que chamou seus filhos e descendentes por linhas separadas, não
há Doutor algum, que as contradiga, nem pelo conseguinte podem ter
controvérsia na sucessão deste Reino, onde expressamente estão
dispostas na cláusula do dito testamento do Sr. Rei Dom João I. Pelo
que como entre os filhos, e filhas do Sr. Rei Dom Manuel depois da linha
do filho primogénito que foi o Sr. Rei Dom João III, que se acabo no
Sr. Rei Dom Sebastião cada um dos outros filhos (deixando aqueles que
morreram na idade da infância) constituí-se sua linha, na qual para a
sucessão do Reino incluíram a si, e a seus filhos, e descendentes, e
excluíram os outros. Segue-se que extintas as linhas do Sr. Infante Dom
Fernando, e do Sr. Infante Dom Luís, que não deixou filho legítimo, e
do Sr. Cardeal Dom Afonso, e do Sr. Cardeal e Rei Dom Henrique que
faleceu sem filhos, nem descendentes, entrou a sucessão na linha do
Senhor Dom Duarte, e nela achou a Senhora Duquesa Dona Catarina sua
filha, a quem se deferiu. E não podia entrar na linha da Senhora
Imperatriz Dona Isabel, na qual estava o Rei Católico de Castela seu
filho, senão depois de estar de todo acabada, e extinta a linha do Sr.
Infante Dom Duarte, que por ser filho varão; constituiu linha superior
à sua na forma da mesma cláusula do dito testamento do Senhor Rei Dom
João I, que entre os filhos varões por sua ordem, constituiu as
primeiras linhas. 3
° Porque em falta do benefício da representação, e da prerrogativa
de melhor linha, tinha a mesma Duquesa a Senhora Dona Catarina, melhor
direito na sucessão deste Reino, fundado em vocação expressa, que é
a qualidade, que vence a todas as mais nestas sucessões. Porquanto
o mesmo Senhor Rei Dom João I na cláusula do dito seu testamento,
depois de chamar ;o Infante Dom Duarte seu filho primogénito com todos
seus filhos, netos e descendentes legítimos, chamou também os outros
filhos seguintes com seus descendentes na forma acima referida, e do
filho primogénito que lhe sucedeu no Reino, que foi o Sr. Rei Dom
Duarte, nasceu o Sr. Rei Dom Afonso V, filho seu primogénito, e naceu o
Sr. Infante Dom Fernando seu filho segundo génito, com vocação
expressa pela cláusula do dito testamento, depois de acabada a descendência
do primogénito. E como esta se acabou no Sr. Rei Dom João II que não
deixou filho legítimo, tornou a sucessão do Reino ao filho do dito Sr.
Infante Dom Fernando seu tio, que foi o Sr. Rei Dom Manuel do qual
nasceu o Sr. Infante Dom Duarte, e dele a Sr.ª Duquesa Dona Catarina
sua filha. Por onde ficou tendo a mesma vocação, que tinha o mesmo Sr.
Infante Dom Fernando seu bisavô Pai do dito Sr. Rei Dom Manuel seu Avô.
E por esta vocação devia necessariamente ser preferida ao dito Rei Católico
de Castela, posto que fosse também descendente do mesmo Sr. Infante Dom
Fernando pelo mesmo Sr. Rei Dom Manuel, o era pela Sr.ª Imperatriz Dona
Isabel, e não podia preferir a Senhora Duquesa Dona Catarina, que tinha
a vocação expressa por filho varão o dito Sr. Infante Dom Duarte seu
Pai. 4
° Porque nas ditas primeiras Cortes celebradas em Lamego pelo Sr. Rei
Dom Afonso Henriques, estava expressamente determinado que quando o Rei
falecesse sem filhos herdeiros lhe pudessem suceder seus irmãos, se os
tivesse; mas porém que os filhos destes para entrarem na herança, terão
necessidade de consentimento do Reino, e serem aprovados pelos três
Estados dele. E enquanto o não fossem, não poderiam reinar. A qual Lei
se guardou, e praticou, porque sucedendo no Reino, o Sr. Rei Dom Afonso
III por morte do Sr. Rei Dom Sancho seu irmão, que faleceu sem filhos
se tem por certo,
que para o Sr. Rei Dom Dinis filho do Sr. Rei Dom Afonso III haver de
entrar a reinar por morte de seu Pai, celebrou em sua vida Cortes em que
o fez jurar por sucessor do Reino. E da mesma maneira faltando
descendentes legítimos ao Sr. Rei Dom João II posto que declarou, em
seu testamento por herdeiro, e sucessor ao Duque de Beja, que foi o Sr.
Rei Dom Manuel filho do Infante Dom Fernando, irmão segundo do Sr. Rei
Dom Afonso V. Contudo logo nas Cortes, que celebrou em Montemor-o-Novo,
foi aceite por Rei pelos três Estados
do Reino, que nelas se ajuntaram. Por onde ainda quando por falecimento
do Sr. Rei Dom Henrique sem descendentes pudesse em caso negado ter
direito de suceder o Rei Católico de Castela como sobrinho seu, não
podia reinar, nem tomar posse do Reino, como de facto tomou sem primeiro
ser aceite, e aprovado pelos três Estados juntos em Cortes, o que não
foi. E
quando menos necessitava de esperar a determinação, e sentença do
mesmo Reino junto em Cortes sobre a pretensão que tinha à sucessão
dele. A qual não esperou, e antes dela se empossou entrando com armas.
Nem deferiu ao Legado do Sumo Pontífice que assim lho encarregava da
sua parte. Logo
por cada uma destas cabeças não teve título justo de reinar, e
ficaram ele, e seus sucessores sendo intrusos, no sentido em que o
direito chama tiranos aqueles que sem justo título ocupam o Reino, e
podia, e pode agora o mesmo Reino reintegrar-se em seu direito,
aclamando, e aceitando por Rei, o Sr. Rei Dom João IV como neto legítimo
da dita Senhora Duquesa Dona Catarina a quem competia legitimamente o
direito da sucessão dele. 5
° Porque nas mesmas primeiras Cortes de Lamego, e as Leis, que se
ordenaram sobre a herança, e sucessão do Reino, se determinou também
que a filha fêmea do Rei, que casasse com Príncipe estrangeiro, que não
fosse Português não pudesse herdar, nem suceder nele, para que assim
nunca o Reino saísse fora das mãos dos Portugueses, nem reinasse nele
pessoa que o não fosse. E nesta conformidade, deixando o Sr. Rei Dom
Fernando uma filha casada com o Rei Dom João de Castela, foi excluída
da sucessão, não somente por não ser legítimo, tendo-se por nulo o
matrimónio do dito Sr. Rei Dom Fernando, com a Senhora Rainha Dona
Leonor sua mãe, mas também por estar casada com príncipe estranho. E
assim se assentou nas Cortes, que se celebraram em Coimbra, aonde os três
estados o determinaram. E havendo o Reino por vago elegeram por Rei ao
Senhor Rei Dom João I, Mestre de Avis, e filho (posto que ilegítimo)
do Sr. Rei Dom Pedro donde ficou também por esta cabeça, faltando o
direito de suceder, ao Católico Rei de Castela, por ser Príncipe
estrangeiro, e podiam então, e pode agora o Reino aclamar, e obedecer
por Rei, a seu Príncipe natural, o Sr. Rei Dom João IV, não só por título
de legítima sucessão, mas também de eleição, que ficava competindo
aos Povos, e Reino. E
quando estas razões não foram bastantes para justamente o poder fazer
estando em contrário a posse de sessenta anos, que eram passados desde
o tempo que o dito Rei Católico de Castela se empossou deste Reino no
fim do ano de 1580 principiada e continuada por três actos de sucessão
em sua pessoa, e na de seu filho o Católico Rei Dom Filipe III, e na de
seu neto o Católico Rei Dom Filipe IV de Castela, e aprovada pelo mesmo
Reino, nas Cortes, que celebraram em Tomar no ano de 1581, e nas que
depois fizeram nesta Cidade de Lisboa no ano de 1619, nas quais ambas
foram jurados, obedecidos, e reconhecidos por Rei deste Reino. Se
assentou, e determinou pelos mesmos três Estados, que quanto à posse
posto que de tantos anos lhes não podia obstar, nem aproveitar aos
ditos Reis de Castela, por ser a princípio violenta tomada com força
de armas, e dos numerosos exércitos, com que o dito Rei Católico
violentamente se empossou do Reino, e por ser atentada estando pendendo
no juízo dos Governadores, a causa da sucessão sem esperar sua sentença,
nem aprovação do mesmo Reino junto em Cortes. E a que teve haver sido
somente de alguns particulares persuadidos com grandes mercês, que sem
estarem em Cortes, a não podiam dar, e a sentença que depois alcançou
haver sido nula, por não ser dada, por todos os Governadores do Reino,
que o Senhor Rei Dom Henrique deixou nomeados, e faltando qualquer deles
lhes faltava conforme o direito poder para sentenciarem. Além do que o
fizeram em tempo que ainda [?] não tinham jurisdição para dar sentença,
que competia somente aos três Estados do mesmo Reino iuntos em Cortes.
E ultimamente por ser dada em Aiamonte lugar de Castela, onde (quando a
tivessem) não podiam exercitar jurisdição. E assim começando a dita
posse com o vício intrínseco da violência, e do atentado que nela se
cometeu, estando pendendo o Juízo, mais ficou tirando o direito ao dito
Rei Católico (quando o tivera) do que confirmá-lo. Pois
conforme as regras dele a posse violenta não causa prescrição, nem
também nos Reinos a pode haver de menor tempo, que de cem anos. Nem
finalmente pode correr contra o Reino, que nunca teve faculdade, e
liberdade para a reclamar senão agora, e também era necessário pelo
que tocava ao particular interesse dos pretensores, que contra um deles
começasse a prescrição, e se cumprisse o tempo legítimo dela, o que
não houve, nem se cumpriu. E
quanto ao juramento da obediência e fidelidade, que tinham dado nas
ditas Cortes, aos ditos Reis Católicos de Castela, os não ligava, nem
obrigava para se não poderem eximir de seu domínio, e sujeição.
Porquanto o modo com que o Rei Católico Filipe IV depois que sucedeu,
governou este Reino era ordenada a suas comodidades, e utilidades, e não
ao bem comum, e se compunha de quase todos os modos, que os Doutores
apontam, para o Rei ser indigno de reinar. Porque
não guardava ao Reino seus foros, liberdades, e privilégios antes se
lhe quebraram por actos multiplicados. Não acudia à defesa, e recuperação
de suas Conquistas, que eram tomadas pelos inimigos da Coroa de Castela.
Afligia, e anexava os Povos com tributos insuportáveis, sem serem
impostos em Cortes fazendo com força às Câmaras do Reino, consentir
neles. Gastava as rendas comuns do mesmo Reino, não somente em guerras
alheias, mas também em coisas que não pertenciam ao bem comum dele.
Aniquilava a nobreza, vendia por dinheiro os ofícios de Justiça, e
fazenda. Provia neles, pessoas indignas, e incapazes. O estado eclesiástico,
e Igrejas, eram oprimidos com tributos, tirando-lhe as rendas e dando-se
às pessoas que davam os arbítrios, iníquos delas; e finalmente
exercitava estas e outras coisas contra o bem comum por ministros
insolentes, e inimigos da pátria dos quais se servia, sendo as piores
pessoas da República. Nos
quais termos, ainda que os ditos Reis Católicos de Castela, tiveram título
justo, e legítimo, de Reis deste Reino o que não tinham, e por falta
deles, se não puderam julgar por intrusos. Contudo o eram pelo modo do
governo, e assim podia o Reino eximir-se de sua obediência, e negar-lha
sem quebrar o juramento que lhe tinham feito. Por quanto conforme as
regras de direito natural, e humano, ainda que os Reinos transferissem
nos Reis todo o seu poder, e império para os governarem, foi debaixo de
uma tácita condição de o regerem, e mandarem com justiça, sem
tirania, e tanto que no modo de governar usarem delas, podem os Povos
privá-los dos Reinos, em sua legítima
natural defesa, e nunca nestes casos foram vistos obrigar-se, nem
o vínculo do juramento estender-se a eles. E
assim sendo tudo o sobredito certo em facto, e tão notório, que não
necessitava de prova judicial, nem ao Rei Católico de Castela podia
competir legítima defesa para com ela haver de ser ouvido, nem haver
outro legítimo sucessor a quem se pudesse recorrer, e não,
aproveitarem as muitas queixas, e lembranças que os Tribunais do Reino,
e pessoas graves dele fizeram por muitas vezes ao mesmo Católico Rei de
Castela e com a demonstração que haviam feito os Povos de Évora, e de
outros lugares do Reino para se livrarem da opressão dos tributos sem
consentir com eles a nobreza, não havia bastado para o governo se
emendar, antes com isso se piorou. Assentou justamente o Reino
congregado nestes três estados, usando de seu poder, e em sua natural
defensa, negar-lhe a obediência, e dá-la ao Sr. Rei Dom João IV, que
pelo direito derivado da Senhora Duquesa Dona Catarina sua Avó, era o
legitimo Rei, e sucessor deste Reino. E
pelas mesmas razões podia ele justamente aceitar a aclamação, e
restituição que dele se lhe fez, e desforça-se e restituir-se ao
Reino, pois em sua pessoa tinha radicado o direito da sucessão dele, e
com violência e força de armas se havia tirado à Sr.ª Duquesa sua Avó,
e nem ela, nem o Sr. Duque Dom Teodósio seu filho em suas vidas tiveram
faculdade para sem perigo evidente delas, e de sua casa o fazerem. Antes
o mesmo Senhor Duque Dom Teodósio fez seu legítimo protesto, e reclamação
por escrito, quando jurou aos Católicos Reis de Castela nas ditas
Cortes, e esse de sua própria letra, e sinal, tomando nele por
testemunhas aos Santos do Céu, por se não poder fiar naquela conjunção
das pessoas da terra, nos quais termos ainda que se não intimasse
judicialmente lhe ficou conservando seu direito, para quando houvesse
faculdade de poder desforçar-se, e usar dele para si, ou por seus
sucessores. A qual somente agora teve, e o pode fazer o Sr. Rei Dom João
seu neto, pela aclamação unânime, e restituição, que o Reino todo
lhe fez, não somente de rigor de justiça pelo direito que tinha da
sucessão, mas juntamente pelas grandes qualidades, excelências, e
virtudes, que concorrem em sua Real pessoa bastantes para sem outro
direito poder, e dever ser eleito por Rei destes Reinos, suposto o
estado, a que o chegaram com seu governo os ditos Reis Católicos de
Castela. E
para constar do sobredito, e do que nisto o Reino obrou, entendendo ser
vontade de Deus nosso Senhor, que para este tempo foi servido reservar a
restituição dele, com manifestos sinais do Céu fizeram os três
estados, este breve assento firmado por todos, para ficar sendo o princípio
destas Cortes e ficar manifesta em todo o tempo a justiça e razão com
que assim se determinou, e executou, deixando a comprovação de tudo o
sobredito no facto, e no direito ao Livro que em nome do Reino, se
divulgara, e imprimira, sobre esta matéria. [segue-se a lista dos procuradores às Cortes asinantes do documento] |
Fonte: A ler também: Luís Reis Torgal, Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração, 2 vols., Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981 Outros
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