D. Pedro, príncipe regente

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D. Pedro, príncipe regente

O Manifesto do infante D. Pedro de 1667

 

"sem haver meio para Sua Majestade o reconhecer e evitar, acudindo com remédio a seus Reinos, (...) não se achando nenhum para Sua Majestade perder o costume de sofrer mal o advirtam do que convém, descompondo aos que o intentam fazer, sem perdoar ao amor da Esposa, ao respeito do Irmão, à estimação dos Grandes de seus Reinos, à necessidade e agradecimento dos criados."

 

De acordo com Jorge Borges de Macedo "a revolução de palácio ocorrida em Outubro de 1667, que levou à demissão e fuga do [conde de Castelo Melhor] e à consequente substituição do rei por seu irmão D. Pedro, como regente, integra-se, pois, na sua definição inicial, nestes confrontos [de correntes políticas diversas ancoradas no Estado absoluto. (...) uma delas defendendo, como forma de governo, o regionalismo e a maior consulta dos notáveis; outra defendendo a centralização], e onde a política externa toma uma forma mais saliente. E coincide com os esforços do partido francês para manter a hegemonia na corte portuguesa. (...) O golpe de Estado preparado com a conivência da rainha, Maria Francisca Isabel de Sabóia, mulher de D. Afonso VI, rei de Portugal, foi assim uma última tentativa de a França alcançar uma posição de tutela sobre as decisões portuguesas, em matéria de política externa." 

 


 

Manifesto do infante D. Pedro1

 

Obrigado das necessidades e perigos em que se vêem estes Reinos, e das instâncias que sobre seu remédio me tem feito muitos Vassalos deles, dos maiores na idade e na qualidade, mais zelosos e mais empenhados em sua conservação, desejo à muitos dias de achar meios suaves para atalhar os danos que já de tão perto os ameaçavam; mas não me foi possível; porque desde o dia em que algumas pessoas levaram a EI-Rei meu Senhor a Alcântara, e tumultuosamente lhe fizeram tomar naquela Quinta o Governo de seus Reinos, persuadindo-lhe que a Rainha, minha Mãe e Senhora, que Deus tem, e os Ministros, de que El-Rei, meu Senhor e Pai e ela faziam muita confiança, lhe dilatavam a entrega do governo com intento de lhe tirar a Coroa, se não fiou Sua Majestade de mais pessoas que daquelas, e de outras escolhidas para lhe impedirem os meios de conhecer tão prejudicial engano; atrevendo-se, para que não houvesse quem lhe mostrasse e perturbasse sua valia, a levar, sem outro fim, a uma prisão afrontosa, e a matar cruelmente nela, a Rainha, minha Mãe e Senhora; causa bastante para padecermos maiores castigos, e a desterrar desta Corte tão grandes pessoas, por tanto tempo, e para tão ruins lugares, em que receberam os danos que são notórios; sendo o maior, impedirem por este modo o remédio com que a Rainha queria atalhar, e atalhara com efeito, os males em que nos vemos, admoestando a EI-Rei. com os meios que havia de mister o seu natural; e tirando-lhe e dando-lhe os Criados que haviam mister seus anos: mas fez-se o contrário, deixando cercar EI-Rei, e ajudando-o a isso de homens de má vida, buscados e escolhidos em todo o Reino, dando-lhes grossos salários, e premiando com grandes mercês seus delitos, com gravíssimo dano da consciência, autoridade e reputação d'EI-Rei, perturbação desta Coroa, e escândalo do Mundo: cresceram tanto os desmanchos, e com eles a valia daqueles homens, que, privando a Sua Majestade de toda a acção própria, se fizeram senhores de sua vontade e de tudo, até dos caixilhos com que se firmam os despachos, que tinham em seu poder, procurando e conseguindo de Sua Majestade, que, se alguma pessoa lhe dissesse qualquer coisa em menos abono seu, a tratasse com tal desabrimento, que se lhes não atrevesse ninguém, não exceptuando desta regra nem a mim, nem (o que mais é) a Rainha, minha Senhora; imprimindo tão vivamente no ânimo de Sua Majestade o costume de tratar mal os Vassalos, que sem respeito a serem os maiores, e a não darem causa, usava com eles o que com tanta vergonha nossa vimos todos tantas vezes. Entendeu-se da Rainha minha Senhora e de mim que desejávamos emendar estes danos ; e bastou isto para nos tratarem de maneira, que, queixando-me eu de me quererem tirar a vida com peçonha, nem foi querida nem despachada a minha queixa, como houvera de ser, se fora de qualquer particular, e se tratou a Real Pessoa da Rainha, minha Senhora, com tão pouco respeito, que foi necessário que a Nobreza e Povo desta Corte acudisse por ela, com o empenho que se viu: e nem isto bastou para se dar satisfação à Rainha, antes a ela e aos mais nos fizeram as afrontas que com tanta obediência sofremos naquele dia; e para se tirar da vista da Rainha o instrumento do seu desgosto, foi necessário afastá-lo do Paço com indústria; O Ministro de que me queixei se retirou desta Corte muito contra vontade de Sua Majestade; e prometendo o deixaria com liberdade, o fez tanto pelo contrário, que lhe deixou um papel com instrução do que havia de fazer, e das pessoas de que se havia de assistir, dos despachos e mercês que havia de publicar, dispondo por avisos e cartas o Governo de tudo, continuando ausente nos danos que, sendo presente, fazia, sem haver meio para Sua Majestade o reconhecer e evitar, acudindo com remédio a seus Reinos, que se acham sem Justiça, sem Fazenda, exaustos de tudo o necessário para sua defesa, empenhados, afligidos, e em muita parte desconfiados de seu remédio, não se achando nenhum para Sua Majestade perder o costume de sofrer mal o advirtam do que convém, descompondo aos que o intentam fazer, sem perdoar ao amor da Esposa, ao respeito do Irmão, à estimação dos Grandes de seus Reinos, à necessidade e agradecimento dos criados. Quis o Reino, pelos Ministros do Senado da Câmara desta Cidade, e pelos Procuradores das mais principais do Reino, valer-se do remédio de Cortes, ajudando-o com muitas e apertadas instâncias o Conselho de Estado; e desenganados de o conseguir deram na desesperação de protestarem haviam por levantadas as contribuições com que se sustenta a guerra.

 

Pôde esta violência o que não pôde a razão; e assinando Sua Majestade o primeiro dia de Janeiro para se celebrarem, logo o mudou, e o tornou a mudar; e sendo já o tempo tão pouco, não tem partido às Câmaras Carta alguma, nem ainda tem ido à do Senado da Câmara desta Cidade; e por não haver persistência em nada, se tem por duvidoso o fruto que se procura tirar deste remédio.

 

Resolveu-se Sua Majestade a deixar esta Corte (que nunca podia ser a bons fins) e ainda está com este propósito. Procurei por todos os meios ajudá-lo no governo, unindo-me com ele, de maneira que com o trato e com o tempo pudesse melhorar algumas coisas; mas não deu lugar a isso a sua desconfiança, e tem mostrado a experiência não poderia ser durável a nossa união, antes que o querer persistir nela, seria ocasião de maiores danos. Sobre tantos sentimentos nos sobreveio o maior da ausência da Rainha, minha Senhora, sucesso tal e tão grande, que não há palavras com que dignamente se possa falar nele.

 

Ultimamente, acudindo o Senado da Câmara desta Cidade, e o melhor do Povo dela, ajudado de quase toda a Nobreza, ao que em mim parecia descuido, me veio buscar, e obrigar, quase com demonstração de violência, a tomar o Governo destes Reinos.

 

Por estas razões, e por outras causas, que são notórias (alem das que o não são) que o respeito não deixa referir, perdida totalmente a esperança de achar remédio com que acudir a este Reino, receando com justa causa brevemente maiores danos, me foi forçado usar do último, obrigado da consciência; da honra e do amor que tenho à Real Pessoa d'EI-Rei, meu Senhor, e a estes seus Reinos, e me resolvi. encomendando-o, e fazendo-o encomendar primeiro muito particularmente a Deus, a recolher (com o decoro que é devido) a Real Pessoa de Sua Majestade, até estes Reinos, juntos em Cortes, para o que irão logo avisos, determinarem, com toda a jurisdição que tem, o remédio que julgarem por conveniente à sua necessidade.

 

E porque, em falta da Rainha, me toca o Governo deles, enquanto não resolverem outra coisa, o farei, sem perdoar a nenhum trabalho, com todo o desejo de acertar. E para que seja assim, encomendo muito particularmente aos Ministros do Desembargo do Paço, me ajudem, como eu espero e mereço a todos, advertindo-me do que devo fazer para contentar a Deus, e servir bem a EI-Rei, meu Senhor; e se há-de advertir que os despachos e tudo o que se fizer há-de ser em nome de Sua Majestade, assim e da maneira que se fazia no tempo da Regência da Rainha, minha Mãe e Senhora, conservando hoje, como então se conservava, toda a autoridade na Real Pessoa de Sua Majestade, e no serviço de Sua Casa, assim dentro como fora dele, de que sairá logo que as Cortes tomem Assento no Governo destes Reinos, com os quais espero se conformará Sua Majestade, fiando do acerto de tantos a escolha do sujeito ou sujeitos que os houverem de governar, de que Sua Majestade deve fiar-se, assim como fiava tudo dos que escolheu; e ainda que hajam de governar com toda a jurisdição, sempre hão de ter muito respeito ao que entenderem é justamente gosto de Sua Majestade para o seguirem ~ e não é razão sejam estes Reinos tão desamparados que lhes falte o remédio que as leis deles dão aos homens que dissipam, não só a reputação, mas a fazenda própria, não tendo os Reis no Património da Coroa mais que a boa administração.

 

E protesto uma e muitas vezes, que estou, e estarei sempre, em quanto a vida me durar, aos Reais pés de Sua Majestade, com a lealdade que lhe devo, como a meu Rei e Senhor, e com o muito grande amor que lhe tenho, como a Irmão e a Pai, que nesta conta o tenho, e tive sempre, depois que me faltou EI-Rei, meu Senhor, que Deus tem; e com resolução muito firme de defender em sua Real Pessoa, e nas de seus descendentes, as regalias que lhes pertencem, jurando diante da Majestade de Deus a vassalagem e homenagem que lhe devo, assim e da maneira que lha juram os que mais perfeitamente a juram em suas Reais mãos.

 

Encomendo muito ao Desembargo do Paço tenha entendido tudo o referido neste Decreto, e que na conformidade dele continue o despacho dos negócios que lhe tocam.

 

Em Lisboa, a 24 de Novembro de 1667.

 

INFANTE.

 
1. Collecção Chronolog. citada, pág. 132 e 133. Provas citadas, tomo V, pág. 50. Estava na livraria m. s. do Duque de Cadaval, liv. n. 2,  de papeis vários, pág. 41.

Fonte:  "Decreto que o Infante D. Pedro mandou aos Tribunais, quando entrou a governar" in António Caetano de Sousa, Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa..., tomo V, Lisboa, Na Régia Oficina Silviana e da Academia Real, [1746], págs. 50-53.

A ler:

Jorge Borges de Macedo, História Diplomática Portuguesa, Constantes e Linhas de Força: Estudo de Geopolítica, Vol. I, Lisboa Tribuna, 2006, págs. 228 e 232

Paulo Drumond Braga, D. Pedro II (1648-1706), Uma Biografia, Lisboa, Tribuna, 2006

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