Conselho do Atlântico Norte em 1949

© NATO Photo

Primeira reunião do Conselho do Atlântico Norte, em 17 de Setembro de 1949

O Tratado do Atlântico Norte

 

"Decididos a salvaguardar a liberdade dos seus povos, a sua herança comum e a sua civilização, fundadas nos princípios da democracia, das liberdades individuais e do respeito pelo direito"

 

Como escreveu António José Telo: "A importância da NATO para Portugal é multifacetada e a sua compreensão exige uma aproximação em várias fases. A tese que julgamos ter demonstrado é que a NATO mudou a política de defesa portuguesa, alinhou o país no sistema ocidental, foi o mais importante momento da introdução das novas tecnologias no pós-guerra e, com isso, desencadeou um processo de bola de neve que levou Portugal para a sociedade pós-industrial e para o fim do Estado Novo, embora muitos anos depois. (...)

A NATO muda, de forma gradual e insensível, toda a grande estratégia nacional. Entre 1949 e 1957 há uma inversão das prioridades da defesa e da forma de pensar a inserção de Portugal no mundo.

Antes da NATO, a política de defesa estava essencialmente virada para a colaboração com a Espanha franquista, de modo a assegurar a linha dos Pirenéus contra um eventual ataque russo e, sobretudo, o apoío mútuo das ditaduras ibéricas. Na política de defesa vigente em 1949 a arma fundamental era o Exército, pensado como uma força gigantesca de 15 dívisões em caso de mobilização. A aeronáutica era encarada sobretudo como uma força de apoio táctico, a que se juntava a missão de defender o espaço aéreo do continente. A Marinha era o parente pobre.

Com a NATO, tudo muda. Há duas fases nesta evolução."

Na primeira fase, os EUA usam a NATO e a sua lógica para fazer compreender aos portugueses a necessidade de ceder facilidades nos Açores em tempo de paz e para encontrar um quadro político geral para a relação com o país. Esta fase está completa em 1951, com a assinatura do acordo de defesa bilateral, justificado com um enquadramento político multilateral.

A segunda fase decorre no essencial entre 1951 e 1954, e o seu principal agente é o MAAG de Lisboa, que tem a missão oficial, aparentemente muito limitada, de canalizar a ajuda militar americana. O MAAG nunca contraria nem critica oficialmente a política de defesa portuguesa. Limita-se a definir prioridades para a ajuda militar e a trazer para o pais novas técnicas e armas. O resto é automático e muito rápido. (...)

Num primeiro nível de abordagem, podemos dizer que a NATO alterou a prioridade das vertentes da política de defesa portuguesa. Estas são tradicionalmente quatro: defesa do regime contra ameaças internas; defesa do espaço continental; defesa do espaço atlântico; e defesa do Império. Antes da NATO, a prioridade ia para a defesa do regime e do espaço continental; depois da NATO a prioridade passa a ser a defesa do espaço atlântico e a participação, dentro de uma lógica multilateral e naval, na defesa da Europa. É a mudança de uma política essencialmente continental, para outra essencialmente naval; de uma política entendida com grande autonomia, num círculo de alianças reduzido, que eram a Espanha e a Inglaterra, outra, inserida num amplo círculo de alianças multilateral, que tem os EUA no seu centro."


Washington D.C., 4 de Abril de 19491

 

Os Estados Partes no presente Tratado,


Reafirmando a sua fé nos intuitos e princípios da Carta das Nações Unidas e o desejo de viver em paz com todos os povos e com todos os Governos,


Decididos a salvaguardar a liberdade dos seus povos, a sua herança comum e a sua civilização, fundadas nos princípios da democracia, das liberdades individuais e do respeito pelo direito,


Desejosos de favorecer a estabilidade e o bem-estar na área do Atlântico Norte,
Resolvidos a congregar cus seus esforços para a defesa colectiva e para a preservação da paz e da segurança,


Acordam no presente Tratado do Atlântico Norte.  

 

Artigo 1

 

As Partes comprometem-se, de acordo com o estabelecido na Carta das Nações Unidas, a regular por meios pacíficos todas as divergências internacionais em que possam encontrar-se envolvidas, por forma que não façam perigar a paz e a segurança internacionais, assim como a justiça, e a não recorrer, nas relações internacionais, a ameaças ou ao emprego da força de qualquer forma incompatível com os fins das Nações Unidas.

 

Artigo 2

 

As Partes contribuirão para o desenvolvimento das relações internacionais pacíficas e amigáveis, mediante o revigoramento das suas livres instituições, melhor compreensão dos princípios sobre que se fundam e o desenvolvimento das condições próprias para assegurar a estabilidade e o bem-estar. As Partes esforçar-se-ão por eliminar qualquer oposição entre as suas políticas económicas internacionais e encorajarão a colaboração económica entre cada uma delas ou entre todas.  

 

Artigo 3  

 

A fim de atingir mais eficazmente os fins deste Tratado, as Partes, tanto individualmente como em conjunto, manterão e desenvolverão, de maneira contínua e efectiva, pelos seus próprios meios e mediante mútuo auxílio, a sua capacidade individual e colectiva para resistir a um ataque armado.

 

Artigo 4

 

As Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes.

 

Artigo 5

 

As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta dias Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.

Qualquer ataque armado desta natureza e todas mais providências tomadas em consequência desse ataque são imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais.

 

Artigo 62

 

Para os fins do Artigo 5.°, considera-se ataque armado contra uma ou várias das Partes o ataque armado:

  • contra o território de qualquer delas na Europa ou na América do Norte, contra os Departamentos franceses da Argélia3 , contra o território da Turquia ou contra as Ilhas sob jurisdição de qualquer das Partes situadas na região do Atlântico Norte ao Norte do Trópico de Câncer;

  • contra as forças, navios ou aeronaves de qualquer das Partes, que se encontrem nesses territórios ou em qualquer outra região da Europa na qual as forças de ocupação de qualquer das Partes estavam à data em que o tratado entrou em vigor ou no Mar Mediterrâneo ou na região do Atlântico Norte ao norte do Trópico de Câncer, ou que os sobrevoem.  

Artigo 7

 

O presente Tratado não afecta e não será interpretado como afectando de qualquer forma os direitos e obrigações decorrentes da Carta, pelo que respeita s Partes que são membros das Nações Unidas, ou a responsabilidade primordial do Conselho de Segurança na manutenção da paz e da segurança internacionais.

 

Artigo 8

 

Cada uma das Partes declara que nenhum dos compromissos internacionais actualmente em vigor entre Estados está em contradição com as disposições do presente Tratado, e assume a obrigação de não subscrever qualquer compromisso internacional que o contradiga.

 

Artigo 9

 

As Partes estabelecem pela presente disposição um Conselho, no qual cada uma delas estará representada para examinar as questões relativas à aplicação do Tratado. O Conselho será organizado de forma que possa reunir rapidamente em qualquer momento. O Conselho criará os organismos subsidiários que possam ser necessários; em particular, estabelecerá imediatamente uma comissão de defesa que recomendará as providências a tomar para aplicação dos artigos 3.° e 5.°

 

Artigo 10

 

As Partes podem, por acordo unânime, convidar a aderir a este Tratado qualquer outro Estado europeu capaz de favorecer o desenvolvimento dos princípios do presente Tratado e de contribuir para a segurança da área do Atlântico Norte. Qualquer Estado convidado nesta conformidade pode tornar-se Parte no Tratado mediante o depósito do respectivo instrumento de adesão junto do Governo dos Estados Unidos da América. Este último informará cada uma das Partes do depósito de cada instrumento de adesão.

 

Artigo 11

 

Este Tratado será ratificado e as suas disposições aplicadas pelas Partes de acordo com as respectivas regras constitucionais. Os instrumentos de ratificação serão depositados, logo que possível, junto do Governo dos Estados Unidos da América, que informará todos os outros signatários do depósito de cada instrumento de ratificação. O Tratado entrará em vigor entre os Estados que o tiverem ratificado logo que tiverem sido depositadas as ratificações da maioria dos signatários, incluindo as da Bélgica, do Canadá, dos Estados Unidos, da França, do Luxemburgo, dos Países-Baixos e do Reino Unido; e entrará em vigor para os outros Estados na data do depósito da respectiva ratificação.

 

Artigo 12

 

Decorridos os primeiros dez anos de vigência do Tratado ou em qualquer data ulterior, as Partes consultar-se-ão, a pedido de qualquer delas, para o efeito da revisão do Tratado, tomando em consideração os factores que então afectarem a paz e a segurança na área do Atlântico Norte, inclusive o desenvolvimento dos acordos, tanto mundiais como regionais, concluídos nos termos da Carta das Nações Unidas, para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

 

Artigo 13

 

Depois de vinte anos de vigência, qualquer Parte poderá pôr fim ao Tratado no que lhe diz respeito um ano depois de ter avisado da sua denúncia o Governo dos Estados Unidos da América, o qual informará os Governos das outras Partes do depósito de cada instrumento de denúncia.

 

Artigo 14

 

Este Tratado, cujo textos inglês e francês fazem igualmente fé, será depositado nos arquivos do Governo dos Estados Unidos da América. Serão transmitidas por aquele Governo aos Governos das outras Partes cópias devidamente certificadas.

 


Notas:

1. O Tratado entrou em vigor a 24 de Agosto de 1949, após o depósito das ratificações de todos os Estados signatários.

2. Nova redacção em virtude do Artigo 2 do protocolo l ao Tratado do Atlântico Norte sobre a adesão da Grécia e Turquia.

3. A 16 de Janeiro de 1963 o Representante francês fez uma declaração, perante o Conselho da OTAN, relativa às incidências da independência da Argélia sobre certos aspectos do Tratado do Atlântico Norte. O Conselho constatou que todas as disposições desse Tratado que respeitam aos antigos departamentos franceses da Argélia tornaram-se inaplicáveis a partir de 3 de Julho de 1962.    

A ler também:

  • António José Telo, Portugal e a NATO: o reencontro da tradição atlântica, Lisboa, Edições Cosmos, 1996, págs. 321 a 324

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