M.N.A.A. |
A Sopa de Arroios em 1810 |
3. Conclusão
Considerações acerca da Batalha do Buçaco
A
batalha de Buçaco teve uma importância capital para o resultado da
campanha pela acção moral que exerceu nos dois exércitos contrários. O
exército anglo-luso perdeu o medo às águias napoleónicas, que ameaçavam
dilacerar a Península os
ingleses reconheceram que os soldados portugueses eram dignos émulos no
valor e brio militar, com os quais podiam e deviam contar. O moral do exército
dos aliados foi exaltado. Os
franceses reconheceram que não eram invencíveis ao medirem-se com as
tropas inimigas, que até então tinham em pouca conta: As
desinteligências que lavravam entre os generais franceses mais se
acentuaram; e a incapacidade de Massena, já apontada por Ney antes da
batalha do Buçaco, tornou-se frisante. Massena
sentiu-se golpeado no seu amor próprio: a Vitória abandonava o seu
filho querido. E,
quando este julgava fazer calar os descontentes e insofridos por um
estrondoso triunfo, viu que, ao contrário, a sua derrota mais ia
insuflar a indisciplina dos generais seus subordinados. Não
estava de todo perdido o exército, podia haver ainda probabilidades de
uma vitória; mas era preciso proceder com ponderação. No
Buçaco vira ele quanto Wellington. se soubera aproveitar das
propriedades defensivas do terreno. Atacar
novamente em terreno análogo seria uma temeridade, porque uma nova
derrota poderia trazer consigo uma capitulação, mancha vergonhosa que
viria empalidecer e murchar os verdejantes louros do herói de Rivoli,
de Zurique, de Génova, de Caldiero e de Essling. Era
necessário ser-se prudente; ponderado. A
derrota do Buçaco cortou as asas a Massena e impediu que voasse até
aos cerros de Alhandra, do Sobral de Monte Agraço, de Torres. Se
não fora a derrota do Buçaco, Massena teria sido mais ousado em frente
das Linhas de Torres, e quem sabe, se não teria saído vitorioso. A
vitória do Buçaco teve, portanto; consequências imediatas e
materiais; e mais ainda, consequências morais e futuras. Apreciando
agora a batalha em si, vamos fazer algumas considerações relativamente
aos dois partidos.
Os
reconhecimentos mandados executar por Massena foram muito incompletos.
Os oficiais que os realizaram não souberam desempenhar-se da sua missão. Daí
resultou o erro de Massena. Julgando o flanco esquerdo do exército
anglo-luso em Sula, e ignorando que se prolongava até ao ninho de Águia,
adoptara os dispositivos para envolver a posição de Sula, o que não
sucedeu. O
ponto escolhido para o ataque, do 2." Corpo - a portela de Santo
António do Cântaro - era judicioso e de uma grande importância, pois
a posse daquela parte da serra separaria as forças anglo-lusas. Uma
parte do exército seria lançado sobre o Mondego e retira ria nas mais
precárias circunstâncias; a outra parte seria cortada da estrada do
Botão a Coimbra, sendo obrigada a efectuar uma retirada excêntrica, e
permitindo aos franceses chegarem primeiro àquela cidade que o exército
anglo-luso. O
ataque a Sula seria secundário. Mas estes dois ataques deveriam ter
sido simultâneos para deixar o inimigo na indecisão. Não sucedeu, porém,
assim. Ney
atacou 1h 30 m depois de Reynier, e quando este já tinha sido
derrotado. Esta
falta de coordenação de esforços resultou da falta de ligação entre
os dois corpos de exército. E
certo que Massena ordenara que esses ataques fossem simultâneos; mas não
bastava ordenar, seria necessário tomar as disposições necessárias
para garantir a execução dessa ordem. Reynier
cometeu também a falta de só empregar uma divisão na 1.ª linha,
deixando uma outra como reserva; e quando esta foi chamada a intervir,
apenas uma brigada avançou. No
6.° corpo a divisão, que servia de reserva geral não chegou a enviar
força alguma a apoiar as outras duas. As reservas parciais das duas
divisões avançadas também. não foram judiciosamente empregadas. Houve,
pois, da parte dos franceses: má preparação, boa concepção e má
execução.
Examinando
agora o que se passou do lado do exército anglo-luso, vemos que
Wellington, ainda que vencedor, não pôde efectuar a perseguição, última,
mas imprescindível fase de uma batalha, para se tirar todo o proveito
da vitória. Isto era consequência da posição ocupada; pois a posição
do Buçaco não permitia tomar a ofensiva. Por
isso na própria Inglaterra se disse «que a batalha do Buçaco fora uma
batalha política e não uma batalha militar». Mas
se Wellington não pôde efectuar a perseguição, ainda pior foi o
deixar-se surpreender tacticamente, visto que foi forçado a abandonar a
posição duma maneira precipitada, tendo de efectuar a retirada sem
ordem, e vendo-se obrigado a abandonar grande parte das suas munições,
fardamentos, víveres e feridos. E
incompreensível que um exército vitorioso não tivesse a energia
suficiente para se ir opor nos desfiladeiros do Boialvo a um inimigo
derrotado! Enquanto
que o exército de Massena retirava para Mortágua pelo mau caminho de
Boialvo, o exército anglo-luso podia, por um caminho mais curto, ir
ocupar o Boialvo e deter, se não aniquilar, o exército francês que
ousava fazer uma marcha de flanco em presença dum inimigo vitorioso. Wellington
não julgava que Massena efectuasse a retirada pelo Boialvo e confiava
que Trant com os seus milicianos tivesse ocupado aqueles desfiladeiros,
como ele determinara. Trant, porém, só pôde chegar ao Sardão no dia
28 à tarde e apenas com 1.600 a 1.700 homens. Wellington,
porém, devia com a sua cavalaria, que estava sobre o estrada da
Mealhada, procurar informar-se do que se passava para aqueles lados. A
retirada do exército anglo-luso fez-se sem consequências graves,
porque o exército francês perdeu por várias vezes o contacto, em
virtude da lentidão da marcha. As tropas francesas careciam de calçado,
de fardamento, de víveres e tinham poucas munições. Quando
teve lugar a batalha do Buçaco, havia três ou quatro dias que o exército
francês não comia pão. «N'avons pas de pain depuis quatre jours»
dizia Junot em uma carta enviada no dia 28 de Setembro a sua mulher. Há
quem tenha também atribuído o triunfo do exército anglo-luso no Buçaco
à superioridade da táctica inglesa sobre a táctica francesa, o que já
se tinha evidenciado na batalha do Vimeiro. De
facto, o exército inglês tinha passado por uma grande transformação,
desde que o duque de York fora nomeado comandante em chefe. O
regulamento táctico mandado publicar em 1798, e que era o resultado dum
profundo estudo do regulamento francês de 1791 e dos regulamentos alemães,
era muito superior àquele. Além
disso tinham sido criados campos de instrução para se ministrar o
ensino prático, tendo já muitos regimentos recebido essa instrução. Enquanto
a infantaria francesa formava ainda em três fileiras, a infantaria
inglesa adoptou a formação em duas fileiras, o que permitia maior
rapidez nos movimentos e aumento da reserva, quando se não queria
aumentar as frentes de combate, ou cobrir a frente principal com fortes
postos avançados. Foi
até este último dispositivo o adoptado por Wellington, que mandara
ocupar os grupos de árvores e casas ou depressões de terrenos, ao
alcance da artilharia, com postos avançados que sustentaram um fogo enérgico
contra as colunas francesas, obrigando-as prematuramente a
desenvolver-se e tornando mais difícil e perigoso o avanço pelas ásperas
encostas da serra. A
artilharia, ocupando os, salientes, cooperou de uma maneira activa e
judiciosa com .a infantaria, o que não sucedeu aos franceses, cuja
artilharia não pôde sustentar as colunas de ataque. A
artilharia anglo-lusa representou um papel importante na batalha do Buçaco. A
infantaria, coberta como dissemos, por postos avançados, formava à
retaguarda da crista do terreno, sustentada nalguns pontos por
artilharia, que ocupava os intervalos, ou os flancos. Em
geral, os postos. avançados eram constituídos pelas 2 companhias
extremas dos batalhões (1.ª e 10.ª) que eram formadas de atiradores
de elite - granadeiros e caçadores. Como cada batalhão tinha 10
companhias., segue-se que 1/5 do seu efectivo era empregado nos postos
avançados da posição. Foi
com este dispositivo táctico que o exército anglo-luso teve uma
manifesta superioridade sobre o exército francês. As colunas
francesas, precedidas por atiradores, chegavam exaustas à crista, tendo
consumido os atiradores as suas munições no combate contra os postos
avançados, e, quando se julgavam senhores do terreno, eis que surgia a
linha principal dos defensores, executando uma descarga a 2o ou 35
metros e carregando imediatamente à baioneta. As colunas francesas não
podiam resistir a esse choque, desapoiadas como estavam da sua
artilharia, que não podia tomar posição na zona de terreno batida
pelos fogos dos postos avançados e da artilharia avançada que ocupava
os salientes. Enquanto
as forças atacantes chegavam cansadas e desunidas, as tropas
anglo-lusas que ocupavam a linha principal, estavam frescas, sob a
completa acção . dos chefes, e não desmoralizadas pelo fogo, nem pela
vista do campo de batalha, pois se conservavam até ao último momento a
coberto das vistas e do -fogo,--. inimigo. As
cargas à baioneta eram violentas, especialmente as realizadas pelas
tropas . portuguesas, tornando-se surpreendentes as que foram executadas
pelos nossos regimentos de infantaria n.°5 8 e 19, que ali se cobriram
de glória. Têm,
pois, razão os que atribuem à táctica de combate do exército.
anglo-luso uma parte considerável para o seu triunfo. Todas
as tropas portuguesas que tomaram parte activa na batalha se comportaram
com grande valentia. Wellington e Beresford assim o reconheceram e
manifestaram nas suas ordens do dia. Foram especialmente elogiados os
regimentos de infantaria n.º 9 e 21, que formavam a brigada do coronel
Champalimaud; infantaria n.º 8, comandada pelo tenente-coronel Douglas;
os regimentos de infantaria n.os 7 e 19 e o batalhão de caçadores
n.º 2, formando a brigada do brigadeiro Colleman; os regimentos de
infantaria n.os 1 e 16 e o batalhão de caçadores n.º 4,
formando a brigada Pack; os batalhões de caçadores n.os 1 e
3, que faziam parte da divisão Craufurd; o batalhão de caçadores n.º
6, que entrara na composição da brigada Campbell; as brigadas de
artilharia, sob o comando do major Arentichild, a brigada de artilharia,
anexa à divisão Spencer e a brigada de artilharia de montanha. Mereceram
ser citados em especial os nomes dos coronéis Champalimaud, Xavier
Palmeirim e Souto Maior; dos tenentes-coronéis Sulton, José Maria
Bacelar, Douglas, Jorge de Avilez, Nixan, Luís do Rêgo Barreto,
Sebastião Pinto de Araújo, Elder, etc. Beresford,
na sua ordem do dia de 28 de Setembro (-), e Wellington na ordem do dia
de 3o (°), elogiam e mostram-se reconhecidos para com as tropas
portuguesas que tomaram parte na batalha do Buçaco.
Notas: 6. O mais notável instrutor fora J. Moore. Também os regimentos instruídos por ele destacavam-se dos outros. Tais eram os que faziam parte da divisão Craufurd. 7. Veja-se a ordem do
dia, datada do Q. G. do Buçaco, de 28 Setembro de 1810.
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Fonte: Vitoriano José César, A ver também:
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