CONSTITUIÇÃO
PORTUGUESA DE 1822
TÍTULO VI
DO
GOVERNO ADMINISTRATIVO E ECONÓMICO
CAPÍTULO I
DOS ADMINISTRADORES GERAIS, E DAS
JUNTAS DE ADMINISTRAÇÃO.
ARTIGO
212
Haverá em cada distrito um Administrador
geral, nomeado pelo Rei, ouvindo o Conselho de Estado. A lei designará os
distritos e a duração das suas funções.
213
O
Administrador geral será auxiliado no exercício de suas funções por uma Junta
administrativa. Esta Junta será composta de tantos membros, quantas forem
as Câmara do distrito; porém às cidades populosas, que tiverem uma só Câmara,
corresponderão tantos membros quantos a lei designar.
A eleição
deles se fará todos os anos no tempo, e pelo modo por que se elegem os oficiais
das Câmaras.
214
A Junta se
reunirá todos os anos nos meses de Março e Setembro no lugar mais capaz e
central do distrito. Em casos extraordinários poderá o Governo mandar que se
reúnam mais vezes. Cada uma das reuniões durará só quinze dias, os quais
poderão ser prorrogados pela Junta até outro tanto tempo, se assim o exigir a
afluência dos negócios.
215
A Junta tem
voto decisivo nas matérias da sua competência. A execução destas decisões,
bem como a das ordens do Governo, pertence exclusivamente ao Administrador
geral. Nos casos urgentes, que exijam pronta resolução, poderá o
Administrador decidir e executar, dando depois conta à Junta.
216
São da competência
do Administrador geral e da Junta todos os objectos de pública administração.
Deles conhecerão por via de recurso, inspecção própria, consulta, ou informação,
como as leis determinarem. Por via de recurso, conhecerão de todos os objectos
que são da competência das Câmaras; por inspecção própria, da execução
de todas as leis administrativas; por consulta ao Governo, ou informação às
Direcções gerais, de todos os outros negócios de administração.
Por Direcções
gerais se entendem as que forem criadas pelas leis para tratarem de objectos
privativos de administração; e bem assim quaisquer Direcções administrativas
de interesse geral, ordenadas pelo Governo, ainda que o seu objecto ou plano
seja limitado a um só distrito.
Também
pertence ao Administrador geral e à Junta distribuir pelos concelhos do
distrito a contribuição directa (artigo 228.°), e os contingentes das
recrutas.
217
A lei designará
explicitamente as atribuições dos Administradores gerais e Juntas de
administração; as fórmulas dos seus actos; o número, obrigações e
ordenados de seus oficiais; e tudo o que convier ao melhor desempenho desta
instituição.
CAPÍTULO II
DAS CÂMARAS.
218
O governo económico
e municipal dos concelhos residirá nas Câmaras, que o exercerão na
conformidade das leis.
219
Haverá Câmaras
em todos os povos, onde assim convier ao bem público. Os seus distritos serão
estabelecidos pela lei, que marcar a divisão do território.
220
As Câmaras
serão compostas do número de Vereadores que a lei designar, de um Procurador,
e de um Escrivão. Os Vereadores e 90 Procurador serão eleitos anualmente pela
forma directa, à pluralidade relativa de votos dados em escrutínio secreto e
assembleia pública.
Podem votar
nestas eleições os moradores do concelho que têm voto na dos Deputados de
Cortes, excepto 1.° - os Militares da primeira linha, não compreendidos os que
tiverem naturalidade no concelho, nem os reformados; 2.° - os da segunda linha
quando estiverem reunidos fora dos respectivos concelhos. Não são porém excluídos
de votar os filhos-famílias de que trata o artigo 33.°, n.º Il, sendo maiores
de vinte e cinco anos; nem os cidadãos, que não souberem ler, e escrever, nos
termos do mesmo artigo, n.º VI.
Será
Presidente da Câmara o Vereador que obtiver mais votos, devendo em caso de
empate decidir a sorte.
Os Vereadores
e Procurador terão substitutos, eleitos no mesmo acto e pela mesma forma.
221
O Escrivão
será nomeado pela Câmara, terá ordenado suficiente, e servirá enquanto não
se lhe provar erro de ofício ou incapacidade assim moral como física.
222
Para os cargos
de Vereador e Procurador somente poderão ser escolhidos os
cidadãos, que estiverem no exercício de seus direitos; sendo maiores de vinte
e cinco anos; tendo residido dois anos pelo menos no
distrito do concelho; não lhes faltando meios de honesta subsistência; e
estando desocupados de emprego incompatível com os ditos
cargos.
Os que
servirem um ano não serão reeleitos no seguinte.
223
Às Câmaras
pertencem as atribuições seguintes:
I – Fazer
posturas ou leis municipais;
II -Promover a
agricultura, o comércio, a indústria, a saúde pública, e geralmente todas as
comodidades do concelho;
III –
Estabelecer feiras e mercados nos lugares mais convenientes, com aprovação da
Junta de administração do distrito;
IV - Cuidar
das escolas de primeiras letras, e de outros estabelecimentos de educação que
forem pagos pelos rendimentos públicos, e bem assim dos hospitais, casas de
expostos, e outros estabelecimentos de beneficência, com as excepções e pela
forma que as leis determinarem;
V – Tratar
das obras particulares dos concelhos e do reparo das públicas; e promover a
plantação de árvores nos baldios, e nas terras dos concelhos;
V – Repartir
a contribuição directa pelos moradores do concelho (artigo 228.°), e
fiscalizar a cobrança e remessa dos rendimentos nacionais;
VII – Cobrar
e despender os rendimentos do concelho, e bem assim as fintas, que na falta
deles poderão impor aos moradores na forma que as leis determinarem.
No exercício
destas atribuições haverá recurso para a Autoridade competente (artigo 216.°).
CAPÍTULO III
DA FAZENDA NACIONAL.
224
Cumpre às
Cortes estabelecer, ou confirmar anualmente as contribuições directas, à
vista dos orçamentos e saldos que lhes apresentar o Secretário dos negócios
da fazenda (artigo 227.°). Faltando o dito estabelecimento ou confirmação,
cessa a obrigação de as pagar.
225
Nenhuma pessoa
ou corporação poderá ser isenta das contribuições directas.
226
As contribuições
serão proporcionadas às despesas públicas.
227
O Secretário
dos negócios da fazenda, havendo recebido dos outros Secretários os orçamentos
relativos às despesas de suas repartições, apresentará todos os anos às
Cortes, logo que estiverem reunidas, um orçamento geral de todas as despesas públicas
do ano futuro; outro da importância de todas as contribuições e rendas públicas;
e a conta da receita e despesa do tesouro público do ano antecedente.
228
As Cortes
repartirão a contribuição directa pelos distritos das Juntas de administração,
conforme os rendimentos de cada um. O Administrador em Junta repartirá pelos
concelhos do seu distrito a quota que lhe houver tocado; e a Câmara repartirá
a que coube ao concelho por todos os moradores na proporção dos rendimentos
que eles e as pessoas, que residirem fora, ali tiverem.
229
Em cada
distrito, que a lei designar, haverá um Contador de fazenda, nomeado
pelo Rei sobre proposta do Conselho de Estado, que terá a seu cargo promover e
fiscalizar a arrecadação de todas as rendas públicas, e será directamente
responsável por ela ao tesouro público.
230
As Câmaras
deverão remeter anualmente ao Contador certidões dos lançamentos de todos os
impostos directos; participar-lhe a escolha que fizeram de Exactores e
Tesoureiros; e dar-lhe quais quer explicações que ele pedir, ou seja para
conhecer a importância das rendas públicas do concelho, ou para saber o estado
da sua arrecadação. Esta mesma obrigação se estende a todos os que
administrarem alfândegas ou outras casas de arrecadações fiscais.
231
Todos os
rendimentos nacionais entrarão no tesouro público, excepto os que por lei ou
pela Autoridade competente se mandarem pagar em outras tesourarias. Ao
Tesoureiro-mor se não levará em conta pagamento que não for feito por
portaria assinada pelo Secretário dos negócios da fazenda, na qual se declare
o objecto da despesa, e a lei que a autoriza.
232
A conta da
entrada e saída do tesouro público, bem como a da receita e despesa de cada um
dos rendimentos nacionais, se tomará e fiscalizará na contadorias do tesouro,
que serão reguladas por um regimento especial.
233
A conta geral
da receita e despesa de cada ano, logo que tiver sido aprovada
pelas Cortes, se publicará pela imprensa. Isto mesmo se fará com
as contas, que os Secretários de Estado derem das despesas feitas nas suas
repartições.
234
Ao Governo
compete fiscalizar a cobrança das contribuições na conformidade das leis.
235
A lei designará
as Autoridades, a quem fica pertencendo o poder de julgar e executar em matéria
de fazenda nacional; a forma do processo; e o número, ordenados, e obrigações
dos empregados na repartição, fiscalização, e cobrança das rendas públicas.
236
A Constituição
reconhece a dívida pública. As Cortes designarão os fundos necessários para
o seu pagamento ao passo que ela se for liquidando. Estes fundos serão
administrados separadamente de quaisquer outros rendimentos públicos.
CAPÍTULO IV
DOS ESTABELECIMENTOS DE INSTRUÇÃO PÚBLICA E DE CARIDADE.
237
Em todos os
lugares do reino, onde convier, haverá escolas suficientemente dotadas, em que
se ensine a mocidade Portuguesa de ambos os sexos a ler, escrever, e contar, e o
catecismo das obrigações religiosas e civis.
238
Os actuais
estabelecimentos de instrução pública serão novamente regulados, e se criarão
outros onde convier, para o ensino das ciências e artes.
239
É livre a
todo o cidadão abrir aulas para o ensino público, contanto que haja de
responder pelo abuso desta liberdade nos casos, e pela forma que a lei
determinar.
240
As Cortes e o
Governo terão particular cuidado da fundação, conservação, e aumento de
casas de misericórdia e de hospitais civis e militares, especialmente daqueles
que são destinados para os soldados e marinheiros inválidos; e bem assim de
rodas de expostos, montes pios, civilização dos índios, e de quaisquer outros
estabelecimentos de caridade.
Lisboa, Paço das Cortes em 23 de Setembro de 1822.