CONSTITUIÇÃO DE 4 DE ABRIL DE 1838

 

TITULO III

DOS DIREITOS E GARANTIAS DOS PORTUGUESES

 

CAPÍTULO ÚNICO.

ARTIGO 9

Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer senão o que a Lei ordena ou proíbe.

10

A Lei é igual para todos.

11

Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, contanto que respeite a do Estado.

12

Todo o Cidadão pode conservar-se no Reino, ou sair dele e levar consigo os seus bens, uma vez que não infrinja os regulamentos de polícia, e salvo o prejuízo público ou particular.

13

Todo o Cidadão pode comunicar os seus pensamentos pela imprensa ou por qualquer outro modo, sem dependência de censura prévia.

§ 1.° - A Lei regulará o exercício deste direito; e determinará o modo de fazer efectiva a responsabilidade pelos abusos nele cometidos.

§ 2.° - Nos processos de Liberdade de Imprensa, o conhecimento do facto e a qualificação do crime pertencerão exclusivamente aos Jurados.

14

Todos os Cidadãos têm o direito de se associar na conformidade das Leis.

§ 1.° - São permitidas, sem dependência de autorização prévia, as reuniões feitas tranquilamente e sem armas.

§ 2.° - Quando porém se reunirem em lugar descoberto, os Cidadãos darão previamente parte à autoridade competente.

§ 3.° - A força armada não poderá ser empregada para dissolver qualquer reunião, sem preceder intimação da autoridade competente.

§ 4.° - Uma Lei especial regulará, enquanto ao mais, o exercício deste direito.

15

É garantido o direito de petição. Todo o Cidadão pode não só apresentar aos Poderes do Estado reclamações, queixas e petições sobre objectos de interesse público ou particular mas também expor quaisquer infracções da Constituição ou das Leis, a requerer a efectiva responsabilidade dos infractores.

16

A casa do Cidadão é inviolável.

De noite somente se poderá entrar nela:

I - Por seu consentimento;

II - Em caso de reclamação feita de dentro; 

III - Por necessidade de socorro;

IV - Para aboletamento de tropa feito por ordem da competente autoridade.

De dia somente se pode entrar na casa do Cidadão nos casos e pelo modo que a Lei determinar.

17

Ninguém pode ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes, dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada da prisão sendo em lugar próximo da residência da respectiva autoridade, e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável que a Lei marcará, e respectiva autoridade, por uma nota por ela assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes dos acusadores e os das testemunhas havendo-as.

§ 1.° - Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão ou nela conservado, se prestar fiança idónea nos casos em que a Lei a admite; e em geral, nos crimes que não tiverem maior pena que a de seis meses de prisão ou desterro, poderá o réu livrar-se solto.

§ 2.° - À excepção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade competente. Se a ordem for arbitrária, a autoridade que a deu será punida na conformidade das Leis.

§ 3.° - O que fica disposto acerca da prisão sem culpa formada não é aplicável às Ordenanças Militares para a disciplina e recrutamento do Exército e Armada; nem compreende os casos em que a Lei determina a prisão de alguém por desobedecer à autoridade legítima, ou por não cumprir alguma obrigação dentro do prazo determinado.

18

Ninguém será julgado senão pela autoridade competente, nem punido senão por lei anterior.

19

Nenhuma autoridade pode avocar as causas pendentes, sustálas, ou fazer reviver os processos findos.

20

Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essencialmente fundados em utilidade pública.

§ único - À excepção das causas que por sua natureza pertencerem a juízos particulares na conformidade das leis, não haverá foro privilegiado nem comissões especiais.

21

Ficam proibidos os açoutes, a tortura, a marca de ferro, e todas as mais penas e tratos cruéis.

22

Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Não haverá, em caso algum, confiscação de bens, nem a infâmia dos réus se transmitirá aos parentes presentes.

23

É garantido o direito de propriedade. Contudo, se o bem público, legalmente verificado, exigir o emprego ou danificação de qualquer propriedade, será o proprietário previamente indemnizado. Nos casos de extrema e urgente necessidade, poderá o proprietário ser indemnizado depois da expropriação ou danificação.

§ 1.° - É garantida a dívida nacional.

§ 2.° - É irrevogável a venda dos Bens Nacionais feita na conformidade das leis.

§ 3.° - É permitido todo o género de trabalho, cultura, indústria e comércio salvas as restrições da Lei por utilidade pública.

§ 4.° - Garante-se aos inventores a propriedade de suas descobertas, e aos escritores a de seus escritos, pelo tempoe na forma que a lei determinar.

24

Ninguém é isento de contribuir, em proporção de seus haveres, para as despesas do Estado.

25

É livre a todo o Cidadão resistir a qualquer ordem que manifestamente violar as garantias individuais, se não estiverem legalmente suspensas.

26

Os Empregados Públicos são responsáveis por todo o abuso e omissão pessoal no exercício de suas funções, ou por não fazer efectiva a responsabilidade de seus subalternos. Haverá contra eles acção popular por suborno, peita, peculato ou concussão.

27

O segredo das cartas é inviolável.

28

A Constituição também garante:

I - A instrução primária é gratuita;

II - Estabelecimentos em que se ensinem as ciências, letras e artes;

III - Os socorros públicos;

IV - A nobreza hereditária, e suas regalias puramente honoríficas.

29

O ensino público é livre a todos os Cidadãos, contanto que respondam, na conformidade da Lei, pelo abuso deste direito.

30

Todo o Cidadão pode ser admitido aos cargos públicos, sem mais diferença que a do talento, mérito e virtudes.

31

É garantido o direito a recompensas por serviços feitos ao Estado, na forma das Leis.

32

As garantias individuais podem ser suspensas por acto do Poder Legislativo, nos casos de rebelião ou invasão de inimigo, e por tempo certo e determinado.

§ 1.° - Se as Cortes não estiverem reunidas, e se verificar algum dos casos acima mencionados, correndo a Pátria perigo iminente, poderá o Governo decretar provisoriamente a suspensão das garantias.

§ 2.° - O Decreto da suspensão incluirá no mesmo contexto a convocação das Cortes para se reunirem dentro de quarenta dias; sem o que, será nulo e de nenhum efeito.

§ 3.° - O Governo revogará imediatamente a suspensão das garantias por ele decretada logo que cesse a necessidade urgente que a motivou.

§ 4.° - A Lei ou Decreto que suspender as garantias designará expressamente as que ficam suspensas.

§ 5.° - Durante o período de eleições gerais para Deputados, em caso algum poderá o Governo suspender as garantias.

§ 6.° - Quando o Governo tiver suspendido as garantias, dará conta às Cortes, logo que se reunirem, do motivo da suspensão, e lhes apresentará um relatório documentado das medidas de prevenção que por esta ocasião tiver tomado.

 

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