Sidónio Pais

Sidónio Pais

MENSAGEM DE SIDÓNIO PAIS AO PARLAMENTO,
EM 22 DE JUNHO DE 1918.

 

Mensagem lida por Sidónio Pais, Presidente da República, empossado em 10 de Maio de 1918, na abertura do Congresso da República, em 22 de Junho de 1918, no momento em que este se reunia pela primeira vez, após a Revolução sidonista de 5 de Dezembro de 1917 e as eleições conjuntas, presidenciais e legislativas, de 28 de Abril de 1918.

 

A mensagem que Sidónio Pais leu no Parlamento, dominado pelo Partido Republicano Nacional, que apoiava a nova situação política, e com a participação de alguns membros das Juventudes Monárquicas e do Partido Socialista, resumia as medidas políticas tomadas em ditadura, isto é tomadas sem a existência de parlamento que as pudesse discutir, e que as novas câmaras, eleitas nas primeiras eleições democráticas em Portugal, e únicas até 25 de Abril de 1975, teriam que aprovar a posteriori, por meio daquilo a que se chamava, desde os tempos da monarquia constitucional o Bill (Lei) de remissão.

 

Senhores Deputados e Senadores:


Eleito e proclamado o Presidente da República e constituído o Congresso, entra o país em plena normalidade constitucional.
A Constituição Política da República Portuguesa, com as alterações decretadas durante a ditadura revolucionária, regula até que o Congresso faça a sua revisão, as funções dos três poderes do Estado: legislativo, executivo e judicial independentes e harmónicos entre si.
Chefe da Revolução de 5 de Dezembro sinto vivo prazer em ter podido conduzir o país com a colaboração de todos os que tomaram parte no movimento revolucionário e o apoiaram após oito meses de dificuldades inúmeras e de áspera luta de todos os dias contra a demagogia, tendo sempre assegurado a ordem e a respeito pelas liberdades públicas e pelos direitos individuais, a uma situação perfeitamente normalizada, em que a soberania nacional se exerce por intermédio dos seus legítimos órgãos.
Foi para o povo que se fez a revolução de 5 de Dezembro, segundo as nobres aspirações dos que a levaram a efeito.
Foi com os olhos sempre fitos no povo que governei durante o período ditatorial.
É para o povo que desejo de todo o coração que se continue a governar de hora avante.
É tão grosseiro o erro que se comete supondo a Revolução de 5 de Dezembro reaccionária como supondo-a demagógica.
Nunca uma verdadeira revolução, e foi-o aquela, que o povo português na sua quase unanimidade consagrou, pode deixar de ser guiada por uma ideia de progresso.
Pela parte que me toca, só quem desconhece o meu passado e ignora a persistência do meu carácter, pode apodar-me de reaccionário. Tão pouco poderia associar-me a uma obra improgressiva.
Fui sempre e sou republicano; por isso procurei manter e consolidar a República.
Atravessava-se, na época em que começou a organização revolucionária, um período crítico em que os desmandos e a corrupção do poder perturbavam as consciências.
Em cada peito se gerava um fundo ressentimento de revolta. Era mister canalizar essas forças desorientadas, para evitar a anarquia evidente. Ou se fazia a coordenação dessas energias dispersas ou viria o caos. Não só a pátria estava em perigo. Se elementos republicanos não encarnassem em si as aspirações do país a revolução poderia vir a apresentar a forma duma restauração monárquica. Era mister actuar rapidamente.
Quis interessar um partido inteiro nesse movimento. Se o não consegui, foi possível apesar disso garantir o carácter republicano da revolução. Haverá quem pense que a revolução visara a introduzir no estatuto fundamental o princípio da dissolução.
Quem poderia congregar as dedicações, até ao máximo sacrifício, que a organização do movimento encontrou, se ideais mais altos e mais amplos não inflamassem a alma dos revolucionários?
Não é para a simples modificação de um artigo da Constituição, por mais importante que possa ser a sua influência, nem mesmo para a execução dum programa delimitado de reformas políticos que uma Revolução se põe em marcha.
De muitos males enfermava a sociedade portuguesa.
Raça de heróis, com altíssimas qualidades, que através da sua história tanta vez se tem afirmado, em todos os ramos da actividade humana, e que, durante mais de meio século, chegou a ser um dos mais intensos focos de civilização, não sou optimista, crendo firmemente, como continuo a crer, que esses males são curáveis e que provêem principalmente da educação.
A Revolução propunha-se combater os erros e os processos viciosos que minavam os regimes anteriores e os conduziu à sua queda.
A chama que ardia nos corações dos revolucionários elevava-se até aos Céus, numa inspiração de Justiça, de Verdade e de Beleza, que os inspirava, vaga talvez na forma da realidade, mas firme e definida na intenção mais pura de salvar a Pátria e de buscar a felicidade do Povo. Foi para esses elevados fins que o governo conduziu sempre a sua politica interna e internacional.
A obra Ditatorial vai ser submetida ao vosso esclarecido critério. É vastíssima e desisto, por isso, de a expor aqui. As suas imperfeições têm alguma desculpa na canseira do governo para manter e assegurar a ordem pública. Vós a julgareis na mais completa liberdade, e, tenho a certeza, com perfeita imparcialidade.
Alguns esclarecimentos só quero dar-vos, sobre a política de relações. Por dois inflexíveis princípios guiamos a nossa política interna desde a primeira hora da revolução do Dezembro: a nossa dignidade de povo livre, e a perfeita lealdade para com os nossos amigos e aliados.
À nossa lealdade corresponderam em breve afirmações de amizade que os factos, dia a dia, traduziam na prática.
Ao nosso respeito pelas normas invariáveis em matéria de reconhecimento internacional corresponderam, logo após a sanção legal do país, o reconhecimento do Chefe do Estado pelas potências estrangeiras.
Ao valor dos nossos soldados, à sinceridade da nossa cooperação e a nossa fidelidade aos Iaços contraídos tem correspondido, invariavelmente, a secular aliada, com repetidos testemunhos de apreço, que ela sabe sempre tributar as nossas qualidades e que tão publicamente patenteou, pela elevação da sua representação diplomática em Portugal. Com a Inglaterra tratamos em confiada e franca harmonia os nossas mais vitais interesses mais do que nunca ligados aos seus tanto nas colónias coma na Europa. Com ela estudamos, neste momento, no campo diplomático e também entre os técnicos, a resolução de um problema que tanto interessa as necessidades militares, como ao nosso sentimento; a substituição, tão justa quanto merecida, dos bravos soldados que já há longo tempo honram em território estrangeiro o nome português.
As necessidades mais instantes da guerra, as dificuldades do momento presente, têm obstado a que a substituição tenha podido fazer-se em larga escala mas confio que dentro em breve poderemos realizar esse desejo que é uma aspiração nacional.
Mantemos com todos os nossos aliados a nossa cordialidade de relações; de todos eles tenho recebido provas de amizade pela nossa pátria; da Bélgica mártir, como da heróica França, da nobre e bela Itália, como dos Estados Unidos, exemplo grandioso de poder e elevação aos altos ideais.
Com os neutros não têm nas nossas relações surgido dificuldades, e da Espanha, a nossa irmã peninsular, recebemos a cada instante novas demonstrações da sua amizade.
Devo ainda dizer-vos que estão definitivamente restabelecidas as relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, justa aspiração das consciências católicas, e facto que por demais recebeu a sanção da opinião para ser necessário exaltá-lo neste momento.
Senhores Deputados e Senadores:
Pela minha parte posso assegurar-vos que outro desejo não tenho de que ver manter-se a harmonia que deve existir entre os diversos poderes do Estado. Por isso aqui venho, Senhores Deputados e Senadores, retribuir-vos do fundo do meu coração as saudações que me fizeste.
Elas são as manifestações do vosso empenho de colaborar lealmente com o poder executivo na tarefa grandiosa do ressurgimento da nossa Pátria. Seja-me permitido ao pronunciar este nome querido, ajoelhar em espírito, com o respeito e a admiração que se deve ter pelos heróis, perante as campas dos nossos soldados mortos em campanha, na luta pela defesa da liberdade e da independência dos povos ao lado dos nossos aliados.
O primeiro Congresso saído da Revolução não achará também estranho que eu evoque neste momento na mais compungida e saudosa comemoração a memoria dos queridos companheiros de armas que viram o poente derradeiro nos dias da Revolução combatendo heroicamente pelos seus nobres ideais.
Curvo-me também, respeitosamente, perante a sepultura dos que, embora adversários, morreram no cumprimento do que se lhes afigurava um dever.
Não posso esquecer aqueles que alheados da contenda, por impossibilidade ou por incompreensão, tombaram pela fatalidade do tufão revolucionário.
Iguais todos perante o túmulo, são vidas que, ou foram, ou poderiam ser úteis à pátria e a humanidade.
Tenho a certeza que é com vivo prazer que vos associareis à saudação veemente que em nome do todo a povo português dirijo ao Exército e à Marinha portuguesa que heroicamente se têm batido e continuarão a bater-se em terras de França e nas nossas colónias pela causa sagrada da Pátria e da Humanidade.
Senhores Deputados e Senadores:
A melhor recompensa que poderemos dar a esses bravos, enquanto nos não cabe a honra de irmos verter como eles o nosso sangue pela Pátria, será o dedicarmos todos os nossos esforços e votarmos a nossa vida à causa do felicidade do povo português de quem eles são nobres representantes na formidável luta mundial.
Está aberta a sessão.

 


Fonte:

Um ano de ditadura: discursos e alucações de Sidónio Paes,
Lisboa, Lusitania Editora, 1923,
pp.69-74

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