Senhores Deputados e
Senadores:
Eleito e proclamado o Presidente da República e constituído o Congresso,
entra o país em plena normalidade constitucional.
A Constituição Política da República Portuguesa, com as alterações
decretadas durante a ditadura revolucionária, regula até que o Congresso
faça a sua revisão, as funções dos três poderes do Estado: legislativo,
executivo e judicial independentes e harmónicos entre si.
Chefe da Revolução de 5 de Dezembro sinto vivo prazer em ter podido
conduzir o país com a colaboração de todos os que tomaram parte no
movimento revolucionário e o apoiaram após oito meses de dificuldades inúmeras
e de áspera luta de todos os dias contra a demagogia, tendo sempre
assegurado a ordem e a respeito pelas liberdades públicas e pelos direitos
individuais, a uma situação perfeitamente normalizada, em que a soberania
nacional se exerce por intermédio dos seus legítimos órgãos.
Foi para o povo que se fez a revolução de 5 de Dezembro, segundo as nobres
aspirações dos que a levaram a efeito.
Foi com os olhos sempre fitos no povo que governei durante o período
ditatorial.
É para o povo que desejo de todo o coração que se continue a governar de
hora avante.
É tão grosseiro o erro que se comete supondo a Revolução de 5 de
Dezembro reaccionária como supondo-a demagógica.
Nunca uma verdadeira revolução, e foi-o aquela, que o povo português na
sua quase unanimidade consagrou, pode deixar de ser guiada por uma ideia de
progresso.
Pela parte que me toca, só quem desconhece o meu passado e ignora a persistência
do meu carácter, pode apodar-me de reaccionário. Tão pouco poderia
associar-me a uma obra improgressiva.
Fui sempre e sou republicano; por isso procurei manter e consolidar a República.
Atravessava-se, na época em que começou a organização revolucionária,
um período crítico em que os desmandos e a corrupção do poder
perturbavam as consciências.
Em cada peito se gerava um fundo ressentimento de revolta. Era mister
canalizar essas forças desorientadas, para evitar a anarquia evidente. Ou
se fazia a coordenação dessas energias dispersas ou viria o caos. Não só
a pátria estava em perigo. Se elementos republicanos não encarnassem em si
as aspirações do país a revolução poderia vir a apresentar a forma duma
restauração monárquica. Era mister actuar rapidamente.
Quis interessar um partido inteiro nesse movimento. Se o não consegui, foi
possível apesar disso garantir o carácter republicano da revolução.
Haverá quem pense que a revolução visara a introduzir no estatuto
fundamental o princípio da dissolução.
Quem poderia congregar as dedicações, até ao máximo sacrifício, que a
organização do movimento encontrou, se ideais mais altos e mais amplos não
inflamassem a alma dos revolucionários?
Não é para a simples modificação de um artigo da Constituição, por
mais importante que possa ser a sua influência, nem mesmo para a execução
dum programa delimitado de reformas políticos que uma Revolução se põe
em marcha.
De muitos males enfermava a sociedade portuguesa.
Raça de heróis, com altíssimas qualidades, que através da sua história
tanta vez se tem afirmado, em todos os ramos da actividade humana, e
que, durante mais de meio século, chegou a ser um dos mais intensos focos
de civilização, não sou optimista, crendo firmemente, como continuo a
crer, que esses males são curáveis e que provêem principalmente da educação.
A Revolução propunha-se combater os erros e os processos viciosos que
minavam os regimes anteriores e os conduziu à sua queda.
A chama que ardia nos corações dos revolucionários elevava-se até aos Céus,
numa inspiração de Justiça, de Verdade e de Beleza, que os inspirava,
vaga talvez na forma da realidade, mas firme e definida na intenção mais
pura de salvar a Pátria e de buscar a felicidade do Povo. Foi para esses
elevados fins que o governo conduziu sempre a sua politica interna e
internacional.
A obra Ditatorial vai ser submetida ao vosso esclarecido critério. É vastíssima
e desisto, por isso, de a expor aqui. As suas imperfeições têm alguma
desculpa na canseira do governo para manter e assegurar a ordem pública. Vós
a julgareis na mais completa liberdade, e, tenho a certeza, com perfeita
imparcialidade.
Alguns esclarecimentos só quero dar-vos, sobre a política de relações.
Por dois inflexíveis princípios guiamos a nossa política interna desde a
primeira hora da revolução do Dezembro: a nossa dignidade de povo livre, e
a perfeita lealdade para com os nossos amigos e aliados.
À nossa lealdade corresponderam em breve afirmações de amizade que os
factos, dia a dia, traduziam na prática.
Ao nosso respeito pelas normas invariáveis em matéria de reconhecimento
internacional corresponderam, logo após a sanção legal do país, o
reconhecimento do Chefe do Estado pelas potências estrangeiras.
Ao valor dos nossos
soldados, à sinceridade da nossa cooperação e a nossa fidelidade aos Iaços
contraídos tem correspondido, invariavelmente, a secular aliada, com
repetidos testemunhos de apreço, que ela sabe sempre tributar as nossas
qualidades e que tão publicamente patenteou, pela elevação da sua
representação diplomática em Portugal. Com a Inglaterra tratamos em
confiada e franca harmonia os nossas mais vitais interesses mais do que
nunca ligados aos seus tanto nas colónias coma na Europa. Com ela
estudamos, neste momento, no campo diplomático e também entre os técnicos,
a resolução de um problema que tanto interessa as necessidades militares,
como ao nosso sentimento; a substituição, tão justa quanto merecida, dos
bravos soldados que já há longo tempo honram em território estrangeiro o
nome português.
As necessidades mais instantes da guerra, as dificuldades do momento
presente, têm obstado a que a substituição tenha podido fazer-se em larga
escala mas confio que dentro em breve poderemos realizar esse desejo que é
uma aspiração nacional.
Mantemos com todos os nossos aliados a nossa cordialidade de relações; de
todos eles tenho recebido provas de amizade pela nossa pátria; da Bélgica
mártir, como da heróica França, da nobre e bela Itália, como dos Estados
Unidos, exemplo grandioso de poder e elevação aos altos ideais.
Com os neutros não têm nas nossas relações surgido dificuldades, e da
Espanha, a nossa irmã peninsular, recebemos a cada instante novas demonstrações
da sua amizade.
Devo ainda dizer-vos que estão definitivamente restabelecidas as relações
diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, justa aspiração das consciências
católicas, e facto que por demais recebeu a sanção da opinião para ser
necessário exaltá-lo neste momento.
Senhores Deputados e Senadores:
Pela minha parte posso assegurar-vos que outro desejo não tenho de que ver
manter-se a harmonia que deve existir entre os diversos poderes do Estado.
Por isso aqui venho, Senhores Deputados e Senadores, retribuir-vos do fundo
do meu coração as saudações que me fizeste.
Elas são as manifestações do vosso empenho de colaborar lealmente com o
poder executivo na tarefa grandiosa do ressurgimento da nossa Pátria.
Seja-me permitido ao pronunciar este nome querido, ajoelhar em espírito,
com o respeito e a admiração que se deve ter pelos heróis, perante as
campas dos nossos soldados mortos em campanha, na luta pela defesa da
liberdade e da independência dos povos ao lado dos nossos aliados.
O primeiro Congresso saído da Revolução não achará também estranho que
eu evoque neste momento na mais compungida e saudosa comemoração a memoria
dos queridos companheiros de armas que viram o poente derradeiro nos dias da
Revolução combatendo heroicamente pelos seus nobres ideais.
Curvo-me também, respeitosamente, perante a sepultura dos que, embora
adversários, morreram no cumprimento do que se lhes afigurava um dever.
Não posso esquecer aqueles que alheados da contenda, por impossibilidade ou
por incompreensão, tombaram pela fatalidade do tufão revolucionário.
Iguais todos perante o túmulo, são vidas que, ou foram, ou poderiam ser úteis
à pátria e a humanidade.
Tenho a certeza que é com vivo prazer que vos associareis à saudação
veemente que em nome do todo a povo português dirijo ao Exército e à
Marinha portuguesa que heroicamente se têm batido e continuarão a bater-se
em terras de França e nas nossas colónias pela causa sagrada da Pátria e
da Humanidade. Senhores Deputados e
Senadores:
A melhor recompensa que poderemos dar a esses bravos, enquanto nos não cabe
a honra de irmos verter como eles o nosso sangue pela Pátria, será o
dedicarmos todos os nossos esforços e votarmos a nossa vida à causa do
felicidade do povo português de quem eles são nobres representantes na
formidável luta mundial.
Está aberta a sessão.
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