D. Sebastião

D. Sebastião

 

 

DISCURSO DE ANDRÉ DE RESENDE

Fala que mestre André de Resende fez ao rei D. Sebastião, a primeira vez que entrou em Évora em 5 de novembro de 1569.

 

 

O discurso de André de Resende é um discurso de circunstância, típico das recitadas nas entradas reais. Mas mostra bem a novidade que era o reinado de D. Sebastião, já que perante este rei não se devia falar "por palavras costumadas a se dizerem a outros reis."

 

«Miraculoso Rei, Nosso Senhor! Rei, filho das lágrimas de todo vosso povo, com não menos gemidos pedido a Deus que com alegria grandíssima d'Ele impetrado!»

 

Muito alto e poderoso rei, nosso senhor.

Mas... que digo eu? Parece inconveniência, ao menos decoro pouco guardado, falar a V. A. por palavras costumadas a se dizerem a outros Reis, pois aí há outras próprias e particulares para com V. A.. Emendo-me, pois, e digo assim:

- Miraculoso Rei, Nosso Senhor! Rei, filho das lágrimas de todo vosso povo, com não menos gemidos pedido a Deus do que com alegria grandíssima d'Ele impetrado! Certa maneira de afronta recebe esta vossa sempre leal cidade, segunda de vossos reinos, por lhe não conceder a natureza este dom que puderam seus cidadãos mostrar a V. A. os corações abertos, ou V. A. notar e conhecer em todos a suprema alegria que com vossa desejada visita lá de dentro das entranhas lhes rebenta pelos olhos, para mostra da qual boa parte poderão ser os grandes sinais e festas exteriores que nós a brevidade do tempo, por V. A. limitado e taxado e o receio da confusão dos ares também tolheu, pois palavras para o explicar, equivalentes, onde as acharei eu, mormente que não sofre nossa lealdade tanta demora que possa esperar longo discurso? Já não podem estar calados os que me ouvem; já contra costume me taxam de prolixo, e cada um deseja de me tomar a mão e por desusadas palavras se atravessar a dizer:

- Venhais em felicíssima hora, nosso Rei, nosso espelho, em que nós revemos; nossa preciosa jóia, de que nos muito gloriamos; esperança do Reino, em que para vos servir nascemos, dado a nós por Deus, pedido a Deus por nós, convosco entre a saúde, entre a prosperidade e tudo o que se pode chamar bem; convosco tenho o precioso mártir, vosso protector, cujo nome entre os reis cristãos vós primeiro tomastes; ele guarde seu depósito, que sois vós, e por vossa causa, para vos servirmos também a nós; e os gloriosos santos Mâncio1, Vincêncio, Sabina e Cristeta2, nossos padroeiros, com o maravilhoso Blásio, nosso advogado, vos tomem pela mão e digam esta prosa e empresa nossa. E vós, cidadãos, que me já quase forçosamente ouvis, pois vos não podeis mais sofrer, comigo a grandes vezes todos dizei:

- Viva El-Rei Nosso Senhor!

- Viva, viva El-Rei!

 

Notas:

1 São Mansos, primeiro bispo de Lisboa e Évora, principal evangelizador da península Ibérica, converteu os irmãos referidos a seguir.

2 São Vicente de Évora e suas irmãs santa Sabina e santa Cristeta, martirizados em Ávila, referidos por Santo Isidoro no seu Breviário, os três antigos santos padroeiros de Évora. O orador tinha escrito sobre estas personagens no seu livro História da Antiguidade da Cidade de Évora, publicado em 1553.

 

Fonte :

André de Resende, Obras Portuguesas, Lisboa, Sá da Costa, 1963, págs.62-63.

Ligações:

A ler:

  • Luís Costa e Sousa, Alcácer-Quibir, 1578. Visão ou Delírio de um Rei?, Lisboa, Tribuna, 2009 (ficha do livro na editora)

 

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