Dantas Pereira

Dantas Pereira

 

 

DISCURSO DE JOSÉ MARIA DANTAS PEREIRA

 

Discurso do capitão de fragata Dantas Pereira em Lisboa, perante a Companhia de Guardas Marinhas, de que era comandante, na sessão de abertura da Academia Real dos Guardas Marinhas em 1 de Outubro de 1801.

 

 

O discurso de Dantas Pereira realizado após a assinatura da paz com a França napoleónica, após a Guerra de 1801, reflecte um debate muito presente na sociedade portuguesa daquela época, mas também na europeia, sobre a importância do conhecimento científico nos assuntos militares, defendendo uma parte importante da elite portuguesa  - a elite defensora do monopólio da aristocracia no domínio político e militar, onde pontificavam o duque de Lafões, o marquês de Alorna, o marquês de Penalva, o conde de São Lourenço, Gomes Freire de Andrade  e muitos outros - que o importante era a «qualidade» social do dirigente político e do oficial. 

Contra esta opinião afirmava-se um outro grupo que defendia a escolha pelo mérito - pelo conhecimento, pela capacidade científica -, em que pontificava D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o inspector de que se fala neste discurso, assim como D. João de Almeida Melo e Castro e muitos outros, como os membros da Sociedade Marítima e Militar, onde sobressaíam os professores das cadeiras científicas, os engenheiros militares e muitos oficiais da Armada Real.

Dantas Pereira, mais tarde um reconhecido miguelista, faz aqui, como não deve espantar, o elogio do marquês de Pombal, que considera o introdutor do ensino científico na Universidade.

 

«longe de nós a servil imitação pregoeira pública de uma inferioridade, que de certo conduz à derrota, e não à vitória»

 

Teoria, Prática, Experiência, Observação, Rotina ou imitação servil, são expressões, cuja acepção diversa, ou mal entendida, tem sido a origem primária de intermináveis disputas. 

Contudo vemos a sua discussão desempenhada pelo celebérrimo Zimerman1; e não menos de 180 gerações tem existido consecutivamente, depois que o Rei sábio exclamou Usquequo ... imprudentes odibunt scientiam?2  

E é possível que para muitos pareça ainda baldado tudo o que por tanto tempo se tem dito, e experimentado, em desabono da ignorância ? É possível que a ignorância pareça ainda muito cómoda, e muito pouco dispendiosa, quando de mais a mais é a fonte dos vícios na ordem moral, e dos erros na política e civil? 

Em despeito do receio que tal porfia deveria causar me, passarei a mostrar quanto a ciência deve convir na marinha, e mormente na de guerra; além do que, especializarei a propósito uma parte do seu tirocínio tal qual se vê realizada presentemente nesta real Academia. 

Por ventura no meu auditório não vejo figurando a insidiosa, réptil, odienta, e vingativa mesquinhez; mas sim os meus superiores mais conspícuos, e sábios muito distintos, à frente de nobilíssimos alunos da ciência e da marinha portuguesa: oferecendo lhes pois matéria digna e afiançando-lhes brevidade proporcionada, com razão espero, sem hesitação nem receio, os precisos e naturais efeitos da excelência da educação, e da sabedoria; sim, confiadamente espero desculpas generosas, e atenções benignas. .

I.ª

Nec philosophia sine virtute, nec sine philosophia virtus3 disse o grande Séneca perante os degenerados filhos dos Catões, e dos Cíceros. 

Portanto se o valor é a virtude por antonomásia, como poderá ele existir verdadeiramente digno deste nome sem aquela augusta, inseparável companheira? 

Quem se oferece aos nossos olhos, que seja na realidade mais capaz das maiores acções verdadeiramente guerreiras, do que o mais digno produto da mão divina, do que o produto mais semelhante ao Supremo Criador, do que o verdadeiro sábio? 

Para não ousar proferir o contrario bastaria ponderar o seguinte dito do mesmo Séneca: ad omnem incursum munitus et intentus, non si paupertas, non si luctus , non si ignominia , noz si dolor impetum faciat, pedem referet. Interritus, et contra illa ibit, et inter illa?4  

Direi ainda em quarto à utilidade, e à precisão da sabedoria em geral, que sendo esta um dos principais atributos do Criador do Universo, negar-lhe aquelas propriedades é negá-las ao mesmo Criador. 

Se do género passando à espécie, procuro observar se é precisa a ciência nas coisas navais, imediatamente reconheço que os mesmos Ingleses lhe devem sobretudo o ceptro dos mares, que com vigor meneiam; o qual por a mesma causa preponderou sucessivamente nas mãos do bátavo5, do espanhol, do português, do veneziano, do romano, do cartaginês, do grego, do fenício, do egípcio. 

E como sem maior saber relativo ocupariam tão diversos povos um sólio fundado em elevada sabedoria? Por qual outro prodígio as nações maiores em população, maiores em propriedades neptuninas, por assim dizer, poderiam tanto tempo jazer subjugadas no mar por outras tão inferiores como a Fenícia, a Portuguesa, a Batava? 

Se hoje mesmo, 9 a 10 milhões de homens senhoreiam os Oceanos à vista de 120 milhões que restam, só nesta férrea parte do mundo; a quem principalmente deverão uma tal preponderância senão a terem prevenido estes últimos na posse do tráfico, e do saber naval? 

Retrocedamos 18 séculos, e diga o décimo oitavo que coisa eram os Bretões, a cujo respeito, no tempo mesmo de Cláudio, escreveu Pomponio Mella que "pelos sucessos das armas Romanas", a Ilha, "e seus selvagens habitantes, seriam melhor conhecidos."6  

Enfim se a Espanha chamada pela natureza, pela política, e pela série de tantos acontecimentos prósperos a ser talvez a maior potência naval deste continente, se apresenta aos nossos olhos numa situação, muito inferior; quem deixará de reconhecer, que a origem primária desta diferença consiste na ignorância, que presídio à Invencível Armada? 

É certo que dois anos de prática bastaram a Blake,7 Tourville8 e Duguay9 para comandarem, e vencerem; porém não é menos certo que 60 milhões de Chis10, reduzidos à simples imitação de seus maiores, distam infinitamente de nós, e muito pouco daqueles seus maiores que nos precederam nas invenções mais consideráveis; a marinha deles, além de imperfeitíssima percorre apenas os mares circunvizinhos, e não em todas as estações. 

Deixarei de recordar o principal fundamento da grave diferença que cumpre considerar entre oficiais marinheiros, e oficiais de marinha, diferença que hoje confessam os Franceses, bem a seu pesar, vendo inúteis todos os esforços feitos por eles, para ressuscitarem a sua marinha de guerra, por meio dos navegantes práticos, que a milhares nos inundam em corsários; diferença para cuja análise completa bastaria simplesmente repetir um impresso que já conta quatro decénios de luz pública.

Seja-me porem lícito ponderar que, se o homem destinado a representar a sua nação perante as outras, carece de ter ciência, e virtude; se o homem destinado a comandar outros homens precisa excedê-los em ciência, e virtude; se o homem destinado a salvar ou perder o Estado em uma só batalha, necessita não menos sobressair em virtude, e ciência; se o homem que um dia terá de combater e debelar os ventos, as vagas, o fogo, o inimigo, que juntos o ameacem com os horrores do naufrágio, do incêndio, e da guerra, não poderá consegui-lo sem possuir grande virtude, e ciência; se o homem que um dia, arremessado a ignotíssimas regiões pela natureza, irritada a ponto de lhe fazer em pedaços o próprio baixel, para se desembaraçar dessas mesmas regiões, salvando as vidas dos seus compatriotas, deverá desenvolver ciência, e virtude mais que ordinárias; quanto cumprirá que saiba o homem, que poderá encontrar-se em todas estas situações tão difíceis? 

Que perderemos em dar a todos os nossos alunos uma educação, que torne grande parte deles susceptível de poder desempenhar Portugal em todos aqueles encontros? Que se perderia mesmo na posse de gente superior em princípios, visto que ela nos aparece, e aparecerá sobejamente quando a queiramos deveras, graças às qualidades egrégias da Nação Portuguesa? Pelo contrário, seria louvável, e seria prudente, prepará-la de modo que só esforços particulares de cada um, que só talentos extraordinários pudessem vir a preencher os seus elevadíssimos destinos com alguma dignidade e suficiência? 

O homem, diz um célebre escritor, carece de aprender as menores coisas, arrastando-se de verdade em verdade: que deverá pois acontecer-lhe em tão complicada profissão como a da marinha? Nada menos é preciso do que uma assaz ousada ignorância para nos lisonjear-mos de desempenhar esta profissão vastíssima, e dificílima, sem a ter estudado; pois que só do estudo manam os conhecimentos. 

É certo que, sem prática o pincel não corresponderá com fidelidade, e presteza ao talento, ao saber do pintor; mas sem este saber não pode o talento dirigir o pincel; e sem talento de que servirá o pincel? Tudo quanto produzir serão borrões desprezíveis. 

Assim se para praticar é mister saber o quê; se esta palavra saber indica alguma coisa existente; se ter conhecimentos é tão preciso ao que se propõe ser bom oficial do mar, como ter dinheiro ao que projecta incumbir-se de grandes despesas ; se é mais vantajoso à ordem social adquirir este saber com método, e sucessivamente, do que tumultuária, e interrompidamente; ou com probabilidade de não presenciar grande número de combinações raras, além de outras interessantes, que todo o aprendiz rotineiro ficará ignorando por não ocorrerem no tempo da sua aprendizagem (pois então assemelhar-se-ia o noviciado marítimo ao dos ofícios mecânicos, onde os aprendizes (sem princípios) tratam só de imitar os mestres, ficando assim muito inferiores quase sempre os que dão com mestres de inferior merecimento, isto é o maior número:) numa palavra, se ver algumas cenas da nossa marinha, não equivale ao que os Gregos denominavam qewzein , ou ter teoria; isto é, a ver sistematizada das marinhas do Universo inteiro, pretérito e presente; a teoria, que, sendo tratada propriamente, é só quem nos conduz a tão dignos, tão importantes fins, deve ser para nós o alvo principal das nossas meditações, dos nossos desvelos. 

Quem dirá que Duquesne11, que o vencedor de Ruyter12, não foi um grande marítimo? E todavia Duquesne cedeu perante Regnaud13, marítimo de mais teoria, quando no Conselho de Luís XIV se tratou de melhorar a construção naval; e todavia não foi Duquesne, sim Regnaud, quem primeiro em 1681 inventou, construiu, e manobrou embarcações bombardeiras: Regnaud que aliás com um navio de 50 venceu outro Inglês de 76: Regnaud que se tornou famoso naquele tempo em todas as armas de terra e mar. 

Ver quanto [se] há feito, e se faz: possuir em poucos momentos a experiência dos séculos, e das nações, coordenada pelas mãos mais hábeis que o mundo tem conhecido, e pelos métodos mais capazes de facilitar, de consumar em breve , tão grande aquisição; numa palavra, ter teoria naval, é absolutamente indispensável a todo aquele que aspirar a ser perfeito oficial de mar e guerra. 

Discordaria acaso desta opinião o célebre elogiador de Duguay-Trouin? A marinha, segundo as suas formais palavras, constitui uma vastíssima ciência; cuja alma é a Filosofia, e que deve abranger o ar, os céus, a terra , os mares. 

Segundo as suas mesmas expressões a arte de Euclides é o alicerce dos conhecimentos de um homem de mar. 

O vencedor de Wassenaer14 estuda, e quem nasceu inferior a tão alto protótipo não estudará ainda mais para distar menos dele? Como pois contará em 17 anos tomadas mais de 20 embarcações de guerra, e 800 mercantes? 

Senhores, não tendo nós princípios teóricos poderíamos quando muito ser tais quais os agrícolas, que apesar de nascerem vendo, crescerem observando, e viverem imitando com severo escrúpulo as maneiras de seus maiores, quando intentam (caso muito raro) aperfeiçoar a cultura dos seus campos, tentativas ignaras lhes absorvem o tempo, os cabedais, a vida. 

Que diria considerando-os transplantados a climas, e a terrenos por eles desconhecidos? Sobrando de práticas, faltos de razões, que retirariam da encanecida vã rotina? Eu os vejo ainda mais preocupados, prosseguindo nos antigos costumes, apesar de lhes sobrevir após eles a indigência, a miséria, a última ruína, que não lhes bastam para deixarem de se alçar contra os novos métodos, sem se abalarem, nem com as vantagens que deles resultam aos próprios vizinhos? Oh cegueira de preocupação! Antes a loucura do paradoxo. 

Um navio, continua Thomas15, é aquela máquina intricada, imensa, que devemos pôr em movimento apesar da sua mole, que devemos regular em despeito da agitação das ondas, e da violência dos ventos: os seus mais temíveis inimigos são os dois elementos, que a fazem mover. Destes, como aproveitaremos o útil? Como agrilhoaremos o perigoso? Só a manobra pode tais prodígios; pela superioridade na manobra é que ... Duguay-Trouin viu sempre a vitória laureando-lhe as bandeiras. 

Perdoa Thomas; uma vez o conquistador do Rio de Janeiro venceu em 1702 apesar de já vencido na manobra pelo inimigo holandês, mas Duguay-Trouin é dotado de um valor extraordinário, ele (conforme tu prossegues) une a tantos estudos o dos exemplos. 

Senhores, já mais abandonemos tão distintos modelos; roteemos, preparemos convenientemente o nosso talento; este depois analise, discuta, emende, aplique, opere, e aumente; é quanto lhe cumpre, é quanto deve ao Estado, que o educou, que o sustenta, protege, e exalta; mas sem abastecer, sem municionar o navio, sem o pôr a caminho, e sem dirigi-lo, será bem notável pretender que ele ferre um porto determinado. 

Enquanto a este abastecimento, os nossos estatutos e leis Académicas têm quase providenciado tudo; o que resta à minha percepção está proposto: dos nossos ilustríssimos superiores confiemos seguros, que tomando a ocasião pela frente, logo que apareça, hão-de concluir o belo edifício que vemos tão adiantado. 

Com efeito senhores, ensinam-vos já na Companhia e sua Real Academia quase todos os princípios teóricos, e práticos da nossa extensíssima, laboriosa, e difícil profissão; sois além disto admitidos a presenciar, e executar os diversos trabalhos dos nossos estabelecimentos navais; e para ires costumando-vos ao mar, em permitindo a paz que nos aprontem a corveta, mencionada tantas vezes, tereis de embarcar anualmente por divisões, em maneira, e a tempo de prosseguir com método, não de interromper, de perturbar, ou de transtornar por falta de luz, e força própria, o sistema ordenado para a vossa educação, e instrução; perturbação que é presentemente forçosa consequência de uma guerra, na qual vos fora aliás bem desairoso ficar simples espectadores. 

Ultimamente o decreto de Novembro16 passado já determinou o modo, como os alunos desta nobre profissão (pois que ela é a mesma para todos) nela entrariam, levando todos iguais princípios teóricos, iguais conhecimentos dela, igual disciplina, numa palavra, igual instrução, e educação; único preliminar capaz de vir a produzir aquela salutífera generalidade, aquela igualdade de aptidão, que unida á benfazeja reciprocidade civil , nascida do compenetramento comum no tempo das aulas, não pode deixar de produzir imensas prosperidades, imensos bens, imensos progressos. 

Se a estas instituições criadoras unirmos os aditamentos melhoradores; se depois embarcando em segundos-tenentes forem dentre vós escolhidos os mais hábeis para que já primeiros-tenentes marcheis a consumar-vos entre as marinhas mais florescentes, nada vos faltará; nada quererá o Estado, enquanto à nossa profissão imensa, que não encontre no seu seio gente sobejamente capaz de satisfaze-lo. 

Ireis terminar os vossos preliminares depois de segundos-tenentes? E porque não? Tendes então os princípios todos para poder distinguir o melhor, entre tão numerosas como diversas opiniões e usos, que deveis encontrar nó labirinto da nossa profissão; tendes já embarques; tendes um posto no qual muitos dos nossos oficiais principiaram a vida marítima; tendes a idade em que começou o inseparável companheiro de Duquesne, o vencedor de 10 de Julho de 1690; idade, aliás menos sujeita à sedução de costumes tão vis, quanto repugnantes, enervadores e horríveis; idade mais conveniente á manutenção da dignidade, que tantas vezes, por nossa vergonha, deve ser produzida ou sustentada pela força, e pelo temor: tereis em fim uma iniciação muito prematura, relativamente à do Almirante maior de Cromwell.

Os ingleses, direi ainda, contam menos praças, e postos inferiores na sua marinha; por tanto se exigirmos tudo aos primeiros destes postos entre nós, nem corresponderemos aos mesmos Ingleses, nem seremos justos, nem restará coisa alguma para os postos seguintes. Finalmente os Atenienses não saíam das fronteiras antes de 20 anos; os espartanos não iam de 10 anos ao campo, e menos os romanos: uns e outros não foram por isso pouco famosos nos anais da guerra.

Mas (ouvirei talvez com espanto e sobressalto) mas quereis vós, à força de exigir estudos sublimes, alienar da marinha indivíduos que serviriam nela com esplendor? Qual esplendor, se bem percebo esta palavra, poderei esperar de gentes que se esquivam, ou se abatem, à vista de uns elementos científicos, sejam estes quais forem? Qual esplendor se deve esperar de gentes que nem ao menos, num exame de ponto naqueles elementos, chegam a não desmerecer inteiramente uma inferior aprovação por pluralidade de votos, concedendo-se-lhes para este fim o duplo, e triplo do tempo julgado preciso aos medíocres? Aprovação que de mais a mais tem de ser-lhes dada por aqueles mesmos, cujo interesse primário consiste em produzir discípulos?

Não nos alucinemos; tais gentes serão antes pela maior parte uns eclipsadores da nossa representação marítima, ou quando muito neutras, indiferentes, nesta ordem representativa: e se a maioria dos mais bem educados não remonta, sim abate em conhecimentos depois de concluir as aulas, será prudente adiantar-nos a admitir quem não possui nem esta mesma educação, antes de faltar-nos quem a goze?

Não falta, não faltará: os mais conspícuos dos nossos discípulos, tem ordinariamente prosseguido tais no corpo da marinha: atentemos nesta longa experiência e não retrogradaremos.

Ainda mais resolutos avançaremos se não fecharmos os olhos aos multiplicados, e constantes factos das nossas duas Academias Reais, a da marinha, e esta: naquela até nomeará discípulo, gozando hoje superior conceito no Real Corpo dos Engenheiros, que repetindo o primeiro ano mereceu passar com as melhores aprovações, sem repetir o segundo; naquela sempre passam da segunda classe num só ano, mais de metade dos que para ela entraram: nesta presenciamos acontecimentos semelhantes; o ano pretérito viu na segunda classe quarenta e sete discípulos, oito deixaram de frequentar, um nem apareceu por embarcado, um muito pouco por doente, cinco ficaram para estes primeiros dias de Outubro, e dos trinta e sete que restam contamos desoito aprovados, apesar de não existir ainda neste ano uma subdivisão assaz reclamada pela sua desproporcional grandeza.

Os estatutos da Universidade, que devemos à intervenção de um dos maiores portugueses17, exigiram há 29 anos as disciplinas da nossa classe média, não só aos bacharéis e aos doutores destinados a ensinar, mas também aos discípulos propostos a seguir as armas, ou professar a medicina.

Escolas particulares de regimentos nossos, carentes de menos princípios se os comparamos com a marinha, têm contudo ensinado aquele segundo ano, produzindo alunos aprovados; pela mais antiga das nossas Reais Academias, em exames públicos, aos quais vieram ali submeter-se.

Tal é a utilidade da perfeição dos métodos elementares. O que há um século conheciam só Newton18, Leibniz19, e os Bernoulli20, hoje admite grande vulgaridade: assim também nas manufacturas, o sucessivo progresso dos métodos empregados nos trabalhos que as produzem, faz ver agora a cada passo telas preciosas apenas divisadas de quando em quando, há poucos tempos, entre os indivíduos mais poderosos, ou mais pecuniosos.

Sobre tudo longe de nós a servil imitação pregoeira pública de uma inferioridade, que de certo conduz à derrota, e não à vitória; longe de nós o deixarmos de olhar em toda a parte o homem com um coração, e dois braços susceptíveis aquele das mesmas impressões, estes dos mesmos movimentos: longe de nós o deixarmos de contemplar o Oceano patente a todos os povos; as ciências navais dilatadas pelo mais útil dos três inventos, quase contemporâneos ; o bronze, o ferro, os linhos, os madeiros, numa palavra, todos os materiais necessários à navegação, possuídos por quantos os compram

Do inglês, que nesta guerra mesma se apressou a copiar a construção naval francesa do célebre teórico-prático M. de Borda21, deste Inglês aprendamos a apropriar-nos tudo quanto ele, e todos os mais marítimos possuam, acredor ao trabalho da transportação, ao reconhecimento da imitação: porém Senhores, conheçamo-nos; somos homens como eles, susceptíveis de aperfeiçoar, de inventar, de ter entre nós talentos superiores: não nos manietemos; não nos circunscrevam dentro do recinto estéril da pura imitação: nec ulli nato, post mille saecula praecludetur occasio aliquid adhuc adiciendi; seja dito ainda com o Cordovense22.

Estes Ingleses, que tanto predominam nos mares, dando a cada geração 22 anos de sobrevivência à sua precedente, aparecer-nos-ão selvagens obscuros, apenas remontarmos aos septuagésimos nonos avôs: nós mesmos já os precedemos na representação política; nós mesmos já os vencemos, já merecemos servir-lhes de modelo e comandá-los até na marinha: há só dois séculos, não ousaram medir-se face a face com as forças navais dos únicos espanhóis; Ruyter, e Tromp23 há só 20 lustros bem os ocuparam junto aos seus lares pátrios, não obstante serem socorridos então pelos Franceses, apesar da natural inimizade recíproca, e da particular utilidade destes, que tanto pode um individual ressentimento?

Matthews24 em 1744, e Byng25 12 anos depois, que vantagens obtiveram? Keppel26 que conseguiu de Orvilliers27 há 23 anos, e Rodney28 de Guichen29 há 21? Que sucederia a este Rodney contra Grasse30 em 12 de Abril de 82, se os vencedores de 9 tivessem aproveitado a vitória? Nem Byron31 em 79, nem Arbuthnot32, Graves33, Parker34, e Hood,35 em 81, contaram grandes façanhas, posto que combatessem uns a barlavento, e outros a sotavento. Nas Índias Orientais Pocock36 em 1758 não pode obstar a que Aché37 se retire ileso; lá mesmo há só 18 anos, Suffren38, e Hughes39 sustentam equilibrada a glória das duas nações. O mesmo inglês Clerk40 não pode ocultar, que na maior parte destes combates ficaram menos bem os seus por serem inferiores ao inimigo na táctica naval. Numa palavra, a fortuna gira, o invulnerável de Homero41 não o foi de todo.

E por que motivo, igualmente educados os braços portugueses não equivalerão a outros tantos Ingleses? Por que motivo, melhor instruídos não os aterrarão, ainda sendo mais em número, até certo ponto? A diferença mesma da nossa actual organização marítima em respeito á Inglesa; a dos costumes, Leis, e até das preocupações dos dois Estados, dando as mãos à da grandeza de ambos eles, bem como à das outras circunstâncias físicas e políticas, conduzem, necessitam a uma consequente diversidade nas respectivas educações navais. E qual recurso tem uma nação menor, salvo a melhoria de instituições, para equilibrar-se com as maiores, tanto quanto é possível?

Eis aqui a meta gloriosa, cujo alcance devemos propor-nos com todo o aferro; eis aqui o pó Olímpico, verdadeiramente digno de ser colhido pelo náutico português: eis pois, tratemos de colhê-lo em despeito mesmo dos tristíssimos efeitos da terrível catástrofe de Alcácer Quibir42.

II.ª

Distarão muito do talento cultivado as últimas barreiras da perícia náutica? Responda o tempo, que aos atenienses foi bastante para ofuscarem os fenícios; aos romanos para aniquilarem os cartagineses; aos lusitanos para aterrarem o turco, e a República de Veneza; aos batavos para serem respeitados pelos iberos, para os protegerem, para compreenderem o Orbe nos domínios do seu comércio, para conquistarem, e legislarem na Índia Oriental.

Há um século bastou Luís XIV aos franceses para estes se medirem vantajosamente com os Ingleses, e holandeses: aquele rei memorável de um povo numeroso , apenas quis , encontrou (além de outros menos celebrados) Estrées43, Mortemart44, Duquesne, Bart45, Forbin46, Château-Regnaud, Duguay-Trouin, Cassam47, e Tourville, grande mesmo na sua derrota de Ia Hougue48. A prática só bastaria para aprontar em tão breve tempo homens tais, e tantos? Responda Hoste49 na sua táctica naval , primeira obra do seu género merecedora de conservação e nome: respondam as acções, os escritos dos mesmos heróis marítimos. Ultimamente respondão os ingleses a quem bastaram dois séculos para subirem ao império naval: todas as outras nações referidas nasceram, cresceram, decaíram, e acabaram, maritimamente falando, no curto espaço de 22 séculos, de 100 gerações.

Ó séculos! Ó gerações! Vós nos mostrais sem excepção, o Tridente50, e o Caduceu51, unidos transitando das menores às maiores nações; e só destas voltando aquelas, quando os enervadores, os gangrenadores vícios atacam, desligam, derrubam, despedaçam tais colossos políticos.

Não é todavia menos certo, que outros motivos alheios à perícia náutica determinam muitas vezes as vitórias marítimas; Duilio52 o mostrou aos Cartagineses; o grande Aníbal53 aos romanos: só a historia naval, cuja interessante lição ainda vos falta, é quem pode patentear-vos semelhantes factos; possuindo-a não atribuíreis tudo cegamente a uma só causa, a qual não é única, posto que prepondere; possuindo-a nunca vireis a ser parciais imitadores de uma só pequena porção de qualquer sistema naval; semelhantes ao escultor que de um belo corpo trasladasse apenas o braço ou perna, ficando por isso o todo da sua obra ainda mais informe, e discordante.

Com efeito se discutirmos algumas das acções navais mais recentes, conservadas talvez na nossa memória com menos omissões, ou metamorfoses, encontraremos há pouco tempo nos mares gaditanos54 o inglês, confiado em si, atacar, postando-se entre uma força espanhola igual à dele, e outra equivalente a metade da sua esta manobra deveria perde-lo em diferentes circunstâncias, deu-lhe glória naquelas.

A ultima força hispalense55 logo foge; a desordem, que já antes do ataque dominava na primeira, estoura com estampido horrível na presença do inimigo: os béticos mal pagos e providos; mal interessados no bom êxito da batalha; preocupados sobre a perícia inglesa, a ponto de lhes parecer desculpável o ser vencido por ela; compostos de gentes recrutadas, sem escolha, e à pressa; de gentes apenas embarcadas, e mal disciplinadas; como poderiam sustentar-se contra os bretões, cujas circunstâncias existem na mais inteira oposição ? Ei-los pois desbaratados por forças em aparência tão inferiores, mas em realidade superiores desmedidamente, pois são multiplicadas pelo concurso de agentes morais, e físicos, tão poderosos como estranhos ao recinto do saber marítimo.

O egrégio Nelson56 à frente da opinião, e de guarnições conservadas desde o principio da guerra, já vai com forças ao parecer inferiores, em demanda de Bruix57, o qual estando no caso oposto, só por isso deve sucumbir.

Porém, qual outro erro capital diviso ainda? Os francos esperam ancorados que o inimigo venha acometê-los quando, e por onde quiser! Ao menos a inferioridade na manobra e táctica, por este modo confessada publicamente (a qual já deve abatê-los) será compensada por algum auxílio superior, preparado em terra; mas quão ténue, quão mal disposta protecção lhes noto? Gaulos entre vós, e a terra há uma linha de fragatas! Quereis convidar os ingleses a dobrar-vos, colhendo-vos entre dois fogos sem eles correrem igual risco por não estar correspondentemente fortificada a terra oposta? Que diria o vosso grande César, vendo além disto metade sobre aferro deixar o inimigo destroçar a outra metade isoladamente? Aniquilada esta, não deverá seguir-se àquela o turno da sua infalível destruição? Assim acontece, perdendo-se com estranheza das gentes do mar uma armada inteira.58

Sim, senhores, é indubitável; há coisas que não sendo privativas à nossa profissão, contudo bastam para decidir das acções navais: um comandante, cujo império sobre o seu navio deve igualar em poder e rapidez ao da alma a respeito do corpo, necessita de uma educação tal que possa vir a abranger todas as virtudes, todos os conhecimentos, assim gerais, ou das coisas sobreditas, como particulares, ou das que só nos respeitam, capazes de lhe segurarem aquele império.

Da Natureza recebemos, as disposições para o valor e ciência; aquele é desenvolvido pela. educação, fortalecido pelas instituições, firmado pelo exercício, exaltado pelas recompensas honoríficas distribuídas com rectidão: sem ele pouco vale o saber entre os guerreiros: ele é a primeira virtude militar.

Com efeito. sem ele que farias na ocasião tu prático, e tu teórico? Embora conte aquele embarques a milhares, embora possua este mil ciências, tudo será nada perante o valoroso, ou selvagem, ou menos, civilizado até um certo limite; com, efeito tudo é relativo, pois que todas as virtudes medeiam entre excessos, e defeitos, como bem descreveu o filósofo de Stagira59; e não de uma só virtude, senão do excesso da soma de todas elas sobre a dos vícios, é que se forma a virtude pública: bem como do excesso da soma dos acertos e conhecimentos, sobre a dos erros e ignorâncias, é que se forma o que devemos chamar ciência de qualquer corporação, em respeito à sua profissão.

Mas o valor sem sabedoria será quando muito como o raio sem condutores; se por fim termina restabelecendo o perdido equilíbrio, para efectuar este beneficio atacará, mutilará., destruirá, subverterá muitas vezes estabelecimentos da maior ponderação: assim o raio muitas vezes restaura, o equilíbrio físico, incendiando, arrasando, consumindo, e aniquilando os mais respeitáveis produtos, já da natureza, já da indústria mais útil, e mais sublime.

O talento com que nascemos é para a sabedoria o mesmo que o bom terreno é para a vegetação: este sem preceder a conveniente agricultura, produzirá espinhos, e abrolhos; aquele sem lhe darmos a educação precisa, tornar-se-á mais nocivo do que útil á sociedade embora venham depois leis, e castigos, o tronco está robusto, e desde planta cresceu viciado. É neste sentido que um sábio disse há 1750 anos, plurimum proderit pueros statim salubriter institui,60 verdade assaz merecedora da nossa reflexão.

Quanta sabedoria, quanto amor da humanidade estou vendo neste superior apotegma61, particularmente na palavra statim se é certo que a educação pode, não direi vencer, basta-me dirigir, ajudar, fortalecer a natureza?

Finalizemos este artigo: o talento é necessário à ciência, como o bom terreno à vegetação procriadora: e a sabedoria sempre há de ser, geralmente faltando, a segunda qualidade militar.

Todavia não devemos perder de vista que o valor marcial quase é só preciso por causa dos defeitos que temos; a ciência para não os termos; aquele valor quase que só serve para repelir a força com injúria da razão; esta razão inutilizá-lo-ia se pudesse distinguir-nos sempre dos brutos; mas sem a sabedoria todas as classes da sociedade sucumbem, e como poderiam sublimar-se rodeando-as um caos de espessas trevas ?

A própria natureza depositou na consciência humana um sentimento de ignominia para com a ignorância. Por ventura ouvimos com indiferença apelidar-nos ignorantes? Mas oh contradição! Oh amor próprio! Quanto mais merecedores deste apelido ludibrioso, tanto mais asperamente desfechamos contra o sábio: tanto mais intentamos que nos contemplem dignos de superior estima, por entreconhecer-mos algumas pequenas bagatelas; tanto mais afectamos cercar-nos com as honoríficas divisas de Minerva.

Ceda porém o meu zelo pela profissão com que tanto me honra; e voltemos ao nosso objecto primário.

Com as premissas referidas não tendo de mais a mais uma certa afeição, um certo entusiasmo, pela profissão das armas, quase debalde existiremos nela: cruzá-la-emos com a tibieza do marido forçado a receber uma consorte que não o atrai. Este entusiasmo que deve ser sobranceiro a todos os desgostos provenientes dos ataques da intriga, e da inveja, pode sim, até certa altura, ser devido à natureza, e ás circunstancias do país, mas somente será prefixado pela convicção individual da excelência da profissão que seguimos: deve pois constituir mais um resultado da educação e dos conhecimentos.

Tendo na profissão de Marte valor, saber, entusiasmo; tendo as últimas duas qualidades em outra qualquer profissão; recrescendo instituições sábias, e fortes, as quais premeiem, e castiguem tão proporcionada quanto irremissivelmente, que mais resta? O exercício efectivo, isto é, a disciplina entre os militares; para saber aplicar no momento oportuno; para poder obrar acertadamente, com a rapidez do instinto, ou do costume, quando a razão não pode resolver com descanso; para nos habituarmos a sofrer, a afrontar, a vencer trabalhos, fadigas, privações, e riscos os mais ponderosos, que de outra sorte mal poderíamos suportar no tempo crítico; enfim para coroarmos tudo com o gozo dos efeitos devidos àquelas qualidades : eis aqui o que só praticando se adquire; eis aqui onde, pelo que nos pertence, encontraremos verdadeiro lugar aos seguintes versos do nosso imortal Camões.

A disciplina militar prestante não se aprende, senhor, na fantasia sonhando, imaginando, ou estudando: senão vendo, tratando, e pelejando.

A isto mesmo alude o elogiador daquele que, vencendo em 9 de Outubro de 1707, deu carreira às vitórias de Berwik62; falo do académico Thomas, quando repete "A natureza tão somente principia, ao homem pertence rematar: para isto deve agregar os conhecimentos aos talentos. Onde irá por aqueles? Ao centro das cortes? Ao ócio dos portos? Não. Encontrá-los-á unicamente no meio dos trabalhos, perigos, apertos, e facções do mar."

CONCLUSÃO, E PERORAÇÃO

Senhores, tenho mostrado quando, e como, os rudimentos da prática se adquirem com mais brevidade, e com mais proveito, já do indivíduo, já do Estado; e digo os rudimentos, porque toda a vida do oficial do mar, é na realidade uma prática sucessiva da sua profissão; tornando-se por isso tanto mais estranho que se repare em não haver embarques durante o primeiro triénio de uma vida inteira, dada a eles, quando por outra parte observamos, que nesta vida inteira ficam sem princípios quase todos aqueles indivíduos, que no primeiro triénio dela não os aprendem segundo convêm.

Além disto fiz ver quanto pode a mesma prática, e quanto a teoria, por tanto concluirei com a simultânea precisão de ambas: concluirei que pois não se excluem, antes mutuamente se auxiliam, devem, pois que podem, concorrer em cada homem do mar, segundo convém ao Estado, e pelo modo que lhe é mais vantajoso.

Consequentemente, nas actuais circunstâncias, toda a questão se reduziria a decidir, se a vossa inabilidade, ou aptidão, dependerá extremamente da ténue demora de mais dois ou três anos, que sofreria o principio dos vossos embarques, no caso de se observar a resolução de 8 de Janeiro de 1800? Demora que teria aliás por objecto fazer-vos prover dos princípios necessários para melhor vos resolverdes entre as diversíssimas opiniões que, retalhando e inundando a nossa marinha, não podem deixar de fazer vacilar a gente mesma de um certo saber. Demora que mil heróicos exemplos gravíssimos demonstram não ter sido obstáculo à sua existência. Demora , cujo efeito (se algum pode ter) desaparecerá naqueles oficiais que forem dignos de o ser; naqueles, digo, que possuírem valor, saber, e entusiasmo pela sua profissão. Demora que jamais manchou a fama ilustríssima de nações inteiras as mais beneméritas de Palas. Demora enfim, que não tendo comparação com a idade avançada em que muitos de vós fostes admitidos, contudo, é agora mais zelada do que esta idade, á qual não vemos opostos nem os nossos mesmos estatutos, os quais bem pelo contrário lhe são favoráveis , e com muita razão naquela parte em que não vos permitem entrar na Academia, senão quando as vossas faculdades intelectuais, e físicas , devem tornar-vos possível o desempenho das obrigações que esta Academia vos impõe.

Porém, senhores, habilitar-vos até o ponto de ir praticar quase que sem alheia intervenção didáctica, é quanto cumpre à vossa Academia, ao vosso comandante: aquela satisfaz, segundo os estatutos; este chega apenas ao que entende, ou pode.

Uma lei, sopeadora63 do capricho, e do arbítrio, vos aponta os castigos, e (coisa muito menos vulgar) os prémios que devem corresponder-vos conforme os vossos merecimentos; esta vantagem não é por certo a menor da vossa corporação egrégia.

Um conselho supremo a cuja intervenção deveis a lei, e os vossos estatutos, o qual segundo é razão vos olha com o carinho devido a novos, e bons filhos da mesma profissão, honrando-nos hoje com a sua presença, prossegue em mostrar-nos a sua satisfação, afiançando-nos ao mesmo tempo a inalterabilidade da sua atenção, e afecto a nosso respeito.

O ilustríssimo e excelentíssimo inspector que estamos vendo, tão respeitosos e satisfeitos, quanto agradecidos pelas multiplicadas atenções que lhe devemos , (sendo principalmente credora a nossa memória a última promoção de segundos-tenentes) quer que se cumpra a lei; e quando só a lei governa desaparecem, com todas as anomalias complicadoras, e até subversoras , todas as chusmas de quantos pretendem essas anomalias por estarem, ou por se julgarem homogéneos em circunstâncias: o ministro, e as partes descansam; os trabalhos, e os prémios correspondentemente distribuídos animam, inflamam.

Ah! E que cumpre esperar daqueles, cujo ingresso é cunhado com vastíssimas pretensões de excepção, isto é de uma certa superioridade à lei? Se esta é injusta, porque se não retira, ou modifica? Se justa, será salutar que não compreenda todos? Estou vendo, estou vendo, que a vereda das excepções à lei, conduz ao despenhadeiro e ao abismo, todas as corporações políticas que a frequentam.

O primeiro nexo público, o primeiro merecimento de um vassalo, aquele merecimento sem o qual, outro nenhum (a meu ver) deve ser atendido, por certo consiste na mais afectuosa inclinação, e submissão à lei. Feliz o corpo moral, cujos indivíduos rejeitam com estranheza suma todos quantos interesses lhes oferecem opostos aos da lei, ou (o que deve ser igual) opostos aos do Estado, aos do próprio corpo.

Se os louros do saber, e da virtude, se os aviltamentos da ignorância, e da culpa, ainda entre nós talvez não contam a justa proporção devida; se na instrução há por um lado certas faltas, e por outro certos desarranjos; se enfim notamos algumas incoerências: parte destas importantíssimas observações já foi proposta a S. Ex.ª , parte selo-á: tudo isto, e tudo quanto restar, aparecerá , ou desaparecerá , logo que as circunstâncias permitam que S. Ex.ª possa olhar-nos com aquela atenção, que muito judiciosamente nos quer atribuir, à qual hoje me atrevo a reclamar outra vez em vosso nome.

S. Ex.a sabe quanto é melhor prevenir as faltas do que sofrer-lhes impunemente, ou castigar-lhes injustamente, os necessários resultados; sabe não menos quanto respeito devemos a estabelecimentos filhos do tempo, o qual é por sua natureza incorruptível, filhos de uma sucessão de homens notáveis, que nos precederam: sabe enfim que a companhia de hoje tem de ser a marinha de amanhã.

Numa palavra, se a nossa Academia é vivificada por uns tutelares estatutos, a Companhia contará com brevidade um regulamento definitivo, que sustente, que firme este corpo saído apenas da infância, e aliás tão vantajoso à marinha , quanto ainda hoje os mesmos holandeses julgam, tratando de aperfeiçoar, de promover uma instituição semelhante, a qual continuam na sua nova forma de governo.

Enfim tocarei na correspondência que devem, merecer-vos os meus desejos, e o meu respeito? Enumerar-vos-ei o que me tendes visto melhorar , ou acrescentar , em quanto á vossa instrução, enquanto aos estabelecimentos da Companhia, e sua Real Academia; no centro de outras ocupações muito sérias que pouco tempo me deixam para dar-vos, e na distância em que resido? Sim, senhores, tocar-vos-ei nestes pontos, mas para suplicar-vos que atendendo também ao meu zelo, e às minhas intenções assaz patentes, desculpeis como é próprio da bondade inseparável da verdadeira sabedoria quaisquer involuntários defeitos de expressão, ou raciocínio, aos quais me houver conduzido, já o ardor pela justiça da causa, já a desproporção, e insuficiência do meu talento.

Confiado pois nesta bondade, seguro na minha consciência, a qual jamais me increpou de rebelde seja aos ditames da razão, seja aos deveres da obediência; capaz de errar como homem, porém não de enganar, não de advogar nem o pró nem o contra por espírito de partido, ou de egoísmo; finalizarei pedindo à Companhia, que olhando os últimos promovidos, sejam estes se tanto for preciso, mais um incentivo da sua rivalidade, mas banindo a torpe inveja. Aqueles a quem não poderão chegar prémios semelhantes, por ser o seu número assaz limitado, repitam generosos com uma célebre espartana

"Feliz Pátria, onde tantos me excedem."

O merecimento é, senhores, o melhor prémio; de quem merece; o tesouro da sabedoria tanto menos inexaurível, quanto mais pretendem esgotá-lo; a duração de sábio igual à do mundo: eis aqui as brilhantes recompensas que todos podeis obter; que nem a revirada mão da injustiça, nem a orgulhosa da soberba, nem a insaciável do egoísmo, ou do espírito de partido, nem a denegrida da inveja, nem a tortuosa da traidora e vil. intriga, nem a incansável e cruenta da vingança individual , poderá jamais distribuir-vos, ou tirar-vos; qualquer delas terá de sucumbir perante a do tempo, tão recta, como inexorável, que jamais encobriu malignidades, que jamais atentou contra as heroicidades.

Ainda vivem, nunca: morrerão os Dias, os Nunes, os Pachecos, os Albuquerques; os vossos beneméritos avôs. Ah! Possam eles nos seus túmulos regozijar-se ainda com triunfos vossos! Renasçam eles em vós. Sim, reconheçam eles com jubilo, com êxtase, que no estado actual dos conhecimentos e civilização dos homens, vós preencheis dignamente aqueles mesmos distintíssimos lugares, de, que no seu tempo, em relação aos mais coevos, eles foram superiormente beneméritos.


 

Notas:

 

1. Johann-Georg Zimmermann (1728-1795), médico e filósofo suíço famoso pelo seu livro sobre o Orgulho Nacional (Von dem Nationalstolze), publicado em Zurique em 1758, escreveu Um tratado sobre a Experiência em geral, traduzido para francês, em 1774, com o título Traité de l'expérience en général, e para inglês, em 1778, como A treatise on experience in physic.

2. Citação da parte final do versículo 22, do capítulo 1, do Livro dos Provérbios da Bíblia aqui apresentado na sua totalidade: «Usquequo, parvuli, diligitis infantiam, et stulti ea quæ sibi sunt noxia cupient, et imprudentes odibunt scientiam?», isto é: «Até quando, ó ingénuos, amareis a ingenuidade? E vós, zombadores, até quando vos empenhareis na zombaria? E vós, insensatos, até quando odiareis o conhecimento?» Este livro bíblico é atribuído a Salomão, «o Rei sábio».

3. A citação não está totalmente correcta. Devia ser Nec philosophia sine virtute est, nec sine philosophia virtus, transcrito de Lúcio Aneu Séneca, Epistularum Moralium ad Lucilium, Livro XIV, Carta 89, § 8, isto é: «tanto [é] impossível filosofia sem virtude, como virtude sem filosofia». (V. Lúcio Aneu Séneca, Cartas a Lucílio, trad., pref. e notas de J. A. Segurado e Campos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian («Manuais Universitários, Textos Clássicos»), 1991, pág. 433).

4. Sapiens autem, ad omnem incursum munitus, intentus, non si paupertas, non si luctus, non si ignominia, non si dolor impetum faciat, pedem referet: interritus et contra illa ibit et inter illa. Lúcio Aneu Séneca, Epistularum Moralium ad Lucilium, Livro VI, Carta 59, § 8, isto é: «O sábio, porém, sempre alerta, sempre pronto a responder a qualquer assalto, não recuará um passo mesmo que sobre ele caiam a pobreza, a desgraça, a ignomínia ou a dor; impertérrito, o sábio afrontará esses males, passará pelo meio deles.» Séneca, idem, pág. 212)

5. Holandês. A República das Províncias Unidas dos Países Baixos, conhecida pelo nome da sua província mais importante - a Holanda - tinha-se tornado em 1795 a República Batava. 

6. Pomponius Mela, nascido no sul da península Ibérica, escreveu Cosmographiæ Liber na época da invasão da Grã-Bretanha pelas forças do imperador Cláudio, acontecida em 43/44 d.C. A descrição da Grã-Bretanha encontra-se no Livro III, cap. 6, § 49-53.(A 1.ª edição moderna saiu em 1471em Milão. V. Pomponio Mela, Cosmografia, trad. e notas de Carmen Guzman Arias, Murcia, Universidade de Murcia, 1989). A tradução do orador é muito livre.

7. Robert Blake (1599-1657) foi o mais importante almirante inglês da época da República, dirigida por Cromwell, sendo conhecido como o «Pai da Royal Navy». Nomeado Almirante em 1649 conseguiu dominar a frota real durante a Guerra Civil inglesa. Venceu os almirantes holandeses Tromp e With na 1.ª Guerra Anglo-Holandesa (1652-1654) e durante a Guerra Anglo-Espanhola (1656-1657) conquistou a Jamaica.

8. Anne-Hilarion de Cotentin, conde de Tourville (1642-1701), almirante francês, venceu a batalha de Béveziers em 1690 e capturou a frota inglesa do Levante em 1701 na Baía de Lagos. 

9. René Duguay-Trouin (1673-1736) nasceu em Brest, França, numa família de marinheiros. Tendo sido um bem sucedido corsário foi nobilitado em 1709, sendo-lhe dado a divisa «Dedit haec insigna virtus" (a coragem deu-lhe a nobreza). O seu mais importante feito de armas foi o ataque e captura do Rio de Janeiro em 1711. 

10. Chineses ...

11. Abraham Duquesne (1610-1688). Almirante francês nascido na Normandia, de culto protestante, entrou para a Marinha Real em 1628 tendo participado no cerco à cidade protestante de La Rochelle nesse mesmo ano. Passou ao serviço da Suécia em 1644, regressando a França em 1646. Durante a Fronda, apoiou a Monarquia destruindo a frota dos rebeldes em 1650, sendo feito Barão d'Indret. Durante a 3.ª Guerra Anglo-Holandesa venceu o almirante Ruyter na batalha de Palermo em 1676. Tendo-lhe sido dado o título de marquês em 1681, em 1685 foi isento da proscrição por motivo da revogação do Édito de Nantes.  

12. Michiel Adriaenszoon Ruyter (1607-1676) é o mais famoso almirante holandês, tendo combatido nas três primeiras Guerras Anglo-Holandesas e averbado várias vitórias. Em 1654, já tendo o posto de vice-almirante, recusou o comando da frota holandesa. Combateu na Guerra Sueco-Dinamarquesa de 1659 tendo sido nobilitado pelo rei da Dinamarca. Foi na 3.ª Guerra Anglo-Holandesa que se notabilizou tendo conseguido várias vitórias estratégicas, pelas quais lhe foi atribuído o recém-criado  posto de tenente-general-almirante. Morreu na batalha naval de Messina, combatendo os franceses.

13. François-Louis Rousselet, marquês de Château-Regnaud (1637-1716), vice-almirante francês, serviu tanto em terra como no mar. Combateu os piratas no Mediterrâneo, venceu os ingleses na Baía de Bantri, tendo bombardeado Argel em 1688. Defendeu a frota espanhola da Prata em 22 de Outubro de 1702, em Vigo, tendo mandado afundar uma parte dos galeões, prestes a serem capturados pela frota anglo-holandesa, tendo sido nomeado marechal de França no ano seguinte. Júlio Verne, no seu livro Vinte Mil Léguas Submarinas, 2.ª parte, Capítulo 8, descreve este último acontecimento.

14. Jacob van Wassenaer Obdam (1610-1665). Tenente-almirante holandês comandante da frota confederada das Províncias Unidas em 1654. Foi no seu tempo que a marinha holandesa se profissionalizou, possibilitando a formulação de uma nova doutrina táctica defensiva. Morreu na Batalha de Lowestoft, o pior desastre naval holandês de sempre.

15. Antoine Léonard Thomas (1732-1785), académico francês, professor no Colégio de Beauvais em Paris, ficou conhecido devido a uma medíocre refutação de Voltaire. Especialista em eloquência, foi premiado pela Academia Francesa com os seus elogios do Marechal de Saxe (1759), de d'Aguesseau (1762), de Sully (1763) e de Descartes (1765) acabando por ser escolhido para a Academia onde leu um elogio de Marco Aurélio. O orador refere-se ao também premiado Éloge de René Duguay-Trouin,... Discours qui a remporté le prix de l'Académie française en 1761, Par M. Thomas..., Paris, Vve B. Brunet, 1761.

16. Decreto de 13 de Novembro de 1800, que determinava as qualificações e o grau de nobreza que deviam ter os candidatos aspirantes guardas-marinhas, sendo determinado que primeiro deviam ser escolhidos os que tivessem  acabado os seus estudos, feito os embarques, tido boas classificações, ou os que tinham feito o curso de Construção Naval.

17. Refere-se a Sebastião José de Carvalho, marquês de Pombal e à reforma da Universidade decretada em 28 de Agosto de 1772 com o nome de Novos Estatutos e entregues à Universidade pela mão do marquês, enquanto lugar-tenente do Rei D. José I, em 29 de Setembro seguinte.

18. Isaac Newton (1643-1727), matemático inglês que desenvolveu um método para a solução de problemas com grandezas variáveis denominado por ele como «método das fluxões», conhecido hoje como cálculo infinitesimal, e sobre o qual escreveu, em 1671, De Methodis Serierum et Fluxionum, que só foi publicado em 1736. 

19. Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), matemático e filósofo alemão, foi um dos inventores do cálculo infinitesimal, com Newton. Utilizou o método da notação diferencial, sendo ainda debatido se Leibniz foi influenciado por Newton ou se descobriu a ideia geral do método independentemente do investigador inglês. 

20. Jacob Bernoulli (1654-1705) e Johann Bernoulli (1667-1748), matemáticos suíços que contribuíram para o desenvolvimento do cálculo diferencial e do calculo integral.

21. Jean-Charles de Borda (1733-1799), engenheiro militar francês que estudou balística, assim como hidráulica e mecânica dos fluidos quando passou para o serviço da Marinha, sendo um dos membros da Comissão que propôs o metro como medida-padrão universal. 

22. Refere-se de novo a Séneca (Córdova, c.4 a.C-65 d.C) filósofo e dramaturgo latino, preceptor do imperador romano Nero, que o obrigou a suicidar-se devido à sua participação numa conspiração. Foi, com Epicteto e o imperador Marco Aurélio, um dos grandes nomes da escola estóica romana. A frase é retirada novamente de Epistularum Moralium ad Lucilium, Livro VII, Carta 64, § 7, cuja tradução é: «nem mesmo a alguém que nasça daqui a mil séculos faltará ocasião para acrescentar ainda esse património». (V. Séneca, ob. cit., pág. 227)

23. Maarten Tromp (1598-1653). Almirante holandês, tornou-se tenente-almirante das províncias da  Holanda e da Frísia Ocidental em 1637, tendo vencido uma frota espanhola em 1639 na Batalha de Downs, na costa Sul da Inglaterra. Comandou a frota dos Países Baixos na 1.ª Guerra Anglo-Holandesa, tendo morrido na batalha de Scheveningen.

24. O almirante inglês Thomas Matthews (1676-1751), atacou uma frota conjunta franco-espanhola em 11 de Fevereiro de 1744, durante a Guerra de Sucessão de Áustria, que, bloqueada em Toulon durante dois anos, tentava sair transportando tropas para Itália. Não tendo cumprido os regulamentos de ataque, e tendo a acção sido desfavorável foi demitido da Marinha.

25. O almirante inglês John Byng (1704-1757) foi julgado em Tribunal marcial e condenado à morte por ter deixado escapar uma frota francesa na Batalha naval de Minorca, em 20 de Maio de 1756, no início da Guerra dos Sete Anos, o que teve como consequência a rendição da guarnição britânica do Forte de São Filipe, de Porto Mahon, na ilha Minorca, nas Baleares.

26. Augustus Keppel, 1.º visconde Keppel (1725-1786), almirante inglês, comandou de uma forma pouco satisfatória a frota britânica contra a francesa na Batalha de Ouessant, que se desenrolou no dia 27 de Julho de 1778, no decorrer da Guerra da Independência Americana. A discussão sobre a responsabilidade do desaire, provocou uma série de debates no Parlamento britânico e de julgamentos em Conselho de Guerra, que acabaram por o levar à demissão.

27. Louis Guillouet d'Orvilliers (1708-1792), almirante francês, comandante da Frota do Atlântico durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos da América, venceu a frota britânica na Batalha de Ouessant em 27 de Julho de 1778, tendo tentado no ano seguinte um desembarque nas costas inglesas, que foi impossibilitado pelo mau tempo e pela epidemia que grassava a bordo dos navios da esquadra. Após este revés retirou-se para uma Abadia parisiense, tendo emigrado no princípio da Revolução Francesa.

28. George Rodney, 1.º barão Rodney (1719-1792). Um dos mais famosos almirantes ingleses, capturou Havana em 1762, no final da Guerra dos Sete Anos. Durante a Guerra da Independência Americana destruiu uma frota espanhola ao largo do Cabo São Vicente, durante a Batalha ao Luar de 16 de Janeiro de 1780. Em 17 de Abril seguinte atacou a frota francesa do almirante Conde de Guichen ao largo da ilha de Martinica, num combate que ficou indeciso. Em 12 de Abril de 1782 venceu o almirante francês de Grasse na Batalha de Saintes. 

29. Luc Urbain de Bouexic, conde de Guichen (1712-1790). Promovido a tenente general da Marinha após a Batalha de Ouessant, de 1778, foi enviado para as Antilhas, onde se confrontou com o almirante inglês Rodney. Mostrou a sua habilidade no decurso dos três combates desferidos nas Antilhas, conhecidos em França por «Les trois combats de Monsieur de Guichen», o 1.º ao largo da Martinica, de 17 de Abril de 1780, e os dois seguintes em 15 e 19 de Maio seguintes.

30. François-Joseph Paul, marquês de Grasse Tilly, conde de Grasse (1722-1788). Almirante francês, combateu na Guerra da Independência dos Estados Unidos, tendo a sua vitória na 2.ª Batalha de Virginia Capes, contra uma força naval britânica comandada pelo almirante Graves, levado à rendição do exército britânico em Yorktown, e ao fim da Guerra. As acções relatadas deram-se nas Antilhas, em 9 de Abril de 1782, quando  navios franceses de transportes de tropas que se dirigiam para a Jamaica foram surpreendidos por uma frota britânica comandada pelo almirante Rodney, tendo sido salvos pela frota de Grasse. No dia 12 seguinte a derrota da frota francesa foi total tendo Grasse sido feito prisioneiro.

31. John Byron (1723-1786). Vice-almirante inglês, avô do célebre poeta lord Byron, realizou duas viagens de circum-navegação do Globo, tendo descoberto, entre outras, as ilhas Gilbert e as Marianas do Norte. Em 1761 ocupou as ilhas Falkland, ou Maldivas, o que provocou a declaração de guerra da Espanha à Grã-Bretanha. Nomeado governador da Terra Nova em 1769, foi comandante-chefe da frota britânica nas Antilhas (Índias Ocidentais) durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos, tendo vencido o almirante francês conde d'Estaing na Batalha de Granada em Julho de 1779.

32. Marriott Arbuthnot (1711-1794). Almirante inglês, foi nomeado vice-governador da Nova Escócia em Abril de 1776, tendo administrado a província de Maio seguinte até 1778, devido ao regresso do governador a Inglaterra. Em Janeiro de 1778 foi promovido a contra-almirante, e na Primavera de 1779 foi nomeado comandante da Divisão Norte-Americana da Frota das Índias Ocidentais. Foi bloqueado em Nova Iorque pela frota francesa do almirante conde d'Estaing, tendo mais tarde apoiado o transporte das forças do general Clinton, na expedição contra Charleston, na Carolina do Norte, e dado apoio às forças terrestres no cerco a esta cidade. Serviu até 1781 sem nunca se ter distinguido particularmente.

33. Thomas Graves, 1.º barão Graves (1725-1802). Governador da Terra Nova em 1761 e do Labrador, n o fim da Guerra dos Sete Anos (1757-1763) regressou à Grã-Bretanha em 1764. Chamado de novo ao serviço durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos, substituiu o almirante  Arbuthnot no comando da divisão naval da América do Norte. Foi derrotado pela frota do almirante francês conde de Grasse, na batalha de Chesapeake, derrota que acabou por levar à rendição do general Cornwallis em Yorktown. Em 1794, enquanto 2.º comandante da frota do almirante Howe, participou na vitória naval do Glorioso Primeiro de Junho de 1794.

34. Hyde Parker (1714-1782). Após ter participado na campanha das Índias Orientais (Índia) durante a Guerra dos Sete Anos (1757-1763), em que participou na conquista de Pondicherry, na Índia, e de Manila, nas Filipinas, foi nomeado contra-almirante em 1778 e enviado para as Antilhas. Aí dirigiu uma bem sucedida campanha contra os franceses na Martinica, tendo regressado à Grã-Bretanha em 1781.

35. Samuel Hood, 1.º visconde Hood (1724-1816). Prestou serviço na Guerra de Independência dos Estados Unidos e nas Guerras da Revolução Francesa, sendo considerado um dos dirigentes da Armada Britânica que desenvolveu o conceito de «quebrar a linha», que tão bons resultados deu na batalha de Trafalgar.

36. George Pocock (1706-1792). Na Índia (Índias Orientais) desde 1754, ajudou Clive na conquista de Bengala e defendeu a Índia britânica dos ataques da frota francesa durante a Guerra dos Sete Anos (1757-1763). Em 1762, já na Europa, dirigiu a frota que conquistou Havana.

37. Conde Anne Antoine d'Aché (1701-1780), comandante naval francês na Índia durante a Guerra dos Sete Anos.

38. Pierre-André de Suffren (1729-1788), comandante da Armada francesa na Índia durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos da América, e um dos seus comandantes mais competentes, dirigiu as forças navais francesas na batalha naval ao largo de Trinquemalay, na costa oriental do Ceilão, de 3 de Setembro de 1782, que perdeu.

39. Edward Hughes (1720-1794) comandante naval britânico na Índia durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos, vencedor da batalha naval de Trinquemalay.

40. John Clerk of Eldin (1728-1812), figura importante do Iluminismo escocês, publicou em  1790, Essay on Naval Tactics, escrito em 1779, em que apresentou a ideia da  manobra de «quebrar a linha», isto é, dirigir a totalidade da frota contra a retaguarda da linha inimiga, dividindo a frota e permitindo assim a sua destruição.

41. Refere-se a Aquiles, filho de Peleu e da ninfa Tétis, que tinha sido tornado invulnerável pela mãe, ao ser mergulhado no rio Estige, tirando o calcanhar por onde foi agarrado. Na Guerra de Tróia, uma seta atirada por Páris, mas dirigida pelo deus Apolo, atingiu-o nesse ponto fraco, matando-o.

42. A batalha de Alcácer-Quibir deu-se em 4 de Agosto de 1578, tendo o rei D. Sebastião morrido na contenda.

43. Jean d'Estrées (1624-1707), marechal de França, participou na Guerra Franco-Holandesa de 1672-1678. A sua participação no início do conflito deu-lhe uma reputação de comandante hesitante. A sua reputação melhorou com a conquista de Caiena aos holandeses em 1676-1677, que deu origem à colónia francesa da Guiana, mas o desastre no arquipélago de Las Aves, em que perdeu os 17 navios que compunham a sua frota nos recifes que rodeavam as ilhas, pôs em causa de novo a sua capacidade.

44. Louis-Victor de Rochechouart, duque de Mortemart (1636-1688), general das Galeras e marechal de França, irmão mais velho de madame de Montespan, amante de Luís XIV, vice-rei da Sicília em 1675 após ter conseguido socorrer Messina cercada pelo exército espanhol. Durante o seu governo a frota francesa venceu a holandesa nas batalhas de Agosta e de Palermo, em 1676.

45. Jean Bart (1650-1702), famoso corsário francês, nobilitado por Luís XIV em 1694, após ter recuperado uma frota de transporte de trigo capturada pelos holandeses nesse mesmo ano, no decurso da Guerra da Liga de Augsburgo (1688-1697).

46. Claude de Forbin (1656-1733) vencedor, com Duguay-Trouin do combate do cabo Lizard (Lizard point) na Cornualha, em 1707.

47. Cassam

48. Batalha de La Hougue travada em frente da península do Contentin, na Normandia ocidental, em 29 de Maio de 1692. A batalha estabeleceu a supremacia naval da Inglaterra na Europa, durante o século 18.

49. Paul Hoste (1652-1700) autor de L'Art des Armées Navales publicado em Lyon em 1697. Matemático jesuíta, capelão do conde de Tourville (ver nota 8).

50. O Tridente é o símbolo de Neptuno (ou Poseidon na mitologia grega), deus dos mares.

51. O Caduceu é o símbolo de Mercúrio (ou Hermes na mitologia grega), deus da eloquência e dos mensageiros.

52. Caius Duilius, cônsul romano em 260 a.C. venceu os cartagineses no decorrer da Primeira Guerra Púnica, na primeira batalha naval em que os romanos participaram, na baía de Mylae (actual MiIlazzo perto de Messina), ao largo da costa da Sicília.

53. Aníbal Barca (247 a.C. - 183 a. C.), general cartaginês durante a Segunda Guerra Púnica, vencedor  em Canas e derrotado, por Cipião, em Zama.

54. De Gades, o nome latino de Cádis.

55. De Hispalis, o nome latino de Sevilha.

56. Horatio Nelson (1758-1805), almirante inglês vencedor da batalha de Trafalgar em 1805,  distinguiu-se previamente nas batalhas do cabo São Vicente, em Fevereiro de 1797, do Nilo, em Agosto de 1798, e de Copenhaga, em Fevereiro de 1801.

57. Étienne Eustache de Bruix (1759-1805), ministro da Marinha francês em 1798, tendo tomado o comando a frota de Brest dirigiu-se para o Mediterrâneo, em Maio de 1799, com intenção de apoiar o Exército francês no Egipto, mas sabendo do cerco do exército de Massena em Génova, socorreu-o, tendo regressado posteriormente a Brest.

58. É uma descrição da batalha do Nilo.

59. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C) filósofo grego.

60. Lúcio Aneu Séneca, Ad Novatvm de Ira, Liber II, XXI, 1. Correctamente, Plurimum, inquam, proderit pueros statim salubriter institui, isto é: "Nada será mais útil que criar desde cedo as bases de uma sã educação."

61. Frase do tipo do aforismo, mas mais prática e geral, sendo dita por uma figura notável da cultura.

62. James Fitzjames, duque de Berwick, filho natural de Jaime II, rei da Grã-Bretanha, e de Arabella Churchill. Ao serviço da França e no comando do exército franco-espanhol venceu a batalha de Almanza, em 1707, contra o exército combinado luso-britânico.

63. De sopear: reprimir

 

Fonte :

«Oração Recitada na Sessão de abertura da Real Academia dos Guardas Marinhas em 1 de Outubro de 1801, e retocada em 1828.» in José Maria Dantas Pereira, Escritos Marítimos e Académicos a Bem do Progresso dos Conhecimentos Úteis, e mormente da nossa Marinha, Indústria, e Agricultura, Lisboa, Na Impressão Regia, 1828

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