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MEMÓRIAS
DE ISABEL
CRAVEN, PRINCESA DE
BERKELEY Isabel Berkeley, viúva de William Craven, 6.º barão Craven, casou em Lisboa com o marquês soberano de Brandemburgo-Ansbach, membro da família Hohenzollern, cuja cabeça reinava na Prússia, passando por isso a usar o título de princesa. Chegada a Lisboa em Agosto de 1791, após anos a viajar pela Europa e o Oriente, conta neste capítulo das suas Memórias a passagem por Lisboa, onde casou, pouco tempo antes da rainha D. Maria ter o seu primeiro ataque de demência.
"Il n'y a qu'une lady
Craven.
Como tínhamos intenção de ir para Inglaterra passando por Lisboa, partimos acompanhados pelo barão e pela baronesa Deskaw e de Mastefield, filho do mordomo-mor. Ficámos retidos pelos franceses em Calais durante três dias: Luís XVI tinha fugido de Paris e não nos deixaram sair até que fosse trazido de volta de Varennes1. Tendo decidido ir para Lisboa, alugámos um paquete2 para o efeito. Quando quisemos fazer-nos à vela, o capitão disse-nos que se devia estar à beira de algum acontecimento extraordinário, porque tinha recebido ordem de não sair antes de um mensageiro extraordinário chegar e entregar-lhe despachos em mão própria - coisa que nunca tinha acontecido, já que a correspondência vinha normalmente pelo correio normal. Logo que o correio chegou, partimos, demorando sete dias a chegar a Lisboa. Ao chegar, o capitão meteu-se num bote e foi a terra ,e daí dirigiu-se à casa de campo do Sr. Walpole3, o embaixador. Pinto4, que tinha sido embaixador de Portugal em Inglaterra durante alguns anos e era na altura ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, veio visitar-me e trouxe com ele o filho do marquês de Marialva5. Todos os embaixadores estrangeiros, tirando o Sr. Walpole, vieram apresentar-me cumprimentos, parecendo todos especialmente solícitos comigo. Descobri mais tarde que, quando o marquês [de Ansbach] anunciou a sua intenção [de casar com a baronesa] ao pastor inglês, este ficou tão assustado que foi ter com Walpole para o informar, ficando a saber que o embaixador tinha sabido da morte de lord Craven6 cinco dias antes de eu receber a notícia, mas como um vil bajulador, tinha-mo escondido. Recebi uma carta da rainha de Portugal, que me dizia para não mandar quem quer que fosse buscar a minha correspondência ao correio, já que tinha dado ordens para que as cartas que me fossem endereçadas não fossem entregues senão a mim mesma. Estando um dos ministros portugueses sozinho comigo naquele momento pedi-lhe par me explicar por que estava a ser tão acarinhada. Disse-me que, se podia confiar em mim, me diria que logo que cheguei a rainha tinha chamado Pinto, e perguntou-lhe se eu era aquela lady Craven que tinha casado tão jovem e que o Sr. Faulkner7, quando tinha estado em Lisboa, tinha dito coisas tão deliciosas. Pinto respondeu à rainha: "Il n'y a qu'une lady Craven. A rainha disse então a Pinto, que Walpole tinha recebido ordens para não me visitar, havendo rumores em Lisboa que lord Craven estava de perfeita saúde, e que eu tinha tido sido muito hábil ao crer que esperava notícias da sua morte a qualquer momento, para viver como muito bem quisesse. Mesmo antes desta conversa, tinha-me recusado a ir a qualquer festa ou recepção, dizendo que esperava estas notícias e que, como não estava separada judicialmente de lord Craven, seria errado levar uma vida alegre e dissoluta num momento em que qualquer mensagem de correio poderia informar-me da morte de meu marido. Mas a inveja atingiu-me rapidamente, formando-se dois partidos na sociedade lisboeta: as pessoas honestas e sensíveis, como o partido da rainha, defendiam-me, enquanto as pessoas vis e corruptas atacavam-me com os chuços da sua maldade. No entanto, em Outubro lady Craven teve um triunfo completo ao confirmar-se a veracidade das suas informações. O tempo esteve muito mau durante alguns dias, e não pude ir ao correio buscar a correspondência - coisa que era eu própria a fazer. A primeira vez que de novo lá pude ir, tinha cinco cartas que me anunciavam a morte de lord Craven. O clima de Lisboa fez crescer e engrossar o meu cabelo e a salubridade do ar restaurou e revigorou a minha constituição. Maria Francisca Isabel, rainha de Portugal, era a mais velha das três filhas de D. José, rei de Portugal. Este monarca não tendo tido herdeiro filho varão, casaram a filha mais velha, com dispensa papal, com o seu tio D. Pedro8, irmão do rei, para evitar que a coroa caísse noutra família. A rainha subiu ao trono com a morte de seu pai, em 24 de Fevereiro de 1777. Um dos primeiros actos do seu reinado foi a demissão do marquês de Pombal, um acontecimento que parece ter provocado grande alegria no reino, por causa de medidas arbitrárias e opressivas que marcaram a sua administração. A principal característica do carácter de Maria, rainha de Portugal, foi a superstição, provocada provavelmente pela impressão que lhe havia causado a morte trágica do duque de Aveiro e dos seus companheiros, pensando que o seu destino não tinha sido merecido. Às suas reflexões sobre estas horríveis execuções e às críticas do seu confessor, podem-se atribuir a loucura de que sofreu posteriormente. A inocência desses infelizes já foi claramente estabelecida. Em todas os aspectos da vida privada, a conduta da rainha foi exemplar. Quanto ao físico, era mais alta e mais magra do que as irmãs e tinha a pele muito branca, o que lhe dava um ar triste. Os traços de seu rosto eram fortemente marcados. Por menos natural que fosse esta união da rainha com o seu tio eram modelos de felicidade conjugal. Embora este casamento pudesse parecer contrário à natureza, foi fecundo porque deu dois filhos e uma filha. O desejo de evitar uma contestação à sucessão ditou esta espécie de casamento incestuoso, mas apesar de sancionada por exemplos vindos de tempos antigos, não era desculpável para os soberanos europeus. Dizem que, longe de ter sido necessário usar de coacção para o casamento ser aceite, a princesa tinha desenvolvido, desde a sua primeira juventude, uma estima muito forte pelo seu tio. D. Pedro era vários anos mais novo que o rei e não tinha, como ele, predisposição para a corpulência. Tinha um tom de pele pálido e dizem que era totalmente desprovido de graça, elegância e boas maneiras, o seu espírito também não tinha sido dotado com qualquer dom da natureza. As suas feições mostravam pouca inteligência, as suas capacidades eram diminutas e não tinha qualidades para os assuntos de Estado. Na corte foi sempre visto como um adorno, nunca tendo tido qualquer função civil ou militar. Era amável e religioso. Com a morte de D. José, foi feito rei consorte com o nome de Pedro III, do mesmo modo que Darnley9 quando casou com Maria, rainha da Escócia. Morreu em 1786, tendo sobrevivido a seu irmão aproximadamente nove anos. O príncipe da Beira10, filho mais velho da rainha e D. Pedro, era alto e forte, embora tivesse o rosto pálido e uma fisionomia delicada Tendo uma visão deficiente, a sua expressão mostrava inteligência. As suas capacidades e inteligência eram geralmente reconhecidas, sendo a sua liberalidade e disposição bondosa salientadas. O príncipe, de uma maneira que parece pouco natural, tinha casado, em 1777, com a sua tia, que tinha então mais de trinta anos, por ser herdeira presuntiva do trono de Portugal11. Viveram juntos muitos anos, mas nunca tiveram filhos. Não parece haver qualquer tipo de desculpa para este casamento repugnante, até porque as portuguesas raramente têm filhos se não casam antes dos vinte e oito anos de idade. A casa de Bragança mostrou o espectáculo extraordinário de um jovem príncipe de quinze anos casar com sua tia, que tinha mais de trinta anos. O príncipe morreu em 1788. A rainha tinha duas irmãs, Ana Francisca Antonieta12 e Maria Francisca Benedita, esta última foi quem casou com seu sobrinho, o príncipe da Beira. Dizia-se que os talentos das mulheres da família
estavam todos concentrados na primeira das irmãs da rainha. Era mais
pequena e
mais forte do que a rainha, mas os seus traços eram mais agradáveis e mais
bonitos e, finalmente, o seu rosto era mais expressivo e mais animado. Estava acima do fanatismo,
passando boa
parte de seu tempo cultivando a literatura: era culta e os seus
conhecimentos amplos. Além destas sólidas qualidades, tinha talento e bom gosto na música e uma
linda voz. Apesar das suas qualidades, foi condenado a não se casar. O desastre terrível de 1755 deixou em muitas regiões de Lisboa traço da sua destruição. Muitos prédios ainda estavam no estado em que o terramoto os tinha deixado. Relatos deste tremor de terra, cheios de pormenores, apareceram por toda a Europa. Quarenta mil pessoas parece terem morrido. O rei, a rainha e a família real não estavam naquele momento no seu palácio em Lisboa, mas em Belém, localizado dois quilómetros abaixo, no mesmo lado do Tejo. O rei, que estava nos apartamentos do andar de baixo, saltou por uma janela ao sentir o primeiro abalo. As princesas suas filhas, que ainda não estavam vestidas, porque era ainda manhã cedo, seguiram-no nos seus trajes de dormir. Demorou uma hora entre os dois abalos. A antiga cidade moura, chamada Alfama, que fica mais acima do rio, assim como Belém que fica mais abaixo, sofreram muito menos do que o resto da cidade. Os edifícios principais das duas zonas ficaram de pé e praticamente não houve demolições. As circunstâncias que abalaram o cérebro da Rainha foram os terríveis atentados contra a vida do falecido rei. O duque de Aveiro13, que descendia da família real, era um homem de talento muito comum e cuja coragem era pouco clara, sendo vingativo, feroz e indomável. Era capaz de tudo para se vingar. O rei escapou por pouco de ser assassinado, já que vários tiros foram disparados contra a carruagem, o que levou o duque a assumir que Sua Majestade tinha morrido. Quatro outros conspiradores armados estavam postados perto do lugar por onde a carruagem devia passar e, se não fosse a frieza e coragem do cocheiro, que puxou pelas mulas e conseguiu ir por outro caminho, o rei teria caído na armadilha que lhe tinham preparado. A velha marquesa de Távora14 era a alma da trama, que levou a uma morte ignominiosa os principais conspiradores. O rei, ao que parece, recusou-se a elevar à dignidade de duque o marquês de Távora, e esta recusa, aliado à antipatia pessoal que este tinha por Sua Majestade, tinha-o levado a ele e aos seus cúmplices a esta empresa hedionda. Se os conspiradores, em vez de esperar que o rei passasse por eles, tivessem atirado quando este se aproximava, tê-lo-iam morto infalivelmente. Mas só foi ferido por uma bala que passou entre o corpo e o braço, e que lhe retirou uma porção de carne, sem fazer outros danos. O duque de Aveiro e o marquês de Távora, para esconderem o seu crime após os acontecimentos, passaram diariamente pelos apartamentos do rei para indagar pela sua saúde, expressando a maior indignação contra a traição. Foram sempre admitidos à presença do rei e a corte manteve-se durante muito tempo ignorante da autoria da conspiração. O marquês de Pombal, por algumas palavras ditas inadvertidamente pelo duque de Aveiro, foi levado a acreditar que ele fazia parte da conspiração, e por outras circunstâncias foi levado a pensar que o marquês de Távora e seus dois filhos estavam também implicados. Foram todos presos e levados a julgamento. O duque de Aveiro e os três últimos foram condenados e sentenciados a serem executados na roda. A marquesa velha, em consideração pela sua condição, foi sentenciada a ser decapitada. Subiu ao cadafalso com grande firmeza e elevação, digna de uma causa nobre. As reuniões dos conspiradores tiveram lugar num pavilhão do jardim do marquês de Távora em Lisboa, e foram descobertas por uma mulher que era vítima da marquesa, cuja crueldade não conhecia limites quando se tratava de satisfazer as suas vinganças. Esta infeliz rapariga tinha ouvido parte da conversa. Era de origem nobre, mas viu-se reduzida à pobreza e forçada a entrar ao serviço da marquesa. Tinha sido atraída pelas luzes do pavilhão para se aproximar do local. A marquesa descobriu-a, e no dia seguinte encontraram o seu corpo numa rua de Lisboa, pouco tempo depois de morrer, enrolada num lençol ensanguentado com o corpo perfurado por vários golpes. A marquesa de Távora jovem15, filha do duque de Aveiro e mulher do marquês jovem16, foi a única que escapou à morte, sendo confinada num convento. Esta tentativa, bem como uma que ocorreu depois, contra a vida do rei e as numerosas execuções que provocaram, produziram um efeito fatal na mente da rainha. Os portugueses já não são uma nação tão importante como antigamente, antes da Casa de Bragança subir ao trono. Parecem que as suas qualidades degeneraram, embora haja certamente muitas excepções. Esta degeneração deve-se à fraqueza da monarquia, que os torna inactivos - inactividade que é a fonte de seu orgulho. São um povo muito supersticioso, mas devido às suas relações com a Inglaterra, possivelmente acabarão por desenvolver um espírito mais independente. As mulheres portuguesas são de pequena estatura e têm uma tez verde oliva, os olhos são pretos e expressivos, sendo ao mesmo tempo modestas e espirituosas e consideradas geralmente generosas. Vestem-se magnificamente, mas são desajeitadas na conduta. Mantêm os criados a uma grande distância, exigindo uma deferência que, em princípio, só é digna da realeza. O mobiliário das casas é duma imponência que ultrapassa a imaginação, e mantêm um número imenso de criados, porque nunca despedem aqueles que os serviram, ou à sua família, fielmente. O famoso diamante que faz parte das jóias da coroa, é considerado o maior existente no mundo, mas foi-me dito em Lisboa que não era o mais valioso17. Nas nossas excursões à volta de Lisboa, fomos ver o mosteiro e a igreja onde se enterram os reis de Portugal. Estes edifícios são magníficos. A capela de São Roque é possivelmente uma das mais ricas e mais belas do mundo, e onde vi belos mosaicos com pedras incrustadas de todas as cores. Bebi na corte um vinho chamado Colares: é o Vinho do Porto da região18 sem adulteração e feito especialmente para os nobres, não sendo exportado. Tem o sabor do Hermitage, mas bastante mais rugoso. Os portugueses que o bebem estimam-no muito e consideram-no o mais salutar dos vinhos do país. Em Sintra, uma aldeia pouco distante de Lisboa, perto da foz do Tejo, um dos locais mais deliciosos da Europa, onde a Natureza resplandece em toda a sua beleza, há um magnífico palácio, onde o infeliz Afonso19 foi preso e terminou a sua triste existência. A cerca de cinco quilómetros para norte, perto da costa atlântica, há um outro palácio, cuja construção custou quatro milhões de libras esterlinas: chama-se Mafra. Como no Escorial, perto de Madrid, é um edifício onde se reúne um palácio, um convento e uma igreja. Esta última ocupa o centro perto da qual estão os claustros e as células dos monges. É uma mistura de superstição e extravagância. O aqueduto de Alcântara, a cerca de uma milha de Lisboa, fornece água à capital. Em grandeza pode ser comparado às obras dos romanos, atravessando uma ravina profunda ligando uma montanha a outra, por meio de arcos, tendo o arco central trezentos pés de altura e noventa de largura. Resistiu ao horrível terramoto de 1755. O castelo de Belém, o forte do Bugio e o castelo de São Julião são lugares que têm por diversas ocasiões, encarcerado vítimas infelizes. Nas masmorras do último foi preso o famoso Malagrida20, jesuíta italiano acusado de ter tido conhecimento e de ter incentivado o atentado contra a vida do rei D. José, organizado pela marquesa de Távora - já que fora confessor dela. Tendo estado longo tempo naquela prisão, acabou por ser queimado vivo. Era mais visionário e fanático, do que homem de talento. Tinha mais de setenta anos quando foi executado publicamente. Ao subir ao trono, a rainha mandou libertar todos os prisioneiros envolvidos naquela trama, havendo muitas pessoas de todas as qualidades confinadas em várias fortalezas. O marquês de Pombal, que foi destituído do poder após a morte do rei, foi feito inicialmente conde de Oeiras e, tendo chegado ao auge do poder, mostrou, de uma forma extraordinária, ter raiva à antiga nobreza de Portugal. Conseguiu virar o rei contra a Ordem, mostrando-a como um corpo rebelde, sendo-lhe permitido tiranizá-la da maneira que achasse mais conveniente. Entre as primeiras pessoas que mandou deter e prender, estava o conde da Ribeira21, cujo crime era desconhecido. Cagliaris22, capitão da Guarda do rei, foi a sua vítima seguinte. Era um homem de grande talento, integridade e determinação. Foi preso quando estava doente, de uma maleita que provocava febre aguda, e neste estado atirado para uma masmorra húmida situada sobre uma rocha, na foz do Tejo, sendo a cela onde estava confinado inundada na maré alta. A morte em breve pôs fim ao seu sofrimento, tendo sido ignorados os avisos do médico para o perigo que corria. Oeiras tinha promulgado uma lei que declarava crime de traição falar mal do ministro. Foi-lhe atribuído um regimento de dragões para guardar a sua pessoa, como acontecera em França com o cardeal Richelieu. Não contente em ter conseguido sacrificar [Calhariz], baniu a viúva para um local ermo, depois de ter sepultado o corpo do marido de uma forma obscura: nunca a autorizando a regressar à sua terra natal. Os seus dois filhos23 foram presos, provavelmente para toda a vida, no castelo de Setúbal. [Calhariz] tinha dois irmãos24: um que era um cavaleiro de Malta, estava, em Paris, o outro foi exilado em Mértola. O primeiro foi mandado regressar a Lisboa mas, conhecendo o poder e o carácter implacável do ministro, recusou-se a obedecer. A vítima seguinte da fúria do conde de Oeiras foi o conde de Ovedos25, que era de sangue real. Este venerável ancião era tão zeloso da dignidade do seu país e do seu soberano, que tinha sacrificado a fortuna ao seu serviço. O conde nunca gostou do favorito. Um dia o rei, comentou que a casa de Carvalho e Melo tinha escapado ao terramoto, o que atribuiu à protecção do céu, como recompensa pelas virtudes e bondade do ministro. O conde de [Óbidos], que estava presente, respondeu, em tom de brincadeira, que se tivesse sido uma marca de preferência do Céu pelas virtudes do ministro, então as prostitutas de Lisboa deveriam também ser consideradas modelos de virtude, já que a Rua Sousa onde viviam, também nada tinha sofrido. O conde de [Óbidos], que tinha tido imensos prejuízos devido ao terramoto, tendo perdido propriedades em duas ruas devido à calamidade, foi mandado para a prisão. O velho aristocrata foi tratado cruelmente pelo magistrado que o foi prender. Este entrou em casa do conde logo de manhã cedo, e percebendo que este ainda não tinha acordado, como esperava, entrou pelo quarto dentro, tirou o punhal e, pondo a mão sobre o peito do conde, disse-lhe que estava preso em nome do rei e que se resistisse era um homem morto. O conde, tendo acordado disse-lhe que não era aquela arma que o ia assustar, mas que a ordem do rei exigia que se submetesse. O conde tinha sido soldado desde a sua infância. O duque de la Foins26, príncipe de sangue real, herdeiro da coroa a dar-se a extinção do ramo principal que então ocupava o trono, foi também enviado para o exílio, sendo várias as razões dadas. Houve quem dissesse que tinha a ver com o amor que tinha pela neta da marquesa de Távora, que fora decapitada; outros porque tinha aconselhado o seu irmão mais velho, herdeiro de uma doação feita pelo rei Dom Pedro ao ramo segundo da família, para o não abandonar. O duque viveu algum tempo na Inglaterra, como duque de Bragança. Houve muitas outras vítimas da crueldade de o ministro. O teatro da Ópera, em Lisboa, é muito grande. Fomos muitas vezes ao teatro, e ficámos sempre no camarote real. Ao domingo havia touradas num grande anfiteatro capaz de receber milhares de espectadores. Os cavaleiros exibiam uma habilidade prodigiosa, e aqueles que lutavam a pé, uma frieza e agilidade extraordinárias. Darei uma descrição mais detalhada destes espectáculos tal como os vi em Madrid. Mas nunca consegui gostar destes entretenimentos bárbaros. Como, com a morte de lord Craven, me senti liberta de qualquer constrangimento e livre de actuar como achasse melhor, aceitei a mão do marquês sem qualquer medo ou remorso. Casámos na presença de uma centena de pessoas, com a participação dos oficiais marinha de guerra britânica que estavam em Lisboa, e que se mostraram entusiasmados por participarem como testemunhas. Notas: 1. A tentativa de fuga de Luís XVI e da sua família de Paris deu-se na noite de 20 para 21 de Junho de 1791 e o seu regresso a Paris aconteceu no dia 25 de Junho. 2. Do inglês packet boat, barco de transporte de correio e de passageiros. 3. Robert Walpole (1736-1810) embaixador britânico em Portugal de 1771 a 1800, sobrinho do primeiro-ministro britânico com o mesmo nome. 4. Luís Pinto de Sousa Coutinho (1735-1804), embaixador em Londres de 1774 a 1788, era secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra desde 1788. 5. D. Diogo de Meneses (1739-1803), 5.º marquês de Marialva, na altura coronel do Regimento de Cavalaria de Alcântara (n.º 1 em 1806). 6. William Craven (1738-1791) sucedeu em 1769 ao seu tio homónimo no título de barão Craven . Casou com Isabel Berkeley em 1767, separando-se da mulher em 1780. 7. W. Fawkner, enviado extraordinário do Reino Unido a Lisboa em 1786. 8. D. Pedro III, rei consorte de Portugal (1717-1788). 9. Henry Stuart, lord Darnley (1545-1567) casou em Julho de 1565 com Maria, rainha dos Escoceses. O filho de ambos, Jaime VI subirá ao trono inglês enquanto Jaime I, sucedendo à rainha Isabel I, dando origem à dinastia Stuart. 10. D. José (1761-1788), filho primogénito de D. Maria e de D. Pedro. Usava, desde a subida ao trono da mãe, o título de príncipe do Brasil, já que era o herdeiro presuntivo. O título de príncipe da Beira era dado ao filho mais velho do príncipe herdeiro, ou princesa, e por isso usado pelo príncipe só até 1777. 11. D. Maria Francisca Benedita (1746-1829) era a quarta filha de D. José e D. Mariana Vitória de Bourbon. A afirmação não está correcta, a princesa do Brasil nunca esteve na posição de ser a primeira na linha de sucessão ao trono. Tinha à frente dela, até 1761, a infanta D. Maria Ana Francisca Josefa (1736-1813) sua irmã mais velha; a partir de 1761, D. José, seu futuro marido; e, a partir de 1767, o príncipe D. João (1767-1826), seu sobrinho. 12. De facto Maria Ana Francisca Josefa (1736-1813). 13. D. José Mascarenhas da Silva de Lencastre, 8.º duque de Aveiro (1708-1759). 14. Leonor de Távora, 3.ª marquesa de Távora (1700-1759), era prima direita do 8.º duque de Aveiro. 15. Teresa de Távora e Lorena (1723-...), era filha do 2.º conde de Alvor e irmã do marquês de Távora, o 3.º conde de Alvor, e não do duque de Aveiro. 16. Luís Bernardo de Távora (1723-1759), 4.º marquês de Távora, casou com a anterior, sua tia, sendo somente 20 dias mais novo do que a mulher. 17. Os reis da dinastia de Bragança, de D. João V a D. Pedro III, retomaram a tradição de usar uma fivela como a que Carlos, O Temerário, duque da Borgonha, usara séc. XV, com um grande diamante rectangular central, rodeado de pedras mais pequenas. Um atributo simbólico reutilizado pelos reis de Portugal após a outorga do título de Majestade Fidelíssima. O diamante parece ter saído de Portugal no princípio do século XIX na voragem dos inúmeros pagamentos feitos a partir de 1801 à França, e dos empréstimos que foi necessário contrair. 18. A autora pensava que o vinho de Colares era um vinho fortificado como o Vinho do Porto. 19. D. Afonso VI (1643-1683), rei de Portugal governou até 1667, tendo sido preso pelo irmão, D. Pedro, com o apoio da cunhada, a rainha D. Maria Francisca de Sabóia. 20. Gabriel Malagrida (1689-1761). Padre jesuíta, esteve no Brasil, foi chamado a Portugal, em 1751. para se tornar confessor da rainha viúva, D. Maria Ana de Áustria. Em 1756, após o terramoto foi mandado para Setúbal. Preso em 1758, após o atentado ao rei, foi condenado pela Inquisição por crime de lesa-majestade e executado em auto-de-fé. 21. D. Guido Augusto da Câmara e Ataíde (1718-1770), 5.º conde da Ribeira Grande, pelo casamento com a sua sobrinha, a condessa D. Joana Tomásia da Câmara. Primo segundo da marquesa de Távora, foi preso em 1758 e encarcerado no forte da Junqueira. 22. D. Manuel de Sousa (n.1703), senhor de Calhariz, capitão da companhia alemã da Guarda Real, preso na torre do Bugio. o corpo foi sepultado ocultamente no cemitério da Boa Viagem dos frades de S. Pedro de Alcântara. Casara em 1735, em Viena, com Mariana, filha do duque Frederico Guilherme de Schleswig-Holstein. 23. De facto três: D. Filipe João de Sousa (n.1736), que ainda vivia em 1770, D. Frederico Guilherme de Sousa (1737-1790), governador da Índia de 1779 a 1786 e D. João António de Sousa (1748-1769). 24. D. Luís e D. João de Sousa (n.1719). 25. D. Manuel de Mascarenhas (n. 1699), 3.º conde de Óbidos. Descendente por linha materna de D. Dinis de Portugal, filho de Fernando II, 3.º duque de Bragança, era por isso descendente do rei D. João I. 26. D. João Carlos de Bragança (1719-1806), 2.º duque de Lafões, era neto do rei D. Pedro II. De facto a viagem destinava-se a Viena, e a explicação da sua realização está possivelmente na informação que é dada neste trecho das Memórias. Destinava-se a propor o casamento da princesa Maria Benedita com o imperador José de Áustria.
Fonte: Memoirs of the Margravine of Anspach, written by herself, vol. I, Londres, Henry Colburn, 1826 Tradução: Manuel Amaral
Ver também: Biografia de Isabel Craven, marquesa de Anspach
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