As Cortes de Lamego |
As Actas das Cortes de Lamego
|
"Estas
são as leis da herança do nosso Reino...: boas são,
Como
escreveu Luís Reis Torgal, "as actas das cortes de Lamego é um
documento claramente forjado com uma evidente intenção nacionalista. Nele
aparece concretizada a «eleição» do rei, D. Afonso Henriques, pelos
representantes do clero, da nobreza e do povo, e, mais importante ainda, aparece
formalizada uma lei de direito sucessório, inexistente nas nossas Ordenações.
Nessa lei salientavam-se os seguintes pontos: as mulheres tinham o direito de
sucessão e não poderiam casar com estrangeiros ou, no caso de virem a fazê-lo,
nunca o seu marido poderia reinar em Portugal, porque era tido como princípio
sagrado que o pais nunca fosse governado por «estranhos». Segundo
este documento, as referidas cortes ter-se-iam, dado em Lamego, supõe-se que em
1143. Nelas teriam estado presentes procuradores do povo, o que - entre outros
motivos - vem comprovar o carácter apócrifo do documento, dado que nem nas
cortes de Coimbra de 1211 estiveram representantes dos municípios. Após . a «eleição»
de D. Afonso Henrique, feita pelos elementos representativos dos três estados,
há a preocupação de imediatamente se fazerem «leis da herança e sucessão
do Reino». Nos princípios considerados para essas leis parece notar-se a influência
das Alegações de 1580. Transcrevemos da versão portuguesa que Frei António
Brandão faz das «actas» a parte mais elucidativa: «Viva o senhor Rei Dom
Afonso (...) Estas são as leis da herança do nosso Reino, e leu-as Alberto
Cancelário do senhor Rei a todos, e disseram: boas são, justas são, queremos
que valham por nós, e por nossos descentes, que depois vierem». Desta
forma apresentava-se «um documento» que era, por assim dizer, a prova textual
de que, por um lado, D. Catarina poderia ter sido legitimamente rainha de
Portugal e Filipe II não teria qualquer legitimidade para sê-lo. Como se
disse, era evidente que o documento era apócrifo e Frei António Brandão, o
mais íntegro historiador da Monarquia Lusitana, bem o sabia, como parece
poder depreender-se das suas palavras. Mas, de qualquer forma, era de grande
utilidade nacional e, por isso, durante a Restaurarão, nem sequer se hesitou em
relação à sua validade. Ele foi utilizado como lei fundamental do reino para
provar a legitimidade de D. João IV. E
o facto é que não ficou por aqui a sua legitimação - até à vitória do
liberalismo em 1820 as «actas das cortes de Lamego» foram tidas como lei de
sucessão e em 1828 foram de novo invocadas para provar a legitimidade de D.
Miguel." ACTAS
DAS CORTES DE LAMEGO Juntámo-nos
em Lamego na Igreja de Santa Maria de Almacave. E assentou-se o Rei no trono
Real sem as insígnias Reais, e levantando-se Lourenço Viegas procurador do Rei
disse: “Fez-vos
ajuntar aqui o Rei D. Afonso, o qual levantastes no Campo de Ourique, para que
vejais as letras do Santo Padre, e digais se quereis que seja ele Rei.” Disseram
todos: -
“Nós queremos que seja ele Rei.” E
disse o procurador: -
“Se assim é vossa vontade, dai-lhe a insígnia Real.” E
disseram todos: -
“Demos em nome de Deus.” E
levantou-se o Arcebispo de Braga, e tomou das mãos do Abade de Lorvão uma
grande coroa de ouro cheia de pedras preciosas que fora dos Reis Godos, e a
tinham dada ao Mosteiro, e esta puseram na cabeça do Rei, e o senhor Rei com a
espada nua em sua mão, com a qual entrou na batalha disse: -
“Bendito seja Deus que me ajudou, com esta espada vos livrei, e venci nossos
inimigos, e vós me fizestes Rei e companheiro vosso, e pois me fizestes, façamos
leis pelas quais se governe em paz nossa terra.” Disseram
todos: -
“Queremos Senhor Rei, e somos contentes de fazer leis, quais vos mais
quiserdes, porque nós todos com nossos filhos e filhas, netos e netas estamos a
vosso mandado.” Chamou
logo o Senhor Rei os Bispos, os nobres, e os procuradores, e disseram entre si,
façamos primeiramente leis da herança e sucessão do Reino, e fizeram estas
que se seguem.
Viva
o Senhor Rei Dom Afonso, e possua o Reino. Se tiver filhos varões vivam e
tenham o Reino, de modo que não seja necessário torná-los a fazer Reis de
novo. Deste modo sucederão. Por morte do pai herdará o filho, depois o neto,
então o filho do neto, e finalmente os filhos dos filhos, em todos os séculos
para sempre. Se
o primeiro filho do Rei morrer em vida de seu pai, o segundo será Rei, e este
se falecer o terceiro, e se o terceiro, o quarto, e os mais que se seguirem por
este modo. Se
o Rei falecer sem filhos, em caso que tenha irmão, possuirá o Reino em sua
vida, mas quando morrer não será Rei seu filho, sem primeiro o fazerem os
Bispos, os procuradores, e os nobres da Corte do Rei. Se o fizerem Rei será Rei
e se o não elegerem, não reinará. Disse
depois Lourenço Viegas Procurador do Rei, aos outros procuradores: -
“Diz o Rei, se quereis que entrem as filhas na herança do Reino, e se quereis
fazer leis no que lhes toca?” E
depois que altercaram por muitas horas, vieram a concluir, e disseram: -
“Também as filhas do senhor Rei são de sua descendência, e assim queremos
que sucedam no Reino, e que sobre isto se façam leis”, e os Bispos e nobres
fizeram as leis nesta forma. Se
o Rei de Portugal não tiver filho varão, e tiver filha, ela será a Rainha
tanto que o Rei morrer; porem será deste modo, não casará se não com Português
nobre, e este tal se não chamará Rei, se não depois que tiver da Rainha filho
varão. E quando for nas Cortes, ou autos públicos, o marido da Rainha irá da
parte esquerda, e não porá em sua cabeça a Coroa do Reino. Dure
esta lei para sempre, que a primeira filha do Rei nunca case senão com português,
para que o Reino não venha a estranhos, e se casar com Príncipe estrangeiro, não
herde pelo mesmo caso; porque nunca queremos que nosso Reino saia fora das mãos
dos Portugueses, que com seu valor nos fizeram Rei sem ajuda alheia, mostrando
nisto sua fortaleza, e derramando seu sangue. Estas
são as leis da herança de nosso Reino, e leu-as Alberto Cancheler do senhor
Rei a todos, e disseram, boas são, justas são, queremos que valham por nos, e
por nossos descendentes, que depois vierem. E
disse o Procurador do senhor Rei. –
“Diz o senhor Rei. Quereis fazer
leis da
nobreza, e da justiça?” E
responderam todos: -
“Assim o queremos, façam-se em nome de Deus”, e fizeram estas. Todos
os descendentes de Sangue Real, e de seus filhos e netos sejam nobilíssimos. Os
que não são descendentes de Mouros ou dos infiéis Judeus, sendo Portugueses
que livrarem a pessoa do Rei ou o seu pendão, ou algum filho, ou genro na
guerra sejam nobres. Se acontecer que algum cativo dos que tomarmos dos infiéis,
morrer por não querer tornar a sua infidelidade, e perseverar na lei de Cristo,
seus filhos sejam nobres. O que na guerra matar o Rei contrário, ou seu filho,
e ganhar o seu pendão seja nobre. Todos aqueles que são de nossa Corte, e têm
nobreza antiga, permaneçam sempre nela. Todos aqueles que se acharam na grande
batalha do Campo de Ourique, sejam como nobres, e chamem-se meus vassalos assim
eles como seus descendentes. Os
nobres se fugirem da batalha, se ferirem alguma mulher com espada, ou lança, se
não libertarem ao Rei, ou a seu filho, ou a seu pendão com todas suas forças
na batalha, se derem testemunho falso, se não falarem verdade aos Reis, se
falarem mal da Rainha ou de suas filhas, se forem para os Mouros, se furtarem as
coisas alheias, se blasfemarem de nosso Senhor Jesus Cristo, se quiserem matar o
Rei, não sejam nobres, nem eles, nem seus filhos para sempre. Estas
são as leis da nobreza, e leu-as o Chanceler do Rei, Alberto, a todos. E
responderam: “boas são, justas são, queremos que valham por nós, e por
nossos descendentes que vierem depois de nós.” Todos
os do Reino de Portugal obedeçam ao Rei e aos Alcaides dos lugares que aí
estiverem em nome do Rei, e estes se regerão por estas leis de justiça. O
homem se for compreendido em furto, pela primeira, e segunda vez o porão meio
despido em lugar público, aonde seja visto de todos se tornar a furtar, ponham
na testa do tal ladrão um sinal com ferro quente, e se nem assim se emendar, e
tornar a ser compreendido em furto, morra, pelo caso, porem não o matarão sem
mandado do Rei. A
mulher se cometer adultério a seu marido com outro homem, e seu próprio marido
denunciar dela à justiça, sendo as testemunhas de crédito, seja queimada
depois de o fazerem saber ao Rei e queime-se juntamente o varão adultero com
ela. Porem, se o marido não quiser que a queimem, não se queime o cúmplice;
mas fique livre; porque não é justiça que ela viva, e que o matem a ele. Se
alguém matar homem seja a quem quer que for, morra pelo caso. Se alguém forçar
virgem nobre, morra, e toda sua fazenda fique a donzela injuriada. Se ela não
for nobre, casem ambos, quer o homem seja nobre, quer não. Quando
alguém por força tomar a fazenda alheia, vá dar o dono querela dele à justiça,
que fará com que lhe seja restituída sua fazenda. O
homem que tirar sangue a outrem com ferro amolado, ou sem ele, que der com
pedra, ou algum pau, o Alcaide lhe fará restituir o dano e o fará pagar dez
maravedis. O
que fizer injúria ao Agoazil, Alcaide, Portador do Rei, ou a Porteiro, se o
ferir, ou lhe façam sinal com ferro quente, quando não 50 marevedis, e
restitua o dano. Estas
são as leis de justiça e nobreza, e leu-as o Chanceler do Rei, Alberto, a
todos, e disseram: -
“Boas são, justas são, queremos que valham por nós, e por todos nossos
descendentes que depois vierem.” E
disse o Procurador do Rei, Lourenço Viegas: -
“Quereis que o Rei nosso senhor vá ás Cortes do Rei de Leão, ou lhe dê
tributo, ou a alguma outra pessoa tirando o senhor Papa que confirmou no
Reino?” E
todos se levantaram, e tendo as espadas nuas postas em pé disseram: -
“Nós somos livres, nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertarão, o senhor
que tal consentir, morra, e se for Rei, não reine, mas perca o senhorio.” E
o senhor Rei se levantou outra vez com a coroa na cabeça, e espada nua na mão
falou a todos: -
“Vós sabeis muito bem quantas batalhas tenho feitas por vossa liberdade, sois
disto boas testemunhas, e o é também meu braço, e espada; se alguém tal
coisa consentir, morra pelo mesmo caso, e se for filho meu, ou neto, não
reine”: e disseram todos: “boa palavra, morra o Rei se for tal que consinta
em domínio alheio, não reine”; e o Rei outra vez: -
“Assim se faça, etc.”
|
Fonte:
A ler também:
Outros
documentos políticos
|
Página
Principal
|
| A Imagem da Semana | O
Discurso do Mês | Almanaque | Turismo
histórico | Estudo da história |
| Agenda | Directório
| Pontos de vista | Perguntas
mais frequentes | Histórias pessoais
| Biografias |
| Novidades | O
Liberalismo | As Invasões Francesas | Portugal
Barroco | Portugal na Grande Guerra
|
| A Guerra de África | Temas
de História de Portugal | A
Grande Fome na Irlanda | As
Cruzadas |
| A Segunda Guerra Mundial
| Think Small - Pense pequeno ! | Teoria
Política |
© Manuel Amaral 2000-2010