A GUERRA EM MOÇAMBIQUE.

- A VISÃO ALEMÃ -

 

A GUERRA EM TERRA ESTRANHA

Desde a entrada na colónia oriental portuguesa até ao armistício

 
Aldeia incendiada

Askaris Alemães incendeam uma aldeia, numa
cena do filme The African Queen.

 

A LESTE DO LUDJENDA

A patrulha do Capitão Otto, que o Capitão Tafel havia mandado ao meu encontro após a sua rendição, chegou a Chirumba, onde me informou detalhadamente sobre o que se havia passado até aquela data. O Capitão Otto, com mais duas companhias, marchava agora para Luambala e tomava o comando do destacamento de Goering (três companhias). A principal pressão inimiga fez‑se sentir, como se esperava, tanto em Luambala como na margem leste do Ludjenda. Evidentemente que, se o inimigo avançasse rio abaixo, a minha situação em Chirumba, na margem oeste do rio, numa região já empobrecida e com o rio a transbordar na minha retaguarda, era extremamente desfavorável.

Era necessário mudar de posição e deslocar a minha força, enquanto era tempo, para a margem leste. Infelizmente não foi possível passar o rio a vau em virtude da cheia, e a travessia teve que ser feita com três canoas.

As companhias foram passando gradualmente para a margem leste sem serem incomodadas. O problema das subsistência tornava-­se cada vez mais difícil. Para sorte nossa, o Capitão Koehl, que tinha empregado os indígenas da região do Medo e Namunu em cultivar o cereal mais temporão, no que eles eram muito hábeis, informava que podíamos confiar numa boa colheita para meados de Fevereiro. E desta maneira, devíamos tentar permanecer em Chirumba mais algum tempo. Os fungos começavam a brotar e a desenvolver‑se nesta época, e foram tão bem vindos como o maná para os filhos de Israel... Já anteriormente, na Alemanha, me havia dedicado ao estudo destas espécies, e assim, rapidamente reconheci que estes fungos eram em tudo semelhantes aos nossos cogumelos alemães. Colhi-os, por vezes, aos cestos, num curto espaço de tempo e, embora em excesso provocassem difíceis digestões, a verdade é que foram uma ajuda importante para a nossa alimentação.

Marchámos para leste debaixo duma chuva torrencial. As ravinas, anteriormente secas, apresentavam-nos agora torrentes formidáveis. As árvores, derrubadas convenientemente sobre a corrente tornavam a passagem fácil, e esta fazia-se com o auxílio de cordas que serviam de corrimão, e que eram ligadas a estacas ou a barcas ligadas entre si. Sofri bastante com a malária nesta época, e por isso montava uma mula que tal como os outros animais de sela que haviam escapado ainda ao caldeirão, passou o rio a nado. Logo que chegámos ao novo acampamento os meus serviçais construíram-me um abrigo de capim sobre o qual estenderam os meus panos de tenda para me protegerem da humidade.

O Veterinário Huber – responsável por estes trabalhos para com o meu Estado Maior, auxiliado pelo meu cozinheiro Baba – começou imediatamente a trabalhar, e por muito molhado que estivesse o mato, podíamos sempre, num curto espaço de tempo, tomar as nossas refeições junto ao campo de tiro. O Dr. Huber conseguia muitas vezes construir-nos um bom alpendre de capim.

Nos dias de sol, o tabaco era cortado e secado afanosamente. O Tenente Quartel Mestre Beteh tinha recursos para tudo e muito particularmente para o que dizia respeito a confortos, e já havia pensado maduramente na maneira de arranjar bom tabaco. A despeito disto, havia muitas privações, e o certo é que as promessas que o inimigo fazia a todos os indígenas que desertassem, que seriam enviados para as suas terras, onde ficariam em liberdade e conforto, não encontravam orelhas moucas. Até um moleque dum oficial, que o havia servido durante muitos anos com muita fidelidade, desapareceu numa bela manhã. Provavelmente a sua Bibi (mulher) já achava que tinha tempo de campanha suficiente.

O destacamento do Capitão Otto marchou de Uambala para Mahua, sobre o rio Lurio, onde encontrou uma região rica em géneros. O destacamento de Goering, que marchara de Luambala através do mato para Mtende, encontrou pelo caminho grande quantidade de subsistências. Nesta região faziam-se as colheitas muito mais cedo que na nossa Colónia  - o milho começava a amadurecer e já se podia comer em grande quantidade. O Quartel General deslocou-se, em seguida, de Chirumba para Mtende, e, alguns dias depois, para Nanungu. O destacamento de Wahle, que nos havia seguido de Chirumba para Mtende, foi isolado por diversas companhias inimigas que apareceram inesperadamente numa posição à sua retaguarda, e que interromperam os serviços de ligação e transportes. 0 General Wahle desembaraçou-se engenhosamente desta situação desconfortável, e conseguiu aproximar-se mais do Quartel General, em Nonangu.

Postal patriótico
© DHM

Postal patriótico alemão representando o exército, a marinha e as tropas coloniais.

Encontrámos aqui víveres em abundância e recomeçámos o estabelecimento de postos de racionamento e depósitos de géneros na região entre Nanungu e Namuna, e ainda mais para o sul. Havia muito boa caça, e os indígenas apresentavam-se voluntariamente com os produtos das hortas e com mel, para os trocarem por fato e por carne. Apareceram muito a tempo uns frutos muito doces que amadureciam aos milhões em Nanungu. Eu preferia come-los em conserva. Ainda encontrámos outras especialidades, como por exemplo, tubaras O cantar dos galos proclamava bem alto e a distancia a existência de ovos e galináceos pelo campo.

O início da estação das chuvas não coincidiu bem com a precisão dos indígenas. Houve algumas bátegas de água violentas, mas esta escoava-se rapidamente para o rio Msalu, a principal linha de água da região, que em pouco tempo se encheu por forma a constituir um obstáculo forte. 0 dirigente dos serviços postais, Hartmann, que se havia alistado como sargento-mor, construiu uma ponte sobre este rio, ligando. nos com as forças do General Wahle, que estavam ainda na margem oeste. Os suportes desta ponte eram constituídos por botes feitos dos troncos das arvores. A necessidade de transpor os rios desta região tinha-me atraído a atenção para este assunto. Até aqui os únicos instrumentos para estas contingências resumiam-se em meia dúzia de canoas. O transporte contínuo destas era difícil, e a sua capacidade, muito limitada. Um agricultor de nome Gerth que se havia alistado como voluntário, interessou-se especialmente por este assunto, e fez-se instruir pelos indígenas na construção daqueles botes. As sucessivas experiências produziram óptimos resultados, e, em virtude da rápida construção, eram entusiasticamente transportados pelas companhias para atravessarem os rios. Embora muitos não chegassem a servir, davam-nos contudo um grande sentimento de segurança, pois, em caso de necessidade, a mais volumosa das correntes não seria intransponível para as nossas caravanas e bagagens.

Quando nos relacionámos melhor com os arredores, descobrimos os vaus do Msala que se podiam aproveitar mesmo na época das grandes cheias. As nossas patrulhas, sob o comando do Sargento Valett e doutros, partiram do nosso acampamento fortificado de Nanungu, atravessando o rio que lhe servia de limite oeste, afim de reconhecerem o inimigo em Mtende. Uma destas patrulhas, particularmente forte e armada com duas metralhadoras, surpreendeu com bom resultado uma coluna inimiga, a oeste de Mtende. Os nossos, contudo, não fugiram a tempo de se escaparem ao grosso das forças inimigas e, atacados por todos os lados, viram-se numa situação muito difícil. Perderam-se as duas metralhadoras e morreram as suas guarnições. Os askaris voltaram gradualmente para Nanungu, mas o comandante da patrulha, o Sargento-Mór Musslin, foi feito prisioneiro, por se ter isolado dos ou durante a marcha.

Uma outra patrulha, com a qual o Capitão Müler havia atravessado o Msalu para o Norte, desalojou rapidamente um pequeno posto inglês de Lusinje. O Tenente Wienholt, que, como já referimos, se havia tornado um dos melhores comamdantes de patrulhas, foi capturado nos arredores desta localidade. Os indígenas da região estavam completamente dominados pelas patrulhas inglesas e actuavam como espiões a troco de panos e doutros artigos. O voluntário Gerth, o dirigente da construção dos botes já referidos, foi atacado e morto por uma patrulha inglesa quando se encontrava na casa dum chefe indígena.

Na segunda quinzena de Março de 1918, o nosso moral era altamente levantado pelas noticias recebidas pela nossa estação de telegrafia sem fios, acerca do poderoso avanço alemão na frente ocidental. Apostei com o médico do Estado Maior e com o Cirurgião Tente que Amiens cairia dentro de pouco tempo. Durante o descanso, que foi ainda de algumas semanas, entretive-me a cuidar dum pé, que havia sido atacado pela «matacanha» e me incomodava muito. Estas pulgas que infestavam muitos acampamentos, introduzem-se na carne em volta das unhas, e, segundo a opinião dos médicos, o grande número de indigenas que se encontra com os pés decepados deve tal enfermidade às terríveis «matacanhas». Também sofri desse mal e a inflamação produzida foi tão grande que, graças á intervenção cirúrgica de Tente, foi-me extraída a unha sem dor.

Tive ainda outro incomodo grande. Durante um reconhecimento feri o olho direito numa folha de capim muito alto. Durante o tratamento não podia usar lunetas, com receio de que se produzisse atrofia, e o resultado foi que não podia ler letra manuscrita, nem observar os croquis. Foi um desastre ainda maior, porque a minha vista esquerda estava tão enfraquecida em virtude dam ferimento que recebi durante a rebelião dos Hottentotes, na África Ocidental alemã, que me era impossível ver sem lunetas. E assim me vi na necessidade de executar vários empreendimentos sem ver capazmente. As patrulhas do destacamento de Koehl, na região Medo-Nanunga, haviam no entretanto alcançado a costa, depois de terem tomado os postos portugueses sobre o rio Lurio e para o sul deste tendo capturado algumas peças, espingardas, munições e grande quantidade de géneros. Os indígenas mostravam-se muito reconhecidos para com as nossas tropas, considerando-as como libertadoras da opressão portuguesa. As patrulhas do destacamento de Otto haviam também reconhecido a região de Mahua até ao sul do Lurio. O Tenente Methner, muito conhecedor dos costumes indígenas, e primeiro «referant» do nosso governo, louvava muito a capacidade e habilidade dos indígenas da Colónia portuguesa e a inteligência e largas vistas dos seus chefes locais.

Lettow-Vorbeck
© DHM

Lettow-Vorbeck em 1918

O Tenente von Scherbening, que havia tomado a Bôma Malema com a sua patrulha, informava que os arredores eram muito férteis e produtivos. Como espécimen enviou-nos um porco capturado em Nanungu. Como este recusasse andar teve que ser transportado durante uma marcha de 500 quilómetros. Só no fim se reconheceu não ser um porco europeu, mas sim um porco Pori, semelhante aos que abatíamos no mato.

Mais uma vez nos vimos em sérias dificuldades para obter noticias do inimigo, mas alguma coisa pudemos conjecturar pelos mapas de que disponhamos, ainda que incompletos. Não me restavam dúvidas de que as operações iminentes inimigas seriam lançadas dos arredores de Porto Amélia, com o grosso das forças vindo da costa. A aparição de fortes contingentes inimigos em Mtenda, bem como a informação, embora não confirmada, de que as tropas inimigas marchavam de sudoeste em direcção a Mahua, mostravam-me que outras tropas, vindas de oeste, viriam cooperar no próximo ataque ao grosso das nossas forças. Estava-se desenvolvendo uma situação em que eu podia fazer uso da minha linha interior para atacar separadamente uma parte das forças inimigas. A situação destas, com respeito a reservas e subsistências, indicava claramente que as colunas que marchavam de oeste não podiam ser demasiadamente fortes. Era esta a oportunidade por que eu esperava há muito tempo. E assim, permaneci com o grosso das forças em Nanungu e mandei recolher, do Lurio, o destacamento do Capitão Otto. Tencionava tomar a ofensiva com estas forças, na direcção de oeste. O Capitão Koehl, que tinha o seu destacamento reunido no Medo, foi encarregado de dificultar a marcha do grosso das forças inimigas que avançava de Porto Amélia, devendo retirar gradualmente na minha direcção.

O Capitão Muller que, depois dalguns anos de trabalho no Quartel General, tomara o comando dum destacamento independente de duas companhias, recebeu ordem para partir dos arredores de Nanungu para Mahua, e fatigar o inimigo tanto quanto possível. Quando se aproximava de Mahua surpreendeu um depósito de géneros fortificado a sudoeste daquela localidade. As forças europeias inglesas que o guarneciam, reconhecendo a impossibilidade de o defenderem, e para não perderem tudo, caíram sobre o stock de licores do acampamento, e foram feitos prisioneiros completamente embriagados.

Em meados de Abril avancei em direcção a Mahua, ouvindo-se durante a marcha um grande e longínquo tiroteio. Em Koriwa, a nordeste de Mahua, um batalhão inimigo, sob o comando do Coronel Barton, que andava em reconhecimento, foi imediatamente atacado pelas nossas forças durante a marcha. Apesar de terem tomado parte nesta acção apenas 70 espingardas, conseguimos envolver o flanco direito do inimigo que fugiu desabridamente depois de se fazer incidir sobre ele um denso fogo de metralhadoras, colocadas à retaguarda dum grande morro de formiga branca. O inimigo perdeu quarenta soldados nesta acção. O 2.º Comandante Wunderlich, ferido gravemente no abdómen, foi conduzido para o hospital de Nanungu, a dois dias de marcha, onde morreu pouco depois.

O golpe final que tencionava dar com o grosso das forças já tinha sido vibrado com óptimos resultados pelo fraco destacamento de Muller. Visto isto, voltei para oeste de Nanungu. Neste meio tempo chegava ao rio Msalu uma grande força inimiga, cujas patrulhas já haviam atravessado o rio. Saíu-me errado o cálculo de que podia surpreende-la logo após a travessia, pois as informações recebidas não eram correctas. Contudo, numa série de acções secundárias sobre o rio e para oeste deste, as nossas patrulhas causaram, gradualmente, severas baixas ao inimigo, cujas patrulhas evacuaram em breve a margem leste do Msalu. Em 3 de Maio, as nossas patrulhas de requisição, enviadas na direcção de Mahua, surpreenderam nos arredores de Saidi fortes destacamentos inimigos que ameaçavam seriamente o nosso hospital e os depósitos de subsistências.

Metralhadora

© DHM

Metralhadora alemã

Parte das provisões tinham sido retiradas à pressa para Makoti por as operações terem derivado mais para oeste. As patrulhas de combate, que foram lançadas imediatamente, tiveram vários encontros com o inimigo, junto da serra de Kireka, em Makoti. Julguei a princípio tratar-se apenas de patrulhas inimigas, e nesta persuasão mandei ali em reforço o Capitão Schultz com uma patrulha forte, e eu próprio marchei, em 4 de Maio, com o grosso, para a estrada Nanungu-Mahua. Esperava poder fazer deste ponto um ataque rápido às forças inimigas que tentavam surpreender-nos. A situação esclareceu-se completamente quando soubemos que as patrulhas haviam encontrado o inimigo junto à serra de Kireka. Havia sido repelido um destacamento inimigo e era provável que forças importantes estivessem entrincheiradas à retaguarda.

Na manhã de 5 de Maio marchei do meu acampamento para Makoti. Durante a marcha tive sinceras esperanças que o inimigo nos pouparia da necessidade de fazermos o ataque às suas posições fortificadas e que, em face da situação geral, não seria impossível que saísse dos seus entrincheiramentos para nos dar batalha em campo raso. Se isto acontecesse era quase certo um triunfo apreciável, e obtivemos os melhores resultados atacando com o grosso das forças antes do inimigo estar prevenido da nossa chegada.

Quando, às 11 horas da manhã, cheguei à serra de Kireka  continuei em frente afim de me encontrar com o Capitão Schultz que ocupava algumas pedreiras, no mato, com a sua patrulha. Logo que cheguei, um «sol» (Sargento-Mor indígena) que havia chegado dum reconhecimento, informou-me que o inimigo avançava com grande efectivo e que devia estar a surgir na nossa frente. Comuniquei o facto ao Tenente Boell que acabava de conduzir a sua companhia para a retaguarda do destacamento de Schultz, dando-lhe instruções para avançar imediatamente em caso de ataque. Voltei a retaguarda para ordenar o avanço das nossas companhias que chegavam uma após outra. No entretanto começava a luta na frente. O inimigo, avançando em ordem unida, obrigou a retirar das pedreiras as nossas patrulhas, mas foi parcialmente repelido por ter sido surpreendido pelo fogo eficaz das metralhadoras de Boell. O destacamento de Goering, que chegou no momento oportuno, iniciou um movimento envolvente pela direita e surpreendeu o inimigo, que foi rapidamente repelido com grande número de baixas. Depois duma perseguição renhida de algumas milhas, atingimos os entrincheiramentos inimigos. No nosso flanco esquerdo, para onde se tinham mandado mais duas companhias, o combate esteve bastante indeciso, e foi-me difícil, dentro dum mato tão denso, distinguir amigo de inimigo. Isto aconteceu, é claro, algum tempo antes de poder fazer uma ideia clara da situação naquele flanco, e antes de receber uma comunicação do Major Kraut, que eu havia mandado em reconhecimento, pela qual deduzi que o nosso flanco esquerdo, ao avançar numa clareira, havia caído sob o fogo fulminante do inimigo que o obrigou a parar. O inimigo contra-atacou, chegando quase ao Quartel General cuja situação me pareceu ainda perigosa. Com muita felicidade, e precisamente neste momento, o Tenente Buechsel, cuja companhia se havia destacado do grosso e que por esta razão, chegou mais tarde, entrou em acção e conseguiu afastar o perigo.

Entretanto, no flanco direito, o Capitão Goering compreendera que um ataque de frente sobre as trincheiras inimigas não oferecia probabilidades de bom êxito. Em vista disto, ordenou ao Tenente Meier que envolvesse a posição inimiga com uma forte patrulha com o fim de, da retaguarda, fazer incidir o seu fogo sobre os lança morteiros e capturá-los se fosse possível. A captura não se fez porque o inimigo dispunha de reservas inesperadas que mantiveram a patrulha de Meier sempre à distância.

O combate, desta maneira, tornou-se indeciso. Trocavam-se tiros de parte a parte quase às cegas. Quando anoiteceu estávamos mesmo em frente do inimigo. A escrituração – mesmo em África havia que escrever, embora menos do que usualmente – foi suspensa durante o combate. Havia sempre grande número de ordens e comunicações para escrever. De tempos a tempos podia falar pessoalmente com os comandantes das companhias, e reunia-os com esse fim. Mudava de posição o menos possível para evitar dificuldades e demoras inconvenientes na recepção e transmissão da correspondência.

Na retaguarda construía-se uma cozinha onde se preparou uma refeição para as unidades. Nós, no Quartel General, tínhamos sempre a nossa habitual refeição preparada pelos criados indígenas que a conduziam mesmo à linha de fogo quando era necessário.

Askari alemão


© DHM

Askari alemão, desenhado em 1915

Mandei retirar da primeira linha algumas forças, a que se passou revista, com o fim de ter na mão as tropas necessárias para qualquer eventualidade. Cheguei à conclusão de que seria conveniente ficar durante a noite onde estávamos para iniciarmos prontamente o combate no dia seguinte, e especialmente para tomarmos a água ao inimigo que certamente estaria fora do acampamento.

Perto da meia noite foi-me comunicado que uma das nossas patrulhas tinha encontrado uma forte coluna inimiga no caminho Nanungu-Mahua. Receei que esta coluna, que julguei importante em face do seu movimento independente, avançasse sobre Nanungu e capturasse os nossos armazéns de víveres, munições e medicamentos que estavam no caminho, e ainda o depósito de Nanungu. Por consequência retirei durante a noite com a maior parte das forças, via Mukoti, sobre o caminho Nanungu-Mahua. Ficaram apenas algumas fortes patrulhas em frente do inimigo, que não observaram que o inimigo evacuava a posição durante a noite e retirava para Mahua. Em 6 de Maio reconheceu-se que a comunicação que eu havia recebido acerca da coluna inimiga no caminho Nanungu-Mahua não era correcta. O inimigo não passou ali.

 

O Capitão Muller, ouvindo o fogo dos morteiros de trincheira ingleses, avançou a marchas forçadas do seu acampamento a nordeste de Mahua que, à primeira vista, parecia ter sido tomado pelo inimigo. Quando chegou ao campo de batalha verificou que o inimigo havia retirado, tendo sido completamente batido, e dispunha de quatro companhias, uma companhia de metralhadoras, num total de mil homens, a julgar pelas suas fortificações. A nossa força contava com pouco mais de 200 espingardas (éramos 62 europeus e 342 askaris). O inimigo teve 14 europeus e 11 askaris mortos, 3 europeus e 3 askaris prisioneiros. O seu hospital com cerca de 100 feridos caía em nosso poder depois de levarem alguns dos feridos, segundo as informações dos indígenas. As nossas perdas foram: 6 europeus, 24 askaris e 5 outros indígenas mortos; 10 europeus, 67 askaris e 28 outros indignas feridos.

Enquanto se alcançava este êxito consolador contra as colunas inimigas de oeste, o destacamento de KoehI tinha estado empenhado em combates contínuos, frequentes vezes em grande escala, contra as divisões do inimigos que avançavam de Porto Amélia sobre Nanungu. A oeste do Medo, o inimigo sofreu um grande número de baixas num combate, segundo o seu próprio relatório. O Capitão Spangenburg tinha conseguido envolver o inimigo com as suas duas companhias, caindo sobre uma bateria de obuses de campanha, colocada à retaguarda, capturando-a. Foram mortos quase todos os homens e cavalos desta bateria. Não foi possível, infelizmente, transportar as peças e munições, tendo sido capturadas inutilmente. A despeito deste bom êxito individual, o destacamento de KoehI teve que retirar. Aproximava-se o momento em que a minha intervenção com este destacamento podia produzir um resultado decisivo contra o General Edwards. Mais uma vez ainda, a questão das subsistências me embaraçou os movimentos. As colheitas da região tinham sido esgotadas, com excepção da mtama que amadurece muito mais cedo aqui que na nossa Colónia. Mas não estava ainda madura, pelo que tivemos que a amadurecer artificialmente, secando-a, com o fim de evitar uma retirada por falta de víveres. O cereal tornou-se assim utilizável e, como era abundante, todos se forneceram à vontade, não faltando nunca.

O estado das colheitas permitiu-me marchar com o núcleo principal das forças mais para sudoeste, na direcção de Mahua, e acampar junto á serra de Koroma, não muito longe da serra de Timbani. Tencionava marchar mais para o sul, em caso de necessidade, com o fim de me aproveitar das colheitas abundantes da fertilíssima região da confluência dos rios Mahua e Lurio. A oeste da serra de Timbani, o terreno era favorável para uma acção decisiva contra o General Edwards, que estava perseguindo o destacamento do Capitão Koehl, a sudoeste de Nanungu. O terreno acidentado e extraordinariamente rochoso, junto da serra, e até quatro milhas para nordeste desta, para onde havia retirado o destacamento de Koehl, não se prestava para o ataque decisivo que eu tinha em vista. Em 21 de Maio, os acampamentos inimigos, a oeste da posição daquele destacamento, foram denunciaados pelo fumo. Calculei que este novo inimigo marchasse em 22 para lhe cortar a retirada, e infelizmente não ordenei a Koehl que retirasse imediatamente da sua posição desfavorável para sudoeste da serra de Timbani. Dei-lhe apenas instruções que o deixaram entregue á sua iniciativa.

Desta forma, aconteceu que o destacamento de Koehl só no dia 22 conseguiu pôr os carregadores em marcha com bagagens e munições. Ainda assim tudo estaria bem se o Governador, que se havia ligado à divisão de Koehl, não marchasse na sua frente. Este, não compreendendo a gravidade da situação, fez um grande alto nesta região desfavorável, expondo-se a um ataque de surpresa a cada momento, não se assegurando para uma defesa eficaz. Os carregadores de Koehl, não obstante a ordem em contrário, permitiram-se também fazer um alto. Na manhã deste dia, reconheci mais uma vez a região favorável a sudoeste da serra de Timbani, e encontrei, entre outros, o Tenente Kempner, que havia sido levado para a retaguarda por ter sido ferido no dia anterior com o destacamento de Koehl. Ouvia-se desde manhã um grande tiroteio para os lados das forças de KoehI, tendo sido repelidos alguns ataques inimigos. Como havia comunicação telefónica com Koehl retirei cerca das 11 horas para Koroma, sem fazer uma pálida ideia da situação. Entrava no acampamento ao meio dia, quando subitamente ouvi o rebentamento estrondoso, a pouca distância, dos morteiros de trincheira, sem dúvida entre as nossas forças e as de Koehl. A comunicação telefónica foi interrompida quase simultaneamente naquela direcção. Não havia outra alternativa senão a de marchar imediatamente com o total das minhas forças contra este novo inimigo. Embora o terreno se não prestasse, tive esperanças de poder atacá-lo por surpresa e infligir-lhe uma derrota decisiva. Chegámos à serra de Timbani em menos duma hora donde repelimos o destacamento avançado inimigo. Alguns indígenas tresmalhados informaram-me que a coluna de carregadores do Governador e do Capitão Koehl tinha sido surpreendida pelo inimigo, perdendo-se todas as bagagens. Que o próprio Governador tentara ir-se embora, dizendo outros que tinha ficado prisioneiro. No entretanto o inimigo abria um fogo intenso com os lançadores de morteiros e era atacado por diversos lados pelas nossas companhias. O inimigo ocupava uma boa posição onde se entrincheirou e guardou as bagagens apreendidas. Infelizmente apenas pudemos capturar parte delas, depois de termos cercado a posição e sujeitado o inimigo ao nosso fogo concentrado e terrível. Segundo um comunicado que apreendemos mais tarde, só o 1.º King African Rifles perdeu cerca de duzentos homens.

Neste cerco tomaram parte várias patrulhas e companhias do Capitão Koehl, que por sua vez já tinha atacado este novo inimigo com o grosso das suas forças, pela retaguarda, enquanto deixava uma forte patrulha fazendo frente ao primitivo inimigo. Esta foi repelida tendo que ser reforçada com tropas do destacamento de Koehl. Embora, no conjunto, o inimigo tivesse sofrido um considerável número de baixas, não foi possível alcançar uma vitória decisiva. O fogo interrompeu-se à noite, durante a qual retirámos para as boas posições que eu tinha reconhecido entre as serras de Timbani e Koroma.

No entretanto, o Governador caminhava em direcção desta serra, tendo perdido todos os seus haveres na aventura, embora fosse abastecido por Heder – um oficial inferior, mas um valoroso e cauteloso chefe da sua coluna de subsistências. Também eu lhe prestei algum auxílio na sua adversidade, honrando-o com um bonito par de meias azuis que sua esposa me havia feito no princípio da guerra, e que infelizmente haviam desbotado.

Aparte a perda grave de 70.000 carregadores, perdemos também uma soma considerável de notas na importância aproximada de 30.000 rupias. Não me havia sido satisfeito o desejo de dar notas de requisição em vez de notas de banco, para evitar perdas desnecessárias em taxas de segurança. Imprimiram-se milhões de notas de rupias, fardo este que, na presente situação da guerra, se tornava demasiado pesado e inconveniente. E assim, na intenção de evitar no futuro perdas semelhantes, o Quartel Mestre, em cumprimento das minhas ordens, destruiu grande parte daquelas notas que tantos trabalhos e incómodos provocaram.

 

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Fonte:  

General Lettow-Vorbeck,
As Minhas Memórias da África Oriental
, tradução de Abílio Pais de Ramos,

Évora, Minerva, («Subsídios para a História de Portugal na Guerra»), 1923

A ver também:

Portugal na Grande Guerra

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