A GUERRA EM MOÇAMBIQUE.

 

2. DEPOIS DA DECLARAÇÃO DE GUERRA A PORTUGAL (1916-1917)

 

Quionga
 Entrada das forças portuguesas em Quionga 

 

A REOCUPAÇÃO DE QUIONGA

O ressurgimento de Moçambique, depois duma estagnação durante séculos, foi marcado em 1891, pela fixação das fronteiras da Colónia. Defrontando-nos ao norte com a nascente e ambiciosa colónia alemã, foram muitas as dificuldades levantadas para a fixação da fronteira, sendo um facto típico, que a Alemanha assinava, com poucos dias de intervalo, dois tratados em que na foz do Rovuma nos reconhecia fronteiras diferentes 1. Demoradas negociações diplomáticas se arrastaram até que em 1894, o Governador da África Oriental Alemã fez arvorar a bandeira do seu país na baía de Quionga, única povoação de importância, no chamado triângulo de Quionga, que tinha uma área aproximada de 45o quilómetros quadrados, de terrenos relativamente valiosos para culturas de palmares e arrozais, área pequena mas valorizada por abranger a margem sul da foz do Rovuma, ficando a entrada do grande rio fronteiriço na mão dos alemães. 

O interesse do Governo da Metrópole e do Governador Geral de Moçambique, em que a expedição tomasse como objectivo imediato a ocupação de Quionga, era compreensível, não só para reparar uma afronta, mas também para atingir o objectivo militar de cooperar com os ingleses, ocupando a margem sul do Rovuma na parte mais rica junto à sua foz, tendo em vista passar para a margem norte e ocupar território inimigo. 

A zona de operações de fronteira, definida pelo Rio Rovuma, sendo enorme, árida e aberta, ficou marcada aqui e acolá por alguns episódios e acções de campanha falhos de ligação; em regra, os alemães abandonaram, numa e noutra margem do Rovuma, as regiões do litoral, onde os Aliados dispunham das comunicações marítimas para o transporte e abastecimento das tropas, preferindo os alemães retirar para combater ' no interior, onde marchavam desembaraçadamente, enquanto os Aliados se arrastavam com lentidão. 

Conhecida em Moçambique a declaração de guerra da Alemanha a Portugal, feita a 9 de Março de 1916, logo o Governador começou com mais insistência a incitar a apatia da expedição. Os termos categóricos "ordeno V. Ex.ª faça directa e telegraficamente Lisboa pedidos necessários mobilização de forças... " constam de um telegrama datado do dia seguinte para o Comandante da expedição. 

Em fins de Março organizou-se em Porto Amélia um pequeno destacamento mito, sob o comando do Major Portugal da Silveira, com uma companhia de infantaria 21, uma bateria de artilharia de montanha (m/82) e um pelotão de cavalaria, tendo por fim ocupar Quionga e fazer um reconhecimento ofensivo na direcção de Mikindani, Lindi, tentando fixar-se nestas cidades inimigas. O destacamento foi transportado, em princípios de Abril, no nosso pequeno vapor Luabo, até Palma, onde incorporou forças indígenas. O Major Silveira marchou pelo caminho arenoso de Palma para Quionga, cerca de 12 quilómetros, com as referidas forças e a 20.ª companhia indígena, ocupando, em 10 de Abril de 1916, esta localidade que os alemães tinham abandonado, deixando no entanto algumas trincheiras construídas. 

Em 23 de Abril embarcaram em Porto Amélia, com destino a Palma, onde chegaram em 24, as restantes forças da expedição, à excepção de grande parte do esquadrão de cavalaria, por falta de acomodações para o gado a bordo do Limbo. 

Depois da reocupação de Quionga, tratou-se de efectivar a ocupação do chamado "triângulo de Quionga", terreno abandonado pelo inimigo, para o que se estabeleceram na margem direita do Rovuma os postos auxiliares de Namaca, Namiranga, Namôto e Nachinamoca 2. Estes postos, com o de Nhica, 34 quilómetros a montante deste último, constituíram uma linha ele postos de cobertura com uma frente de uns 50 quilómetros até ao mar, que devia servir de base para a nossa ofensiva, cujo objectivo seriam as cidades de Mikindani e Lindi, no litoral alemão, respectivamente a 25 e 60 quilómetros da foz do Rovuma. Em frente dos nossos citados postos, encontravam-se na margem esquerda do rio, os postos inimigos da Fábrica, Migomba, M'chinga, Marunga e Tchidia.

Palma

Desembarque em Palma

O desembarque em Palma e a marcha para Quionga, por terrenos alagados pelas recentes chuvas, exigiram um grande esforço, enchendo desde logo os hospitais improvisados. Quionga possuía três casas comerciais e uma centena de palhotas. Assim como os seus palmares tinham uma aparência de jardim, mas um clima mortífero, também esta aparente mente fácil ocupação de Quionga e dos postos militares ele vigilância no Rio Rovuma levara aos hospitais quase todas as praças da expedição. Tão pequeno avanço representava um esforço balizado por três hospitais, acrescentando um peso morto que paralisava a expedição. A povoação e palmar de Quionga eram de tal modo insalubres que para levantar os barracões para hospital foi escolhida uma ponta arenosa junto do mar, mas sem água potável. 

Umas 400 espingardas, artilharia, metralhadoras e cavalaria, ocuparam o triângulo de Quionga; 545 doentes, julgados incapazes pelas juntas de saúde, retiraram de lá três meses depois, embarcando em 29 de Julho, no Zaire, que os foi buscar à baía de Quionga, onde foi este, provavelmente, o maior navio que até então ali tinha entrado. Os estudiosos não encontram relatórios do Serviço de Saúde; estes serviços foram ainda mais improvisados do que as tropas combatentes, mas os ensinamentos colhidos de tanta miséria foram esquecidos, porque os serviços de saúde das tropas coloniais não se encontram ainda eficazmente organizados nas nossas grandes colónias africanas. 

Nós tínhamos proporcionalmente muitíssimo mais doentes europeus do que os aliados ou o adversário, porque os nossos soldados não tinham a mínima ideia de higiene e nos graduados, era aterrador o número de sifilíticos, tuberculosos e impaludados; bocas inúteis na campanha e embaraço constante para os alimentar e transportar. Os nossos soldados não queriam beber água fervida, porque lhes repugnava o cheiro e sabor, que no mato se lhe não pode tirar; para tomarem quinino era preciso obrigá-los. Se o vapor Zaire não fosse buscá-los a Quionga, mais de metade dos doentes lá ficariam sepultados 3

Na véspera da chegada das nossas tropas os alemães tinham abandonado Quionga e passado para a margem norte do Rovuma. 

Não obstante todos os incitamentos feitos pelo Governador Geral com o fim ele se tomar a ofensiva, o comando da 2.ª expedição dispersava as forças por numerosos postos de vigilância da extensa linha fronteiriça, tirando à expedição a possibilidade de exercer uma acção ofensiva oportuna e cuja possibilidade de êxito era de prever, porquanto os alemães, em consequência dos resultados eficazes da acção das tropas britânicas no litoral, não estavam em condições de oferecer enérgica resistência.

AS ACÇÕES NO ROVUMA DE ABRIL A JUNHO DE 1916

No domingo de Páscoa de 1916 (23 de Abril) os alemães fizeram fogo de metralhadoras, da margem norte do Rovuma, sobre o nosso posto de Namoto, o que deu lugar ao abandono precipitado deste posto pelo pelotão que o guarnecia, constituído por landins, que mau grado seu e com visível indignação - seguiram o exemplo dos seus graduados europeus, retirando para Quionga. Aí foi reorganizado o pelotão que, com outros graduados, voltou a ocupar o posto. 

Nos primeiros dias de Maio foi este reforçado com duas peças de artilharia (de bronze m/ 82) que para ali marcharam, de Quionga, onde se encontravam desde 21 de Abril, sob o comando do tenente Ferreira da Fonseca. Foi esta artilharia que, contra a opinião sensata do seu comandante mas em cumprimento de ordens superiores, bombardeou em 7 de Maio e dias depois - com granadas com balas, porque outras não podia utilizar - os postos alemães da Fábrica e de Naurunga, com resultados, como era de prever, absolutamente nulos. 

A 18 de Maio o Governador Geral embarcou em Lourenço Marques para o Rovuma acompanhando os reforços que conseguira mobilizar na Colónia, formando uma companhia europeia de infantaria montada da Guarda Republicana de Lourenço Marques e uma companhia indígena da mesma unidade (a qual era considerada de elite, tendo todos os seus oficiais o curso da sua arma), outra companhia indígena e uma bateria de artilharia de montanha.


Ofensiva dos portugueses em 1916

O nosso cruzador Adamastor chegou à baía do Rovuma em 19 de Maio e desde logo começou a cooperar com a expedição nos reconhecimentos para a passagem do rio com pequenas embarcações, sendo nesse serviço auxiliado pela canhoneira Chaimite. Em 21, duas lanchas a vapor do Adamastor entraram no Rovuma e, subindo o rio fazendo continuamente fogo sobre a margem inimiga, atracaram a esta margem. Uma pequena força de marinha desembarcou junto do posto da Fábrica (fábrica alemã de preparação de algodão) e incendiou tudo quanto era combustível, palhotas e cercados, sem que o inimigo disparasse um tiro. O Adamastor e a Chaimite cooperaram, com a sua artilharia, bombardeando a fábrica. Entretanto, alguns pangaios com tropas e abastecimentos nossos entravam pelo rio para reforçar e reabastecer os postos militares da margem sul, suprindo a falta dos nossos elementos de transporte que foram sempre escassos. 

A 23, tentou a marinha, com as suas lanchas, novo desembarque no mesmo posto, mas foi alvejada pelas metralhadoras alemãs, pelo que teve de retirar com três mortos e seis feridos. Foi então resolvido tentar-se a passagem do Rovuma, em força, com a cooperação da marinha. Assim, em 27 de Maio, tenta-se uma passagem à viva força, sob o comando do major Moura Mendes, assistindo o Governador de bordo do cruzador Adamastor. Organizaram-se duas colunas na margem sul, para atravessarem o rio, tendo por objectivo principal a Fábrica na margem alemã. As baleeiras do Adamastor rebocadas pelos seus dois vapores armados de peças de 37 mm e metralhadoras, transportaram as forças nos pontos da travessia onde não havia vau. Antes de se tentar a passagem, efectuou-se uma preparação de artilharia, das 8 ás 9 horas, com as duas baterias de montanha, a de 7,5 TR (Canet) e a de bronze (m/82), cooperando as artilharias do Adamastor e da Chaimite. Assim foi bombardeada a margem inimiga, nas imediações da Fábrica, cabendo à bateria Canet, que apoiava o avanço da coluna da esquerda, a frente inimiga a montante deste posto alemão.

Transporte de feridos

Carregadores transportando
doentes e feridos

Às 9 horas tentou-se a passagem do rio, embarcando em baleeiras a coluna da direita, formada por uma companhia europeia e outra indígena, que atravessaram o rio naquele local livre de ilhas. 

A coluna da esquerda que, entre as duas margens, tinha, para apoiar o seu ataque, quatro ilhas dispostas em escalão, avançou de ilha para ilha, atravessando os canais, ora a vau ora em baleeiras, e conseguiu atingir a última ilha, a uns 150 metros da margem alemã. Foi então alvejada por intenso fogo de metralhadoras que uma divisão ele artilharia Canet, sob o comando do próprio comandante da bateria, capitão Mota Marques, conseguiu calar, da primeira ilha, para onde tinha avançado e onde tomara posição. Mas quando as baleeiras da coluna da direita se aproximam a 200 metros da margem norte, os alemães abrem um intenso fogo de duas metralhadoras, que dizima as nossas tropas fazendo encalhar as baleeiras e desorganizando a flotilha que retira com três oficiais e trinta praças mortos, quatro oficiais e vinte praças feridos; dois oficiais e seis praças ficaram prisioneiros. 

A artilharia que apoiava esta coluna foi impotente, pela deficiência do seu material, para realizar eficazmente este apoio; a bateria de Namaca, do comando do tenente Ferreira da Fonseca, dispunha de 4 velhas peças de bronze (7 m/82) funcionando pessimamente e duas das quais se inutilizaram durante o combate; as munições de artilharia da Chaimite (47 mm) não eram também as próprias para apoiar uma ofensiva desta natureza. 

Em vista do malogro da coluna da direita, foi dada ordem de retirada à coluna da esquerda, retirada que uma metralhadora alemã ainda teria incomodado se a divisão avançada de artilharia, acima citada, não a tivesse calado ao terceiro tiro.

Posto de abastecimento

Um posto de abastecimento

O combate, que uns chamam "de Namiranga", outros talvez mais propriamente, "de Namaca" por ter tido maior intensidade em frente do posto deste nome, terminou às 15 h 30 m. 

Representou um grande esforço, bem executado embora menos bem projectado, mas mal sucedido. Este insucesso paralisou a 2.ª expedição durante quatro meses e inutilizou a sua acção ofensiva, mantendo-se contudo a reocupação da margem sul do Rovuma. 

Numerosas acções se registaram neste período posterior à declaração de guerra, tendo esses pequenos combates o mesmo aspecto do ataque alemão ao nosso posto de Maziúa. 

Pequenas forças alemãs vinham atacar os nossos postos desde o Oceano Índico até ao Lado Niassa e com fortuna vária terminavam os assaltos, que não podiam ter continuidade em vista do isolamento dos postos, mas conseguiam do lado alemão manter o espírito ofensivo, enquanto do nosso lado nos enervavam fazendo-nos enfraquecer o espírito combativo. 

O Governador Geral Álvaro de Castro diz, com desolação, no seu relatório, que os factos denunciaram do nosso lado uma situação passiva, de inacção, desgastando terrivelmente a capacidade física e o estado moral das tropas. 

Não obstante, a nossa artilharia conseguiu fazer malograr algumas tentativas de ataque dos alemães, nomeadamente as que tiveram por objectivo Namóto, nos dias 6, 13 e 19 de Junho e 1 de Julho. 

O Governador, com o seu entusiasmo patriótico, iludira-se dando ao valor numérico das tropas uma capacidade ofensiva que a expedição estava longe de atingir. Foi ele que deu o maior impulso para a imediata passagem do Rovuma, antes mesmo de chegar a Guarda Republicana de Lourenço Marques, que era a tropa com melhor espírito de corpo. Ele também contrariou o telegrama de Lisboa em que se aconselhava não iniciar a ofensiva antes da chegada ao Rovuma das forças expedicionárias, que nesse mês de Maio deviam embarcar em Lisboa. 

Do insucesso da tentativa resultou maior prudência e demoradas preparações para a passagem do rio que ia tentar-se novamente em Setembro próximo. 

Em 26 de Junho, a Legação Britânica em Lisboa pedia ao Governo Portuguès que fossem recrutadas forças indígenas em Lourenço Marques para ficarem sob as ordens do General Smuts. E na mesma data, o Ministério da Guerra informava não haver inconveniente, "antes muito desejava prestar mais esse concurso para o fim comum que os dois Governos tinham em vista." 

Enquanto os nossos Aliados assim pretendiam utilizar ao máximo forças indígenas (como os alemães utilizaram, com tanto êxito, os seus ascaris). Portugal persistia em enviar sucessivas expedições de tropas da Metrópole, fracamente preparadas para resistirem ao clima numa campanha prolongada como esta. 

Assim ia partir, em meados de 1916, a 3.ª expedição de forças metropolitanas para a nossa África Oriental.

A 3.ª EXPEDIÇÃO A MOÇAMBIQUE (1916) 

Foi a mais forte expedição que, concentrada, enviámos ao Ultramar 4. Os três batalhões dos regimentos de infantaria n.os 23, 24 e 28, recrutados em Coimbra, Aveiro e Figueira da Foz, deviam ter uma certa coesão regional, pelas suas tradições e costumes, mas infelizmente esse regionalismo foi antes uma origem de insubordinação. Tinha sido resolvido, para remediar a falta de instrução militar. que os três batalhões se concentrassem na Escola de Infantaria, em Mafra, para serem submetidos a uma intensiva instrução; como, porém, fosse preciso improvisar graduados, tiraram-se aos batalhões os mancebos ilustrados 5, para se formarem com eles escolas ele quadros. Entretanto o batalhão de Coimbra, onde existe sempre latente a rivalidade entre estudantes e futricas, teve a impressão ele que o favoritismo era o motivo para excluir os estudantes de marcharem para a África, pelo que se propagou logo uma insubordinação de protesto contra o rancho, em todos os batalhões, os quais apressadamente foram então mandados para Lisboa, onde se distraíram mas não receberam instrução e ficaram impunes, dando assim unia fraca impressão de disciplina. A preocupação de manter a disciplina levou o Governo a nomear para Comandante da 3.ª expedição o General Ferreira Gil, que não tinha experiência colonial, nem os seus estudos profissionais se orientavam nesse ramo de conhecimentos militares, como ele diz no seu relatório com que esclareceu o Ministro quando foi nomeado para o Comando. Era, porém, o referido oficial considerado muito disciplinador, tendo obtido a medalha de Valor Militar, por ter dominado uma insubordinação ocorrida no regimento de infantaria 29, na qual fora ferido. O relatório do General foi facultado à Imprensa em Dezembro de 1917, para se tirarem efeitos políticos contra o Governo anterior que nessa ocasião caíra violentamente; mas na verdade, o relatório não tinha qualquer feição política, da qual o General sempre se conservara afastado. 

Comando da 3.ª expedição

O comando da 3.ª expedição a Moçambique:
Major Azambuja Martins, chefe do Estado-Maior, general Ferreira Gil, o comandante e o major Moura Mendes, comandante da 2.ª expedição.

A particularidade mais impressionante da organização desta expedição era incorporarem-se nela as forças da expedição anterior, que já estavam completamente esgotadas. 

Sendo a baía de Palma, ao Sul de Quionga, muito assoreada e sem cais, foram extenuantes os serviços de desembarque, aliás dirigidos infatigavelmente pelo tenente de marinha João Belo, devendo ainda notar-se que aproveitámos muito material apreendido aos próprios alemães nos nossos portos. 

Reconhecendo se que as tropas brancas resistiam mal ao clima, começámos a improvisar dez companhias indígenas com uma instrução de recrutas de quatro meses, quando, segundo as tradições, eram precisos quatro anos para formar um bom soldado indígena. 

A alimentação das tropas indígenas e europeias foi um difícil problema que teve de se resolver na ocasião, havendo infelizmente muitos abusos dos fornecedores de víveres. A alimentação, sendo intimamente ligada à higiene, foi sempre uma causa de baixas nos efectivos por doenças. Os chefes dos serviços administrativos e de saúde tinham boa vontade de acertar, mas era a primeira vez que iam às Colónias e estavam fatigados, não chegando a demorar-se ali senão cinco meses. 

À semelhança das expedições anteriores, também desta nada consta em registos, relatórios ou publicações acerca dos serviços de saúde tão importantes em campanhas coloniais 6. Isto é sintomático, e assim se poderá compreender o fraco rendimento destas expedições, que se assemelhavam a castelos de cartas, desmoronando-se pela falta de coesão, logo ao primeiro choque, enquanto o Governo de Lisboa, olhando simplesmente aos efectivos, incitava para se tomar a ofensiva e invadir a colónia alemã. 

Embarque para Moçambique

Embarque de infantaria 23 no «Moçambique»

As forças expedicionárias de 1916, saíram de Lisboa nos vapores Portugal a 28 de Maio, Moçambique a 3 de Junho, Zaire a 24 de Junho, Machico a 28 de Junho e Amarante a 8 de Julho. Depois no vapor Beira embarcaram mais, de improviso, 432 praças de infantaria 21, transferidas para as Colónias, nos termos do Regulamento Disciplinar, por se terem insubordinado; estes homens formavam duas companhias, só com 8 sargentos castigados e sem enquadramento de oficiais, apresentando-se sem capacetes de feltro e só com os fatos de mescla com que deviam seguir para França. 

Conforme as palavras do General, "revestiram um carácter de pessimismo verdadeiramente alarmante" as deficiências de organização; contudo, para fazer embarcar a expedição, desenvolveram-se actividades febris na improvisação de recursos, porque os assuntos previamente estudados eram nulos e tudo, ou quase tudo, era preciso improvisar. 

Em 3 e 5 de Julho de 1916 chegam a Palma, onde nada estava preparado para o desembarque, os vapores Portugal e Moçambique com os batalhões de infantaria 24 e 23, transportando o Moçambique também o Quartel General. Diz o General no seu relatório: "impressionou-me o pouco ou nenhum cuidado em cumprir as ordens do Ministro das Colónias, tendentes a beneficiarem as tropas e resguardarem haveres da Fazenda Nacional." 

Entretanto, em 1916, os ingleses, com um maior núcleo de tropas sul-africanas, tendo no ano anterior ultimado a conquista do Sudoeste Africano Alemão, lançam uma grande ofensiva, vindo do Norte, com três reduzidas Divisões, e de Março a Setembro de 1916 varrem os alemães da parte mais rica da colónia, tomando-lhes o grande caminho de ferro central, de 1.268 quilómetros, que liga o Oceano Índico ao Lago Tanganica, e ocupando a capital administrativa Dar-es-Salam, em 4 de Setembro.

Todas as informações inglesas eram unânimes em considerar a campanha terminada. Parece agora oportuno dedicar alguma atenção ao esforço belga, que nesta campanha da África Oriental evidenciou uma personalidade militar e colonial, para nós exemplar. 

Depois de o governo belga ter procurado, por intermédio da França e Inglaterra, manter a neutralidade da bacia do Congo, vendo frustrada essa orientação pelos ingleses, que disseram ser conveniente bater a Alemanha em toda a parte onde pudesse ser atingida 7, começou um notável trabalho de organização militar no Congo Belga. 

Para Comandante das forças belgas foi escolhido em 1914 o Major Tombeur, sendo-lhe dadas sucessivas promoções até entrar em operações, já General, em 1916. As forças belgas mobilizadas no Congo são elevadas a 23.000 indígenas. A linha de comunicações subia o Rio Zaire ou Congo, aproveitando alguns troços de caminho de ferro, e tinha a extraordinária extensão de dois mil quilómetros desde o Oceano Atlântico até ao Lago Tanganica. Só com uma íntima cooperação de autoridades administrativas, dotadas de grande capacidade, se poderiam movimentar mais de 30.000 homens numa ofensiva sobre a colónia alemã. 

Os belgas organizaram duas brigadas a dois regimentos de três batalhões a três companhias. Cada regimento dispunha de 9.000 carregadores e um hospital móvel. 0 serviço de saúde foi dirigido em campanha por um professor da Universidade de Lovaina 8

0 movimento ofensivo dos belgas foi dirigido, em 1916, sobre a capital histórica da Colónia, Tabora, onde entraram primeiro do que os ingleses, em 19 de Setembro, data da nossa passagem do Rovuma. Os belgas também consideravam a campanha terminada. 

Para nós, portugueses, ela ia começar e duramente.

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Notas:

1. General Teixeira Botelho, História Militar e Política dos Portugueses em Moçambique de 1833 aos nossos dias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921, pág. 286. (regressar ao texto)

2. O "Conselho Supremo das Potências Aliadas e Associadas" reconheceu o território recuperado como pertencente a Portugal, na qualidade de proprietário originário e legítimo. Consequentemente, foi esse território restituído à Nação Portuguesa pela lei n.º 962 de 2 de Abril de 1920, lei que confirmou o Tratado de Paz de Versalhes. (Min. Neg. Estr. - Mémoire justificatif des réclamations portugaises, Lisbonne 1923). (regressar ao texto)

3. As ordens de serviço de Julho de 1916 encontram-se carregadas de movimento de doentes, a par de instruções do Comando sobre higiene. (Arquivos do Estado Maior do Exército, Ministério das Colónias e Quartel General de Moçambique).
Sob o ponto de vista sanitário - como aliás sob vários outros - foram as nossas forças expedicionárias às Colónias bem mais infelizes e mais duramente sacrificadas que as do Corpo Expedicionário à França.
Aos males próprios do clima juntaram-se os males da organização improvisada e ainda os males dos homens que criminosamente puseram acima dos seus deveres humanitários e de probidade os seus interesses gananciosos de homens de negócio. Entram nesta última categoria os fornecedores de leite podre e de remédios assassinos, como lhes chama um ilustre oficial médico, que fez parte da 3.ª expedição a Moçambique, Dr. Américo Pires de Lima.
Do seu interessante livro, ainda recentemente publicado, Na Costa d'África, respigámos os seguintes períodos edificantes:
"... Em certa altura começou a aparecer leite esterilizado de Lisboa. Espantou-me o facto, pois sabia muito bem que o leite de Lisboa, mesmo o fresco, era dos mais ordinários do mundo. Como é que surgiu em plena cidade de Lisboa uma ou mais fábricas de leite esterilizado, com o pretensioso rótulo de saudável leite puro? O milagre tinha explicação fácil: o leite, ao serem abertas as latas, geralmente aparecia podre e exalava um cheiro repelente. Imagine-se o espectáculo de um desgraçado, cheio de febre, a vomitar tudo, a quem se dava, como mimo dietético, uma lata de leite que, ao ser aberta, exalava um perfume capaz de fazer vomitar as tripas a um avestruz..." E mais adiante, referindo-se a um patriota fornecedor de medicamentos, diz: "... Mas o pior é que o tal fornecedor punha o zelo patriótico muito acima do zelo profissional, de modo que os medicamentos, desde a apresentação até à preparação, eram tudo que podia haver de mais reles. Cada injecção de quinino era um abcesso; cada injecção de arrenal era uma escara (traduza-se - placas de gangrena).. " etc. (Nota da Direcção).  (regressar ao texto)

4. Constituída por Decreto de 25 de Maio de 1916, a expedição compreendia: 3 batalhões de infantaria, 3 baterias de metralhadoras, 3 baterias de artilharia de montanha, 1 companhia mista de engenharia (sapadores-mineiros, telegrafistas e pontoneiros), elementos dos serviços de saúde, administrativos e de transportes. Efectivo total: 159 oficiais, 4.483 praças, 945 solípedes. (O. do E. n.º 12, 2.ª série, 1916). (regressar ao texto)

5. Decreto n.º 2.367, de 1 de Maio de 1916, sobre Escolas Preparatórias para Oficiais Milicianos.  (regressar ao texto)

6. Existe hoje o interessantíssimo depoimento do Dr. Américo Pires de Lima, Na Costa d'África. Memórias de um médico expedicionário a Moçambique, Gaia, Pátria, 1933, aparecido já depois de escrito este capítulo. (Nota da Direcção).  (regressar ao texto)

7. Com. J. Buhrer. L'Afrique Orientale 1914 - 1918. Cita, a pág. 70, os documentos do Livro Cinzento Belga. (regressar ao texto)

8. Idem, pág. 92. (regressar ao texto)

Fonte:  

Coronel Eduardo Azambuja Martins, «A campanha de Moçambique»,
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 143-153

A ver também:

Portugal na Grande Guerra

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