Batalha do Buçaco
Museu Militar
Batalha do Buçaco

 

2. A Batalha

 

ATAQUE DO 2.º CORPO

 

Às 7 horas da manhã do dia 27 de Setembro, a um sinal dado, a divisão Merle do 2.° corpo avançou da posição em que se concentrara na véspera. Fazia então um espesso nevoeiro.

Logo a seguir a Santo António do Cântaro, a divisão deixou a estrada e desenvolveu-se no terreno à direita, terreno coberto de mato e bastante arborizado.

Em 1.ª linha avançava a brigada Sarrut, constituída pelos regimentos n.os 2 e 36 (ambos a 3 batalhões), e que se fazia preceder por uma linha de atiradores. A esquerda daquela brigada vinha o regimento n.º 4. A retaguarda seguia o regimento n.º 15, servindo de reserva da divisão. A divisão Heudelet vinha ainda marchando pela estrada, trazendo na frente o regimento n.º 31 e à retaguarda os regimentos n.os 17, 70 e 47. A artilharia fora tomar posição no cabeço a sudoeste de Santo António.

O terreno por onde o 2.° corpo ia avançando não era muito difícil.

A brigada Sarrut repeliu os postos avançados inimigos e, impulsionada com vigor, levou diante de si também o regimento português de infantaria n.º 8.

Conseguindo desta forma estabelecer-se na crista, os franceses separaram a divisão Leith da divisão Picton.

Da mesma forma o regimento n.º 4 da brigada Graindorge consegue atingir a crista, e, fazendo uma conversão à direita, procura envolver o flanco da divisão Picton.

O nevoeiro tinha-se já então dissipado, vendo-se agora perfeitamente o desenvolvimento das forças francesas. Wellington, que se estabelecera no cabeço próximo a este ponto de ataque, deu imediatamente as suas ordens. Seis peças de artilharia rompem o fogo, metralhando as colunas francesas, que não podiam ser apoiadas pela sua artilharia, e que, fatigadas por uma marcha extenuante de mais de uma hora, mostraram-se hesitantes e recuaram.

Então o general Picton tomou a ofensiva com os regimentos ingleses n.os 88 e 45, aos quais se juntou também o nosso regimento de infantaria n.º 8, já então reorganizado. Estes três regimentos deram uma descarga cerrada à distância de 20 passos, e, cruzando baionetas, levam adiante de si os soldados inimigos, que retiram pela encosta na maior desordem.

Os nossos soldados, cheios do mais patriótico brio, foram os que mais se distinguiram nessa famosa carga à baioneta. Wellington teceu os maiores elogios aos bravos soldados de infantaria n.º 8.

O inimigo teve um grande número de baixas.

Foram mortalmente feridos o general Graindorge, os coronéis dos regimentos n.º 2 e 4, e muitos outros oficiais.

Os regimentos da divisão Merle, não tendo sido oportunamente apoiados pela reserva (regimento n.º 15), retiraram para o sopé da montanha, onde se foram reunindo por grupos.

A brigada do general Foy, que se demorara em Santo António do Cântaro, procurando evitar que fosse arrastada na debandada, avançou pouco depois, procurando levar no seu movimento os restos dispersos da brigada Sarrut; mas a marcha foi lenta e pouco regular, e o general Foy, depois de ter tido sucessivamente morto dois cavalos que montava, foi ele próprio ferido gravemente num braço, sendo transportado para o posto de curativo, que os franceses tinham em Alcordal.

A Brigada Foy não pôde sustentar o choque das forças inimigas, que tinham vindo em auxílio da divisão Picton. Eram a 1.ª brigada da divisão Leith, que avançara da portela da Oliveira, e uma brigada da divisão Spencer.

O regimento inglês n.º 74 e os regimentos portugueses n.os 9 e 21 (brigada Champalimaud) atacaram a brigada Foy, enquanto os regimentos de Picton com a brigada de Spencer repeliam a brigada Sarrut, que, já com os efectivos reduzidos a metade, pouca resistência ofereceu.

Os franceses foram repelidos com perdas enormes. Reynier, tendo apenas a brigada Arnaud como reserva e vendo convergir para o local do combate uma parte das forças de Hill, resolveu retirar para o vale para reorganizar as suas forças e esperar o resultado do ataque do 6.° corpo.

 

ATAQUE DO 6.º CORPO

 

Coronel de Infantaria

© Revista Militar

Coronel de Infantaria portuguesa

Segundo as ordens de Massena, os ataques do 2.° e 6.° corpos deviam ser simultâneos, e, como o terreno a percorrer pelo 2.° corpo era mais fácil do que devia percorrer o 6.° corpo, este deveria iniciar primeiro do que aquele o seu movimento, para que se pudesse executar o plano do general em chefe.

- Não sucedeu porém assim, visto que o 6.° corpo começou o movimento mais de uma hora depois do 2.°, de forma que, quando este já retirava desordenado, é que aquele começou o seu ataque.

Primeiro avançou a divisão Loison, que logo próximo de Moura saiu para a direita do estrada.

A brigada Ferrey tomou por uma ravina, que permitia uma fácil subida, enquanto a brigada Simon, desenvolvendo-se mais à direita, avançava pela escarpa, que conduz mesmo em frente de Sula.

A divisão Marchand continuou seguindo a estrada. A brigada Simon foi a primeira a sofrer o fogo do inimigo; mas a pesar de perder filas inteiras, conseguiu chegar até ao esporão ocupado pela divisão Craufurd, repelindo o nosso batalhão de caçadores n.º 3, e obrigando a artelharia a retirar, deixando 3 peças.

O general Simon marchava na frente da sua brigada, e ele mesmo se apoderava duma das peças deixadas pelo inimigo, quando três descargas sucessivas dadas a 15 passos, e uma chuva de metralha, produziram perdas enormes, caindo o general Simon gravemente ferido, e ficando prisioneiro.

Ás descargas dos regimentos ingleses (n.os 43, 45 e 52), seguiu-se uma terrível carga à baioneta, em que tomou parte caçadores n.º 3.

Os franceses vieram de roldão pela encosta, e os feridos só eram detidos pelas árvores.

Não tivera melhor sorte a brigada Ferrey, que atacara a brigada Coleman, sendo dizimada pelo fogo desta e atacada de flanco pelo nosso regimento de infantaria n.º 9.

O coronel, comandante do regimento francês n.º 66, foi morto.

Toda a divisão Loison foi obrigada a retirar, vindo reformar-se à retaguarda de Moura.

A divisão Marchand, que marchava à retaguarda da divisão Loison, seguiu a estrada, tanto quanto lhe foi possível, a pesar do fogo que lhe dirigia a brigada Pack; mas quando viu a desordenada retirada da divisão Loison, obliquou para a esquerda, indo abrigar-se num pinhal.

Nesta manobra, porém, apresentou o flanco ao inimigo, sofrendo perdas tão consideráveis, que perdeu a coesão.

A 1.ª brigada desta divisão foi a que experimentou mais perdas. O seu comandante, general Maucune, foi gravemente ferido; o coronel Amy, comandante do regimento n.º 6, caiu morto.

O outro regimento desta brigada, o n.º 69, perdeu 480 homens (1/3 do efectivo).

A divisão Marchand ainda se conservou no pinhal, respondendo ao fogo do inimigo; mas sem ousar tomar a ofensiva. Por fim, o seu comandante, eram 4 horas da tarde, teve de pedir a suspensão do fogo para poder levantar os feridos.

A divisão Mermet, que constituía a reserva do 6.° corpo, não chegou a entrar em acção.

A derrota era completa nos dois corpos de exército.

Estes, separados por mais de 4 quilómetros, tinham combatido desligados, não coordenando os seus esforços.

A falta de simultaneidade nos ataques permitira a Wellington fazer deslocar contra o 6.° corpo francês uma parte das forças que tinha no centro da posição.

Do 8.° corpo, que constituía a reserva geral, ainda foi mandada deslocar a divisão Clausel para ir apoiar o 2.° corpo, enquanto a divisão Solignac com a cavalaria ficavam a retaguarda das alturas de Moura para sustentar o 6.° corpo.

Massena, que se conservara durante a batalha junto aos moinhos de Moura, julgou mais prudente não prolongar a luta.

Os dois exércitos voltaram a ocupar quase as mesmas posições do dia 26, continuando ainda até à noite um fogo pouco intenso por parte dos postos avançados.

 

As perdas 

 

Generais franceses

© Musée de l'Armée

Generais franceses

Os franceses perderam perto de 4:500 homens, sendo 225 oficiais.

Ficaram prisioneiros 36 oficiais e 25o praças de pré.

Foi morto o general Graindorge; e ficaram feridos os generais Merle, Foy, Maucune e Simon, tendo este sido feito prisioneiro.

Caíram mortos os coronéis Meunier, do regimento n.º 31; Amy, do n.º 6 e Berlier, do n.º 36.

Foram feridos os coronéis Merle, do n.º 2 ; Desgraviers, do n.º 4; Lavigne, do n.º 70; e Bechaud, do n.º 66.

Foram igualmente feridos 13 comandantes de batalhão e numerosos capitães e subalternos.

Segundo um ofício enviado por Wellington ao nosso ministro da guerra, D. Miguel Pereira Forjaz, o exército inglês, perdeu 40 oficiais, mortos ou feridos, e 560 praças de pré. As tropas portuguesas tiveram 31 oficiais, mortos ou feridos, e 571 praças de pré.

Ficaram prisioneiros dos franceses 1 oficial inglês e 50 praças de pré, sendo 20 portuguesas.

Durante a batalha a capela do Encarnadouro serviu de hospital de sangue ao exército anglo-luso,3.

*

*        *

Logo que em Coimbra se recebeu a notícia da vitória alcançada pelo exército anglo-luso, houve iluminações, músicas, bailes, repiques de sinos e outras manifestações de regozijo:

No dia 28 de manhã todo o exército anglo-luso estava formado no terreno do combate.

Reinava a o maior entusiasmo nos exércitos aliados.

Os oficiais ingleses não cessavam de elogiar o comportamento das tropas portuguesas.

As músicas de todos os regimentos vão sucessivamente tocando à medida que b general em chefe lhes vai passando revista. Os vivas e os urras são contínuos. Uma franca alegria se mostrava no rosto de todos. Estaria terminada a guerra

Retirariam os franceses para a fronteira ?

Eis as perguntas que faziam os oficiais ingleses, que desejavam, não menos que os portugueses, ver terminada a guerra.

 

Torneamento da posição do Buçaco pelo exército francês

 

Reconhecimento

O general Montbrun descobre uma estrada na esquerda da posição luso-britânica

As consideráveis perdas sofridas pelo exército francês levaram Massena à convicção que era temerário renovar o combate e que melhor seria tornear a posição.

Por onde se efectuaria esse torneamento ?

Pela direita, ou pela esquerda da Serra do Buçaco ?

Segundo diz um oficial português, que vinha no quartel general de Massena, este, tendo chamado alguns dos oficiais portugueses, perguntara-lhes qual o. caminho melhor que havia para tornear a posição, e como estes não lho soubessem indicar, increpou-os violentamente, chamando então o general Montbrun para enviar os generais Soult, Sainte-Croix e Lamotte em diversas direcções em procura dum caminho que permitisse a marcha torneante às tropas francesas.

O general Soult com o capitão de engelharia Boucherat foi reconhecer os caminhos que conduziam ao Mondego, tendo em vista uma marcha por Penacova para a Ponte da Mucela.

Aquele general apenas encontrou .o caminho que conduz de Mortágua a Gondolim, onde existia um vau no Mondego; seguindo na outra margem pelo Coiço à Ponte da Mucela ; mas foi também informado que aquela posição estava ocupada por tropas inimigas.

Além disto, a marcha naquela direcção era feita muito próxima. do -inimigo, que poderia rapidamente concentrar ali as suas forças.

Portanto Massena, pôs de parte uma tentativa de torneamento pela direita da posição do Buçaco.

Por seu turno o general Sainte-Croix, explorando os arredores de Mortágua com o tenente Mascarenhas, encontrara um campónio, a quem o oficial português interrogou e que declarou haver um caminho praticável à artilharia e que ligava Mortágua com a estrada que ia de Tondela por Tourigo ao Sardão, admirando-se que na marcha de Vizeu para Mortágua não tivessem visto essa estrada 4.

Sainte-Croix comunicou imediatamente esta notícia a Massena (às to horas da manhã do dia 28, segundo uns e as 3 horas da tarde, segundo outros), que ordenou ao general Montbrun que marchasse com toda a sua cavalaria e com a brigada Sainte-Croix a explorar todo o caminho, servindo o camponês de guia.

Ao mesmo tempo enviava brigadas de sapadores para repararem a estrada nos pontos em que se tornasse necessário.

O general Montbrun chegava ao Boialvo depois do meio-dia, e reconhecia a existência dum bom caminho, seguindo daqui a Avelãs do Caminho, não havendo necessidade de ir ao Sardão para entrar na estrada do Porto a Coimbra. ,

Enviou imediatamente Montbrun o seu relatório a Massena, e ao mesmo tempo tomava todas as medidas para se assegurar do desfiladeiro do Boialvo. Para isso fez ocupar o Boialvo por um regimento da brigada Sainte-Croix e escalonou os outros dois até às alturas que dominam a povoação; colocou a artilharia a cavalo e um outro regimento em Vale de Carneiros e três outros na Aveleira.

Informado Massena da possibilidade do torneamento, deu as ordens necessárias para a marcha dos corpos de exército.

Tornava-se, porém, necessário que o inimigo não tivesse conhecimento da marcha que se ia efectuar.

Durante a tarde do dia 28 foram reforçados alguns dos postos avançados e o fogo recomeçou em quase toda a frente, chegando Wellington a convencer-se que a batalha se renovaria na manhã de 29.

Ao aproximar-se a noite, quando foi informado que forças importantes de cavalaria francesa ocupavam o Boialvo e que patrulhas tinham sido encontradas na estrada para a Mealhada, é que reconheceu as intenções de Massena.

Então, em vez de dirigir parte das forças a interceptar a estrada do Porto a Coimbra, enquanto com as restantes deveria cair sobre a retaguarda das colunas inimigas, deu, pelo contrário, ordem para evacuação da posição, retirando apressadamente sobre Coimbra.

A divisão Hill atravessou apressadamente o Mondego, não em Penacova, como era mais natural, mas na Raiva, donde se dirigiu à Ponte da Mucela, e tomando depois a estrada do Espinhal.

As outras divisões seguiram, umas pela estrada do Botão e Eiras, e as outras pela Mealhada.

A divisão ligeira do general Craufurd, que seguiu por esta última estrada, constituiu a retaguarda até que o parque chegou a Fornos, pois a partir daqui foi a sua guarda confiada à cavalaria do general Cotton.

O comissariado retirou de Penacova para a Figueira da Foz, onde embarcou para Peniche.

De Coimbra eram evacuados precipitadamente os depósitos de víveres e os hospitais, ficando porém ali muitos doentes, confiados à guarda dum destacamento português. ,

A entrada desordenada do exército anglo-luso em Coimbra foi uma verdadeira surpresa, pois ainda não tinham terminado as festas, celebrando a vitória do Buçaco.

Que enorme confusão se produziu então dentro da cidade! Apressadamente, alguns habitantes procuraram embarcar os seus haveres para a Figueira, mas a maior parte dos barcos partiram sem completar o carregamento, tanto era o receio de ver aparecer de um para outro momento os franceses!

Entretanto estes realizaram a marcha sobre o Boialvo em difíceis condições.

Tendo deixado bastantes feridos no campo de batalha, e que foram recolhidos e tratados na capela do Encarnadouro pelos frades do convento do Buçaco 5, ainda levavam consigo 3.000 mas como não houvesse transportes, foram abandonados os de maior gravidade e os outros eram transportados em macas improvisadas, arranjadas com as armas e ramos de árvores. Os de somenos gravidade iam nas garupas dos cavalos.

Nalguns batalhões não chegavam os homens não feridos, para transportarem os feridos!

No meio, do silêncio da noite os gritos dos que ficavam abandonados, e dos que eram transportados em péssimas condições, atroavam os ares, chegando até aos ouvidos das tropas anglo-lusas.

O caminho seguido pela coluna, diz Guingret, era marcado pelos mortos ou moribundos, que se iam abandonando ao longo desse caminho.

A marcha parecia um acompanhamento funerário. Não admira, pois, que fosse lenta, por estas razões, e porque o caminho era mau.

Iniciara a marcha o 8.º corpo, que por ter servido de reserva geral durante a batalha, estava mais próximo de Mortágua. Seguia-se o 6.º corpo, que só pôde começar a marcha à meia-noite.

O 2.º corpo, que formava a retaguarda, conservou-se na Senhora do Desterro, à retaguarda de Mortágua, e só no dia 30 seguiu o movimento dos outros corpos de exército.

Neste dia já o quartel general de Massena estava na Mealhada..

O exército anglo-luso continuava a sua marcha retrógrada para se ir acolher às chamadas Linhas de Torres.


Notas:

3. Esta capela foi construída no último quartel do século XVIII, e restaurada em 1876, ficando então sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória e das Almas. Está fora da Tapada é próximo da Porta da Rainha.
Para comemorar a batalha do Buçaco foi construído um monumento fora da Tapada e quase a igual distância da Porta da Rainha e da porta de Sula. Este monumento que se deve à iniciativa do general Joaquim da Costa Caseais, foi concluído em 1873. Danificado bastante em 1876, foi restaurado em 1879; mas tal monumento refere-se à Guerra Peninsular, e não particularmente à Batalha do Buçaco, o que foi um lapso.

4. Marbot nas suas Memórias (vol. II, pág. 388) diz que foi ele e o capitão Légnivelle que descobriram em Mortágua um jardineiro de um convento que lhe indicou o caminho do Sardão, e que depois um monge do dito convento lhe confirmou a informação. É Marbot o único que aponta este facto, sendo para notar que em Mortágua, ou nas suas proximidades, nunca houve convento algum. Uma simples fantasia de Marbot, que nisto, como noutras coisas, não merece crédito.

5. Os feridos franceses recolhidos no convento do Buçaco foram tratados com toda a humanidade. «Se fosse em Espanha, diz Guinbret, os frades tê-los-iam assassinado».

Fonte:

Vitoriano José César,
Batalha do Buçaco,
3.ª Ed., Lisboa, Imprensa da Armada, 1930, págs. 18 a 28 (1.ª Ed., Ferin, 1910)

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