CONSTITUIÇÃO
PORTUGUESA DE 1822
TÍTULO
V
DO
PODER JUDICIAL
CAPÍTULO
I
DOS JUÍZES E
TRIBUNAIS DE JUSTIÇA.
ARTIGO
176
O poder judicial pertence exclusivamente
aos Juízes. Nem as Cortes nem o Rei o poderão exercitar em caso algum.
Não podem portanto avocar causas
pendentes; mandar abrir as findas; nem dispensar nas formas do processo
prescritas pela lei.
177
Haverá Juízes
de Facto assim nas causas crimes como nas cíveis, nos casos e pelo modo,
que os códigos determinarem.
Os delitos de
abuso da liberdade de imprensa pertencerão desde já ao conhecimento destes Juízes.
178
Os Juízes de
facto serão eleitos directamente pelos povos, formando-se em cada distrito
lista de um determinado número de pessoas, que tenham as qualidades legais.
179
Haverá em
cada um dos distritos, que designar a lei da divisão do território, um Juiz
letrado de primeira instância, o qual julgará do direito nas causas em que
houver Juízes de facto, e do facto e direito naquelas em que os não houver.
Em Lisboa, e
noutras cidades populosas, haverá quantos Juízes letrados de primeira instância
forem necessários,
180
Os referidos
distritos serão subdivididos em outros; e em todos eles haverá Juízes
electivos, que serão eleitos pelos cidadãos directamente, no mesmo tempo,
e forma por que se elegem os Vereadores das Câmaras.
181
As atribuições
dos Juízes electivos são:
I – Julgar
sem recurso as causas cíveis de pequena importância designadas na lei, e as
criminais em que se tratar de delitos leves, que também serão declarados pela
lei.
Em todas estas
causas procederão verbalmente, ouvindo as partes, e mandando reduzir o
resultado a auto público;
II –
Exercitar os juízos de conciliação de que trata o artigo 195.°;
III – Cuidar
da segurança dos moradores do distrito, e da conservação da ordem pública,
conforme o regime que se lhes der.
182
Para poder
ocupar o cargo de Juiz letrado, além dos outros requisitos determinados pela
lei, se requer:
I – Ser
cidadão Português;
II – Ter
vinte e cinco anos completos;
III – Ser
formado em direito.
183
Todos os Juízes
letrados serão perpétuos, logo que tenham sido publicados os códigos e
estabelecidos os Juízes de facto.
184
Ninguém será
privado deste cargo senão por sentença proferida em razão de delito, ou por
ser aposentado com causa provada e conforme a lei.
185
Os Juízes
letrados de primeira instância serão cada três anos transferidos
promiscuamente de uns a outros lugares, como a lei determinar.
186
A promoção
da magistratura seguirá a regra da antiguidade no serviço, com as restrições,
e pela maneira que a lei determinar.
187
Os Juízes
letrados de primeira instância conhecerão nos seus distritos:
I – Das
causas contenciosas, que não forem exceptuadas;
II – Dos negócios
de jurisdição voluntária, de que até agora conheciam quaisquer Autoridade,
nos casos, e pela forma que as leis determinarem.
188
Os Juízes
letrados de primeira instância decidirão sem recurso as causas cíveis, até a
quantia que a lei determinar. Nas que excederem essa quantia, se recorrerá das
suas sentenças e mais decisões para a Relação competente, que decidirá em
última instância. Nas causas crimes também se admitirá recurso dos mesmos Juízes
nos casos, e pela forma que a lei determinar.
189
Das decisões
dos Juízes de facto se poderá recorrer à competente Relação, só para o
efeito de se tomar novo conhecimento e decisão no mesmo ou em diverso conselho
de Juízes de facto nos casos, e pela forma que a lei expressamente declarar.
Nos delitos de
abuso da liberdade da imprensa pertencerá o recurso ao Tribunal especial
(artigo 8.°) para o mesmo efeito.
190
Para julgar as
causas em segunda e última instância haverá no Reino Unido as Relações, que
forem necessárias para comodidade dos povos, e boa administração da justiça.
191
Haverá em
Lisboa um Supremo Tribunal de Justiça, composto de Juízes letrados,
nomeados pelo Rei, em conformidade do artigo 123. °.
As suas
atribuições são as seguintes:
I – Conhecer
dos erros de ofício, de que forem arguidos os seus Ministros, os das Relações,
os Secretários e Conselheiros de Estado, os Ministros diplomáticos, e os
Regentes do Reino. Quanto a estas quatro derradeiras classes as Cortes
previamente declararão, se tem lugar a formação de culpa, procedendo-se na
conformidade do artigo 160.°;
II –
Conhecer das dúvidas sobre competência de jurisdição, que recrescerem entre
as Relações de Portugal e Algarve;
III – Propor
ao Rei com o seu parecer as dúvidas, que tiver ou lhe forem representadas por
quaisquer Autoridades, sobre a inteligência de alguma lei, para se seguir a
conveniente declaração das Cortes;
IV –
Conceder ou negar a revista.
O Supremo
Tribunal de Justiça não julgará a revista, mas sim a Relação competente;
porém tendo esta declarado a nulidade ou injustiça da sentença, de que se
concedeu revista, ele fará efectiva a responsabilidade dos Juízes nos casos em
que pela lei ela deva ter lugar.
192
A concessão
da revista só tem lugar nas sentenças proferidas nas Relações quando
contenham nulidade ou injustiça notória; nas causas cíveis, quando o seu
valor exceder a quantia determinada pela lei; nas criminais nos casos de maior
gravidade, que a lei também designar.
Só das sentenças
dos Juízes de direito se pode pedir revista, e nunca das decisões dos Juízes
de facto.
Qualquer dos
litigantes, e mesmo o Promotor de justiça, podem pedir a revista, dentro do
tempo que a lei designar.
193
No Brasil
haverá também um Supremo Tribunal de Justiça no lugar onde residir
a Regência
daquele reino, e terá as mesmas atribuições que o de Portugal, enquanto forem
aplicáveis.
Quanto ao
território Português de África e Ásia, os conflitos de jurisdição que se
moverem nas Relações; a concessão das revistas, e a responsabilidade dos Juízes
neste caso; e as funções do tribunal protector da liberdade da imprensa
(artigo 8.°), serão tratadas no mesmo território, no juízo e pelo modo que a
lei designar.
194
Nas causas cíveis
e nas penas civilmente intentadas é permitido às partes nomear Juízes árbitros,
para as decidirem.
195
Haverá Juízos
de conciliação, nas causas, e pelo modo que a lei determinar, exercitados
pelos Juízes electivos (artigo 181.°).
CAPÍTULO II
DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA.
196
Todos os
Magistrados e oficiais de justiça serão responsáveis pelos abusos de poder, e
pelos erros que cometerem no exercício dos seus empregos.
Qualquer cidadão,
ainda que não seja nisso particularmente interessado, poderá acusá-los de
suborno, peíta, ou conluio; se for interessado, poderá acusá-los por qualquer
prevaricação a que na lei esteja imposta alguma pena, contanto que esta
prevaricação não consista em infringir lei relativa à ordem do processo.
197
O Rei,
apresentando-se-lhe queixa contra algum Magistrado, poderá suspendê-lo,
precedendo audiência dele, informação necessária, e consulta do Conselho de
Estado. A informação será logo remetida ao juízo competente para se formar o
processo, e dar a definitiva decisão.
198
A Relação, a
que subirem alguns autos, em que se conheça haver o Juiz inferior cometido
infracção das leis sobre a ordem do processo, o condenará em custas ou em
outras penas pecuniárias, até à quantia que a lei determinar; ou mandará
repreendê-lo dentro ou fora da Relação. Quanto aos delitos e erros mais
graves de que trata o artigo 196.°, lhe mandará formar culpa.
199
Nos delitos,
que não pertencerem ao ofício de Juiz, somente resultará suspensão, quando
ele for pronunciado por crime que mereça pena capital ou a imediata, ou quando
estiver preso, ainda debaixo de fiança.
200
A todos os
Magistrados e oficiais de justiça se assinarão ordenados suficientes.
201
A inquirição
das testemunhas e todos os mais actos do processo cível serão públicos; os do
processo criminal o serão depois da pronúncia.
202
Os cidadãos
arguidos de crime a que pela lei esteja imposta pena, que não exceda a prisão
por seis meses, ou o desterro para fora da província onde tiverem domicílio, não
serão presos, e se livrarão soltos.
203
Sendo arguidos
de crime que mereça maior pena que as do artigo antecedente, não poderá
verificar-se a prisão sem preceder culpa formada, isto é, informação sumária
sobre a existência do delito, e sobre a verificação do delinquente.
Deverá também
preceder mandado assinado pela Autoridade legítima, e revestido das formas
legais, que será mostrado ao réu no acto da prisão. Se o réu desobedecer a
este mandado, ou resistir, será por isso castigado conforme a lei.
204
Somente poderão
ser presos sem preceder culpa formada:
I – Os que
forem achados em flagrante delito; neste caso qualquer pessoa poderá prendê-los,
e serão conduzidos imediatamente à presença do Juiz;
II – Os
indiciados 1.° de furto com arrombamento, ou com violência feita à pessoa; 2.°
de furto doméstico; 3.° de assassínio; 4.° de crimes relativos à segurança
do Estado nos casos declarados nos artigos 124.°, n.º IV, e 211.°.
205
O que fica
disposto sobre a prisão antes de culpa formada não exclui as excepções, que
as ordenanças militares estabelecerem como necessárias à disciplina e
recrutamento do exército.
Isto mesmo se
estende aos casos, que não são puramente criminais, e em que a lei determinar
todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da Justiça, ou
não cumprir alguma obrigação dentro de determinado prazo.
206
Em todos os
casos o Juiz dentro de vinte e quatro horas, conta
das da entrada
na prisão, mandará entregar ao réu uma nota por ele assinada, em que declare
o motivo da prisão, e os nomes do acusador e das testemunhas, havendo-as.
207
Se o réu,
antes de ser conduzido à cadeia ou depois de estar nela, der fiança perante o
Juiz da culpa, será logo solto, não sendo crime daqueles em que a lei proíba
a fiança.
208
As cadeias serão
seguras, limpas, e bem arejadas; de sorte que sirvam para segurança, e não
para tormento dos presos.
Nelas haverá
diversas casas, em que os presos estejam separados, conforme as suas qualidades
e a natureza de seus crimes; devendo haver especial contemplação com os que
estiverem em simples custódia, e ainda não sentenciados. Fica contudo
permitido ao Juiz, quando assim for necessário para a indagação da verdade,
ter o preso incomunicável em lugar cómodo e idóneo, pelo tempo que a lei
determinar.
209
As cadeias serão
impreterivelmente visitadas nos tempos determinados pelas leis. Nenhum preso
deixará de ser apresentado nestas visitas
210
O Juiz e o
Carcereiro, que infringirem as disposições do presente capítulo relativas à
prisão dos delinquentes, serão castigados com as penas que as leis declararem.
211
Nos casos de
rebelião declarada ou invasão de inimigos, se a segurança do Estado exigir
que se dispensem por determinado tempo algumas das sobreditas formalidades,
relativas à prisão dos delinquentes, só poderá isso fazer-se por especial
decreto das Cortes.
Neste caso,
findo que seja o referido tempo, o Governo remeterá à Corte uma relação das
prisões a que tiver mandado proceder, expondo os motivos que as justificam; e
assim os Secretários de Estado como quaisquer outras Autoridades serão responsáveis
pelo abuso, que houverem feito do poder, além do que exigisse a segurança pública.