Reis, Rainhas e Presidentes de Portugal
D. Pedro II
Último
dos sete filhos de D. João IV, quarto
na ordem de sucessão, nascido em 1648, foi vigésimo terceiro rei de Portugal e
o terceiro da Dinastia de Bragança, pelo imperativo duma solução política de
emergência na mais grave conjuntura das primeiras décadas da Restauração, tão
recente como ainda periclitante. Um
signo funesto parecia pesar sobre os destinos da nascente dinastia. Não
desistia o orgulho da Espanha de eliminá-la radicalmente por guerra de
reconquista. Consumira-se o fundador, exausto na luta, sem ter podido consolidá-la.
Por cúmulo, três anos antes da sua morte, falecera-lhe em 1653, aos 19 anos de
idade, o primogénito, príncipe D. Teodósio, em quem seu pai fundava as
melhores esperanças. Ficava-lhe por sucessor, ainda menor de 13 anos, o infante
D. Afonso, com os defeitos que o incompatibilizavam com o exercício da realeza
e as consequências políticas da sua doentia inferioridade, a principal das
quais foi o golpe de estado que elevou à situação de primeiro-ministro,
aparentemente na modesta designação de escrivão da puridade do monarca, mas
na função efectiva de verdadeiro soberano, o conde de Castelo Melhor. Entretanto
em 1666, para assegurar-lhe a sucessão e o apoio do poderoso Luís XIV, o
diligente ministro negociara o casamento de D. Afonso VI com uma princesa de
França, Mademoiselle d'Aumale, D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, sobrinha
de Luís XIV e neta de Henrique IV. E foi esse o único acto imprudente do sagaz
político, tão fatal para a desgraça do rei, como para os seus próprios
planos ambiciosos duma política de engrandecimento do Reino. Realizado em 1666,
resultou o casamento irreparavelmente desastroso, dada a incapacidade física e
moral do rei. Foi praticamente o detonador da segunda revolução de palácio,
em 1667, encabeçada agora pelo infante D. Pedro, com o apoio de todos os
inimigos de Castelo Melhor, invejosos da sua fortuna política. Educada
na dissoluta corte de Versalhes, a nova e formosa rainha D. Maria Francisca,
vexada por tal consórcio, apaixonou-se pelo brilhante cunhado D. Pedro, de 18
anos. Nos seus delituosos amores, ambos conluiaram novo golpe político. Em
certa manhã de Novembro de 1667, a rainha abandonava o Paço e, de concerto com
o infante D. Pedro, refugia-se no Convento da Esperança, aonde logo ele acorria
a seu favor, com o Conselho de Estado; e, depois de tumultos vários, o rei era
coagido a assinar a sua própria deposição e entrega do governo do Reino a seu
irmão, o qual, em nome da rainha, assumia o poder como príncipe-regente,
desterrando para os Açores o irmão destronado e, depois de rápido e
escandaloso divórcio, casava com a cunhada em Abril de 1668, dela tendo logo em
Janeiro do ano seguinte a sua primeira e única filha, a princesa D. Isabel Luísa. Consumara-se
a dupla usurpação do trono e da mulher. Assim
dramaticamente, com 20 anos apenas, começava D. Pedro, em 1668, a sua
atribulada vida política. Defrontava-se de entrada com a gravíssima situação
económica e financeira do Portugal restaurado, arruinado por vinte e oito anos
de guerra sem tréguas, depois dos sessenta de estragos directos e indirectos do
domínio filipino. Resolutamente
se esforçou desde logo o usurpador por administrar bem, com acerto, chamando ao
Conselho, para conjurar a crise, um escol de homens notáveis pela cultura e
pelo carácter, como Diogo Rodrigo de Macedo, o 3.º conde da Ericeira, D. Luís
de Meneses, e outros economistas, homens cultos, informados já pelas novas
teorias económicas fisiocráticas de Colbert, grande ministro das Finanças de
Luís XIV. Nada,
porém, remediavam de momento as suas tentativas de reformas drásticas, por
inoperantes em pais tão devastado pela guerra, desfalcado de população
produtiva, com as lavouras ao abandono, sem indústrias fabris e inveteradamente
viciado no gozo falaz da. ilusória opulência do comércio do Oriente, já
reconhecidamente ruinoso para o Estado e para a Nação desde os tempos de D. João
III e Pêro de Alcáçova Carneiro. Restava
à Metrópole, como esteio económico, o Brasil, com sua próspera actividade,
agro-industrial de plantações e engenhos de açúcar, exportação de
pau-brasil e outras madeiras e produtos exóticos, além da intensiva pesquisa
de minas de ouro e prata que se presumia existirem a oeste, como nos sertões do
Peru e da Bolívia, próximos em continental continuidade. No afã de se acudir
por todos os meios à ameaça duma bancarrota à vista, recorria-se ainda
complementarmente à valorização económica dos domínios de África. Em 1678
tentava-se uma colonização militar em Moçambique, para fixação de colonos e
exploração agrícola, e desenvolvia-se na fertilíssima região da Zambézia
um símile de capitanias donatárias, à semelhança das do Brasil, com as
concessões de terras, a que se deu a designação oficial de prazos da Coroa.
Na Guiné, em Cabo Verde, em Angola, que praticamente viviam do tráfico de
escravatura, incrementava-se por meios adequados o fomento agrícola e
comercial, criando companhias de comércio privilegiadas, como as de Cacheu e
Cabo Verde e outras, disseminando feitorias e povoações comerciais nas zonas
mais populosas de Angola e Moçambique. Tudo,
porém, pouco mais do que inútil. Progressivamente se agravavam a penúria e
decadência material da Metrópole, sob a regência de D. Pedro, cujo reinado
legítimo só propriamente começara em 1683, por morte do irmão proscrito, sem
descendência, na sua prisão-desterro do Paço de Sintra, para onde viera
transferido dos Açores (ilha Terceira), depois de malograda, pela execução
dos cabecilhas, a conjura de 1673, para o libertar e repor no trono. De
perto o seguiu no túmulo, ainda nesse ano, a própria rainha D. Maria
Francisca, sua ex-mulher, sem outros herdeiros além da infanta D. Isabel Luísa.
Já rei de facto, proclamado em Cortes, D. Pedro II casava, em segundas núpcias,
com D. Maria Sofia de Neuburgo, princesa bávara do Palatinado do Reno, que em
1689 lhe assegurava a sucessão da coroa em varão herdeiro dando à luz o príncipe
D. João, depois D. João V, logo como tal proclamado, em substituição da
princesa Isabel Luísa, das primeiras núpcias, falecida pouco depois, aos 22
anos de idade. Nesse
mesmo ano de 1690 a situação agravava-se com o suicídio do 3.0 conde da
Ericeira, seu vedor da Fazenda, numa crise aguda de neurastenia, exacerbada pela
inanidade da sua sábia administração desde 1675 e de todos os seus planos da
criação de indústrias fabris para ressurgimento da Metrópole em sólidas
bases económicas. Era o sinal de alarme duma inevitável ruína financeira a
curto prazo, que arrastaria possivelmente a própria Nação à catástrofe duma
desagregação política, precursora de definitiva absorção por Espanha. De
resto, já mesmo em 1683, ano da proclamação do rei em Cortes, era tão
patente e generalizada a previsão dessa fatalidade que o próprio D. Pedro II
chegara a encarar seriamente o propósito de renunciar à coroa e retirar para o
Brasil, abdicando na filha D. Isabel e em quem viesse a ser seu marido.
Dissuadiram-no dessa espécie de deserção o confessor e o seu conselheiro
secreto, sem que por esse facto se desanuviassem as perspectivas do pessimismo
que havia levado ao suicídio o seu mais ilustre vedor da Fazenda. Em 1685,
cedia enfim ao acto de generosidade de autorizar o regresso de Castelo Melhor, já
velho e sem veleidades políticas. Nesse
destino lúgubre se teria talvez afundado, com a dinastia, a sobrevivência da
Nação, se nos fins do século não tivesse providencialmente chegado à corte
a alvoroçada notícia da descoberta de minas de ouro e brilhantes no Brasil, a
coroarem de pleno êxito as exaustivas e pertinazes incursões do bandeirismo
paulista nas selvas e sertões a oeste do imenso e inexplorado estado americano. Como
o rendimento fiscal da Coroa era desde logo o quinto da mineração, a primeira
remessa de 1699 trazia a D. Pedro, além de 11000 quilos de ouro amoedado, o
valor de sete milhões de cruzados, na transacção de brilhantes em Amesterdão;
e até final do reinado o quinto devido à Coroa orçaria por cerca de cinco
milhões de cruzados. Era
uma ressurreição de desvairantes esperanças! Considerados desnecessários, e
logo abandonados, todos os planos de sadia reformação económica por exploração
metódica das próprias riquezas da Metrópole, e por isso também já
despiciendo, por supérfluo, o acordo comercial negociado com Inglaterra em
1703, conhecido por Tratado de Methuen. Era, aliás, de vantagens problemáticas
para a nossa economia a colocação dos nossos vinhos em Inglaterra, mas
substancial para esta a colocação entre nós de seus lanifícios. O fortuito
caudal de ouro e pedras preciosas do Brasil tudo viria suprir e sanar sem mais
cuidados para o futuro da dinastia. Ter-lhe-ia,
pois, terminado em glória o tormentoso reinado sem a aventura militar em que
por fim precipitava o Reino, acedendo a pressões inglesas para se imiscuir também,
como aliado, no imbróglio inextricável da Guerra de Sucessão de Espanha, em
que rigorosamente não se pleiteavam vitais interesses materiais ou políticos
para a Nação, nem mesmo a defesa do seu território ou da honra nacional, que,
pelo contrário, ficavam sob a permanente ameaça das contingências duma
guerra, sempre imprevisíveis. Aderindo
à tripla aliança anglo-austro-holandesa contra o bloco bourbónico
franco-espanhol, D. Pedro obrigava-se, por acordo de 1703, a fornecer aos
aliados um exército de 28 000 homens e, pior que tudo, à cedência do próprio
território pátrio para teatro de operações, como a melhor base estratégica
de invasão da Espanha. Favorável
de começo a campanha, pelos êxitos efémeros do exército do marquês das
Minas na sua marcha e entrada triunfal em Madrid (1706), evoluiria em breve
desastrosamente para os aliados, depois da sua decisiva derrota na batalha de
Almansa, em Espanha (1707), a que se seguiu a contra-ofensiva espanhola sobre
Portugal, em cujas fronteiras, forçosamente desguarnecidas, a batalha do Caia
foi outra--derrota para o exército anglo-português. Em
suma, por sua morte, em 1706, o rei, cognominado Pacífico, deixava ao sucessor,
com várias praças do Alentejo ocupadas por espanhóis, o encargo de liquidar
uma guerra inglória e dispendiosa que, no reinado seguinte, se arrastaria por
mais seis anos e de que a única vantagem positiva para a Nação, pelo Tratado
de Paz de Utreque, ratificado em 1713 com a França e em 1715 com a Espanha,
viria a ser a de se ter salvo, ao menos, a integridade dos seus domínios do
Ultramar. Em
reinado de tão tumultuária política interna e externa, a actividade cultural
da Nação não sofreu, todavia, o colapso ou afrouxamento que seria de esperar,
quer na expressão literária, em que fulgurara o talento dum António Vieira,
mestre e renovador da língua, quer nas artes plásticas, pintura religiosa e
arquitectura religiosa e civil, em que o barroquismo seiscentista, com toda a
sua sobrecarga de decoração ornamental, teve entre nós e no Brasil o seu período
áureo e de carácter tão inconfundivelmente nacional como o manuelino, no século
XVI.
Ficha genealógica: D. PEDRO II nasceu em Lisboa, a 26 de Abril de 1648, e
faleceu em Lisboa a 1 de Dezembro de 1706, tendo sido sepultado no Mosteiro de
S. Vicente de Fora. Do seu primeiro casamento, com a cunhada D. Maria Francisca
Isabel de Sabóia, teve: 1. D. Isabel Luísa Josefa (n. em Lisboa, a 6 de
Janeiro de 1668; f. no palácio de Palhavã, a 21 de Outubro de 1690; sepultada
no Convento das Francesinhas, erigido por sua mãe, e transladada para o
Mosteiro de S. Vicente de Fora). Foi herdeira presuntiva do Reino entre 1668 e
1689, tendo-se malogrado o projecto de consórcio com Vítor Amadeu de Sabóia. Do segundo casamento de D. Pedro II, com D. Maria Sofia de
Neuburg (n. em Brewath, a 6 de Agosto de 1666; f. em Lisboa, a 4 de Agosto de
1699; sepultada no Mosteiro de S. Vicente de Fora), filha de Filipe Guilherme de
Neuburg, eleitor palatino do Reno, e de sua mulher Isabel Amália, nasceram os
seguintes filhos: 2. D. João (n. em Lisboa, a 30 de Agosto de 1688;
f. em 17 de Setembro seguinte; sepultado em S. Vicente de Fora); 3. D. João, que herdou o
trono; 4. D. Francisco Xavier José António Bento Urbano
(n. em Lisboa, a 25 de Maio de 1691; f. na quinta das Gaeiras, em Óbidos, a 21
de Julho de 1742; sepultado no Mosteiro de S. Vicente de Fora). Foi 7 ° duque
de Beja, grão-prior do Crato e senhor do Infantado. Morreu solteiro e sem
descendência. 5. D. António Francisco Xavier José Bento Teodósio
Leopoldo Henrique (n. em Lisboa, a 15 de Março de 1695; f. em Lisboa, a 20 de
Outubro de 1757; sepultado no Mosteiro de S. Vicente de Fora). Morreu solteiro e
sem descendência; 6. D. Teresa Maria Francisca Xavier Josefa Leonor
(n. em Lisboa, a 24 de Fevereiro de 1696; f. em Lisboa, a 16 de Fevereiro de
1704; sepultada no Mosteiro de S. Vicente de Fora); 7. D. Manuel José Francisco António Caetano Estêvão
Bartolomeu (n. em Lisboa, a 3 de Agosto de 1697; f. na quinta de Belas, em igual
dia de 1736; sepultado no Mosteiro de S. Vicente de Fora). Morreu solteiro e sem
descendência; 8. D. Francisca Josefa (n. em Lisboa, a 30 de
Janeiro de 1699; f. na mesma cidade, em 15 de Julho de 1736; sepultada no
Mosteiro de S. Vicente de Fora). Morreu solteira. Fora dos dois consórcios, D. Pedro II teve os seguintes filhos: 9. D. Luísa (n. em Lisboa, a 9 de Janeiro de 1679;
f. em Évora; a 23 de Dezembro de 1732; sepultada no Convento de S. João
Evangelista, dos cónegos seculares da mesma cidade), filha de D. Maria da Cruz
Mascarenhas. Foi criada na família do secretário de estado Francisco Correia
de Lacerda, e depois no Mosteiro de Carnide, junto de sua tia D. Maria (veja-se
supra, 1, 8). Casou com D. Luís e, em seguida, com D. Jaime de Melo,
respectivamente, 2 ° e 3 ° duques de Cadaval. 10. D. Miguel (n. em Lisboa, a 15 de Outubro de
1699; f. afogado no Tejo, a 13 de Janeiro de 1724; sepultado no Convento de S.
José de Ribamar), filho da francesa Ana Armanda Du Verger. Foi reconhecido por
D. João V como seu irmão e casou em 1715 com D. Luísa Casimira de Nassau e
Ligne, herdeira da casa de Arronches. 11. D. José (n. em Lisboa, a 6 de Maio de 1703; f. em Ponte de Lima, a 3 de Junho de 1756; sepultado na sé arquiepiscopal de Braga), filho de D. Francisca Clara da Silva, foi aluno da Universidade de Évora e ali obteve o grau de doutor em Teologia. Arcebispo de Braga em 1739, foi sagrado em 5 de Fevereiro de 1741 e entrou naquela sé em 23 de Julho seguinte.
| |
Fontes:
Joel Serrão (dir.)
Joaquim Veríssimo Serrão,
|
|
Página modificada em 14 de junho de 2015
|
| Página
Principal |
| A Imagem da
Semana | O
Discurso do Mês | Almanaque
| Turismo histórico
| Estudo da história
|
| Agenda
| Directório
| Pontos de vista
| Perguntas mais
frequentes | Histórias
pessoais |
| Biografias
| Novidades
| O Liberalismo | As
Invasões Francesas | Portugal
na Grande Guerra |
| A Guerra de África
| Temas de História de Portugal|
A Grande Fome
na Irlanda | As
Cruzadas |
| A
Segunda Guerra Mundial | Think
Small - Pense pequeno | Teoria
Política |
© Manuel Amaral 2000-2015