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Andrade
(Gomes Freire de).
n. 27
de janeiro de 1757.
f. 18
de outubro de 1817.
Marechal de campo e um dos mais distintos
oficiais do exército português.
Nasceu em Viena de Áustria a 27 de
janeiro de 1757, morto em S. Julião da Barra a 18 de outubro de
1817. Era filho de Ambrósio Freire de Andrade, então embaixador de
Portugal naquela corte, e da condessa de Schafgoche, oriunda duma antiga
e ilustre família da Boémia. Teve a educação que naquela época
se costumava dar aos filhos da nobreza. Destinado à carreira das
armas assentou praça de cadete no regimento de Peniche, e em 1772
foi promovido a alferes. Passou depois a servir na Armada Real,
embarcando em 1784, na esquadra que foi auxiliar as forças navais espanholas
no bombardeamento de Argel. Regressou a Lisboa em setembro do
referido ano, foi promovido a tenente do mar da Armada Real, e em
abril de 1788 voltou ao seu antigo regimento no posto de sargento-mor.
Tendo pedido e alcançado licença
para servir no exercito de Catarina II, que nessa época andava em
guerra com a Turquia, partiu para a Rússia, onde conquistou as
maiores simpatias na corte de S. Petersburgo e da própria
imperatriz. Durante a campanha de 1788 a 1789, comandada pelo príncipe
Potemkin, distinguiu-se nos plainos do Danúbio, na Crimeia, e muito
notavelmente no cerco de Oczakow, onde foi o primeiro a entrar à frente
do regimento, quando aquela praça, depois de prolongado sitio, se
rendeu a 17 de outubro de 1788. Em toda a campanha praticou muitos
actos de bravura, e que a imperatriz recompensou com o posto de
coronel do seu exercito, tendo ele apenas vinte e seis anos de idade,
posto que depois, em 1790, lhe foi confirmado no exercito português,
mesmo estando ausente de Portugal. Também lhe conferiram o habito
de S. Jorge, uma das ordens mais estimadas da Rússia. Foi tal a
sensação causada em S. Petersburgo pelo arrojo e vivacidade de
Gomes Freire, quo a própria imperatriz lhe ofereceu em audiência solene,
e por suas próprias mãos, uma espada de honra. Há quem diga, que
a simpatia e entusiasmo da formosa e provocante czarina polo distinto
militar, se tornaram de grande e amorosa intimidade, o que parece
ser confirmado pelo facto das desinteligências que se deram entre
Gomes Freire de Andrade e o príncipe de Potemkin, favorito da
czarina.
Gomes Freire voltou a Lisboa, e foi
nomeado coronel do regimento do marquês das Minas, que estava
prestes a embarcar para a Catalunha, fazendo parte da divisão que o
governo português mandava em auxilio de Espanha na guerra que
sustentava com a republica francesa. Tendo chegado a Lisboa nas vésperas
da partida da esquadra, não pôde acompanhar a expedição por mar,
mas atravessando a Espanha, foi depressa tomar o comando do
regimento, que então trocou o antigo nome pelo de Freire de
Andrade. O exercito português, na força de cinco mil homens, comandados
pelo general João Forbes, chegou á Catalunha, desembarcando no
porto de Rosas, em 11 de novembro de 1793. Nesta expedição iam alguns
estrangeiros no estado maior: o duque de Northumberland, general e
par de Inglaterra, o príncipe de Luxemburgo Montmorency, o conde de
Chalons e o conde de Liautau. Pouco depois de ter chegado ao porto
de Rosas, a divisão portuguesa partiu para Ceret, ocupando o
regimento Freire de Andrade com o de Cascais a povoação de Rebos
na sua linha de batalha. Fora o caminho de Rosas a Ceret feito sob
um violento temporal, chegando todos muito cansados pelo acelerado
da marcha e completamente encharcados; apesar disso, tiveram logo de
correr ás trincheiras da ponte de Ceret, para salvarem o exercito espanhol,
que já estava a ponto de capitular. O debute do regimento Freire de
Andrade foi brilhantíssimo, carregando os franceses briosamente. O
combate deu-se a 26 de novembro de 1793. Estava terminada a campanha
deste ano. Em Arles (França) acampou em quarteis de inverno o
regimento Freire de Andrade e o de Cascais, que constituíam a
segunda brigada, comandada por Gomes Freire. Apesar das vitórias do
exercito hispano-português sobre os republicanos, a guerra do Rossilhão
ia tornar-se uma verdadeira armadilha. Os espanhóis tinham mais de
dezoito mil doentes nos hospitais, e os portugueses mais de mil
homens fora de combate. Os franceses estavam constantemente
recebendo reforços. Um deputado na Convenção Nacional pediu cem
mil soldados da Republica para a fronteira, e pouco menos teriam os generais
franceses ao começarem a campanha de 1794 a 1795. No dia 29 de
abril de 1794, o general em chefe das divisões republicanas,
Dugommier, atacou a esquerda do exército espanhol, toda composta de
corpos da divisão portuguesa. Sustentaram os nossos o vigoroso
embate dos franceses, desde o romper da manhã até ás duas da
tarde. Ainda desta vez foi a legião portuguesa que salvou o exército
espanhol. A 17 de novembro, depois do malogrado ataque de 13 de agosto
ao campo francês, foi ainda a brigada de Gomes Freire, os regimentos
Freire de Andrade e de Cascais com parte do primeiro do Porto, a que
retirou a salvo, castigando por vezes o inimigo. Parte do primeiro
regimento do Porto ficou prisioneira, devido ao abandono dos espanhóis
que assim deixaram envolver por cinco mil franceses quem por ordem
do chefe espanhol marchava a cobrir-lhes a retirada. Era tão, por
este tempo, a desmoralização das tropas espanholas, que a praça
de Figueras rendeu-se ao receber do inimigo apenas quatro bombas
incendiarias, tendo nove mil homens de guarnição, duzentos
canhões de grosso calibre, dez mil quintais de pólvora e grande
quantidade de projecteis. Gomes Freire de Andrade, que se tinha
batido como um bravo, e que na desastrosa retirada do primeiro de
maio fora do diminutíssimo numero dos que resistiram ás baionetas
de Dogommier, em face da indisciplina dos soldados do rei Carlos IV,
e indignado contra a brandura do velho João Forbes para com o tom
altaneiro de generais que contavam derrotas por batalhas, tornou-se
um pouco independente. Era preciso sustentar alguma passagem difícil,
lá ia o regimento Freire de Andrade, e não era raro que outros o
seguissem, porque era voz constante na divisão auxiliar, que onde
estava Gomes Freire, estava a vitória ou a salvação da honra do
exercito nacional. Nos primeiros três meses de 1795 começaram a
correr boatos de paz nos acampamentos; de abril a junho houve alguns
reconhecimentos sem resultado e escaramuças de postos avançados. A
17 de julho de 1795 saíram de Gerona algumas tropas de infantaria, cavalaria,
milícias e hussardos de pé e a cavalo, sob o comando do marechal
de campo D. Gregorio de la Cuesta. Em quatro dias, passando por
Besahu e Lot, chegaram a Ping-Cerdá. Este Importante forte era
pouco depois tomado à viva força e em seguida entregava-se Velbet
à coluna de ataque em que iam uns oitocentos portugueses. A guarnição
francesa ficou toda prisioneira. Terminou então a guerra chamada do
Rossilhão, e no seguinte mês de agosto houve ordem de suspender as
hostilidades nos dois campos inimigos. A subida instrução e
extremado valor de que Freire de Audrade deu provas e manifestou
constantemente em todo o decurso da campanha, foram também a causa
de varias questões que teve com alguns dos oficiais pertencentes à
divisão auxiliar. A primeira foi com o coronel do primeiro regimento
de Olivença Jacob Mestral, e que em vão procurou intervir o
general Forbes obrigando os dois oficiais a assinarem um termo de
bem viver perante o auditor, porque logo depois deste acto
renovou-se a discórdia, tendo o comandante chefe de prender Gomes
Freire no castelo de Figueras. Nas paredes da prisão onde esteve
desenhou então a figura de Mestral revestido de todos os seus
uniformes, de roca à cinta e um fuso na mão direita, continuando
assim pelo ridículo de que podia dispor, a luta que dera lugar ao
castigo. Algum tempo depois, sabendo o general Forbes que ele deixara
o posto em frente de Ceret para vir passar a noite ao quartel do
conde de Assumar, seu intimo amigo, mandou-o repreender, porém
Gomes Freire em vez de aceitar a repreensão, desafiou o ajudante do
general que lha transmitira. Mais tarde apareceu no suplemento do n.º
51 da Gazeta de Lisboa, o relatório da retirada que o nosso
exercito fez em 20 de novembro de 1794, e Gomes Freire viu nesse
documento uma ofensa à sua honra e à das tropas do seu comando, e
por isso escreveu ao general Forbes uma carta em francês, Da qual,
procurando restabelecer a verdade dos factos, acusava asperamente
Claviére de ter abusado do pouco conhecimento que o comandante em
chefe tinha da língua portuguesa para lhe fazer assignar uma relação
muito inexacta. Nessa carta, cuja tradução vem publicada no Jornal
do Comércio de 22 de julho de 1868, Gomes Freire admirado de se
ver reduzido depois de oito campanhas, durante as quais entrou em
mais de trinta combates, a provar que não era medroso, desenha com
as mais negras cores o caracter de Claviére e depois de lhe chamar desprezível
porque desmaia à vista de uma espada nua, remata dizendo a Forbes
que conseguiria a admiração das tropas se entre ele e o exercito
se não intrometesse aquele oficial ao lado de quem todo o homem de
honra se envergonha de aparecer. A esta carta respondeu Forbes com a
ordem que encarregou o intendente geral da policia e o auditor da divisão
de observar uma devassa sobre a conduta dele general, expediente desgraçadíssimo
e de cuja realidade se poderia duvidar se não houvesse documentos
insuspeitos que a confirmam. O governo de Lisboa soube destas ocorrências
por uma carta e requerimento de Gomes Freire, em que pedia um
conselho de guerra, assim como pelas participações do general em
chefe, e não deixou de estranhar a este o insólito procedimento, que
tivera e com o qual prostituíra a sua autoridade, determinando lhe
que mandasse apresentar imediatamente em Lisboa o coronel Freire de
Andrade, e fizesse primeiro suspender sem perda de tempo a devassa
começada, remetendo à Secretaria de Estado o próprio
original para que de semelhante facto não ficasse vestígio
algum. Poucos meses depois, em 1795, recolhia à pátria a nossa
divisão auxiliar.
Nesse mesmo ano publicou Gomes Freire
uma pequena memoria em francês, sobre a retirada do exercito no
primeiro de maio de 1794:, que foi um dos mais notáveis episódios
da campanha, e no qual o autor do opúsculo claramente mostrou as
brilhantes qualidades de que era dotado na frente do inimigo. Em 17
de dezembro de 1795 foi-lhe dada a graduação de marechal de campo,
ficando na efectividade do posto em 20 de setembro de 1796; quando
se tratou de constituir o exercito para a guerra de 1801, foi
nomeado quartel mestre general do marques de La Rosiére, comandante
das forças ao norte do Douro. Na organização dos estados-maiores foram
então adoptadas as ideias que Freire de Andrade expusera nuns
apontamentos redigidos em setembro de 1800 e que estão transcritos
na Revista Militar, de julho de 1856. As únicas operações ofensivas,
que as nossas tropas tentaram na guerra de 1801, foram realizadas
sob a direção de Gomes Freire de Andrade, mas as derrotas no Alentejo
e o humilhante tratado que pôs termo à luta, fizeram com que ninguém
prestasse atenção ás vantagens alcançadas em Trás-os-Montes.
Tendo sido excluído da comissão que
o governo encarregou do estudo das instituições militares,
escreveu então o distinto general um livro sobre tão importante
assunto, que foi impresso em 1806. Pelo tratado com a França, de 29
de janeiro de 1801, foi o rei de Espanha obrigado pelo governo do
primeiro cônsul a declarar guerra a Portugal. Só teríamos
probabilidades de paz nas seguintes condições: abandonar a
Inglaterra, abrir os nossos portos aos franceses e espanhóis e fechá-los
aos ingleses, entregar à Espanha uma ou mais províncias como reféns
até que a Inglaterra lhe entregasse Maón, Malta e Trindade, indemnizar
a França e a Espanha, e rectificar os nossos limites com esta potência,
abandonando- lhe os nossos terrenos a leste do Guadiana. A 2 de
março de 1801 estava oficialmente declarada a guerra entre Portugal
e a Espanha unida à França. O numero total do exercito português,
no estado impossível de entrar em campanha, mal atingia então o
efectivo de trinta mil homens. O exercito espanhol sob o comando
superior do duque de Alcudia, era composto de sete divisões, na força
de cinquenta e quatro mil e oitocentos homens. A 1.ª destas
divisões devia atacar o Minho e Trás-os-Montes; a 2.ª o AIgarve;
as cinco restantes ocupariam o Alentejo e observavam as províncias
da Beira e Estremadura, sendo protegidas por um corpo do exercito francês,
sob o comando de Leclerc, que devia estar em Cidade Rodrigo. O
exercito português, dividido em dois corpos de operações, um ao
norte outro ao sul do Douro, era superiormente comandado pelo duque
de Lafões, que então contava 82 anos de idade. O exército do Alentejo
do general Forbes compunha-se de doze mil homens; o da Beira do marquês
de Alorna com Milícias e tropa de linha atingia a cifra de doze mil
cento e trinta e oito homens, e o do norte uns três mil homens, sob
as ordens do emigrado francês marquês de La Rosiére, tendo por
mestre de campo Gomes Freire de Andrade. O exército português
estava indisciplinado, e os chefes não acreditando na guerra não
se preparavam para o combate. A campanha durou pouco mais de dezoito
dias, e perderam-se Olivença, Juromenha, Campo Maior, Monforte,
Arronches, Castelo' de Vide, Ouguela e Barbacena. Se não fossem as
conquistas feitas por Gomes Freire ao norte do reino, tudo estava
perdido. A 14 de julho tomou o valente general as aldeias de Bosães
e de Fizera, e o exercito espanhol, apesar de superior em força,
foi sempre recuando na sua frente. Os habitantes da Galiza não
davam lugar a que o exército de Carlos IV readquirisse a força
moral perdida, por isso que a brigada de Gomes Freire era por eles
recebida aos gritos de Viva Portugal! Viva a rainha fidelíssima!
E tudo isto conseguia Gomes Freire apenas em quatro dias com uma coluna
de ataque de dois mil homens, numa rápida marcha, como só depois o
fizeram os marechais de Napoleão. Com as brilhantes operações do
general Gomes Freire no norte, conseguimos que em troca das
povoações tomadas na província da Galiza, nos fossem entregues
Campo Maior, Juromenha, Arronches e Monforte.
Gomes Freire começou a pensar que
Portugal não poderia nunca reabilitar-se, enquanto entre nós somente
imperasse o estrangeiro. De animo vigoroso, não sabia ser hipócrita.
E num meio monástico como então assoberbava o país, a irritação
do caracter de Gomes Freire era muito natural. Numa desinteligência
havida no dia do Corpo de Deus de 1803, entre Gomes Freire e os oficiais
franceses da guarda de polícia, comandada pelo conde de Novion,
resultou uma indisposição entre os regimentos sujeitos ao mando
desses dois chefes. Pouco tempo depois, promovendo os soldados do
regimento Freire de Andrade, que estava aquartelado em Campo de
Ourique, uma festa à Senhora da Piedade, e aparecendo nas imediações
do quartel algumas praças da polícia, travou-se grave desordem,
chegando a haver algumas mortes e ferimentos. Nesta sedição entrou
também a Legião do marquês de Alorna. Gomes Freire deu voz de
prisão ao francês Grosson, ajudante do real corpo de polícia,
como principal autor dos distúrbios. O governo, tomando
conhecimento do facto, mandou prender Gomes Freire na Torre de Belém,
e o seu regimento foi desterrado para Cascais. Pela intervenção do
duque de Sussex, então em Lisboa, Gomes Freire foi solto,
provando-se que os tumultos de julho de 1803 eram sintomas da
impressão flagrante, causada no ânimo dos portugueses pela preponderância
que o elemento estrangeiro ia tomando em Portugal.
Quatro anos depois era o país,
invadido, sem resistência da nossa parte, pelos soldados de Napoleão
e formava-se a Legião Lusitana, à frente da qual estavam os generais
Gomes Freire e marquês de Alorna. A Legião saiu de Portugal na
primavera de 1808. Não ia exclusivamente servir os interesses dos franceses,
por isso que obedeciam ás ordens do príncipe regente D. João. As
autoridades do país mandavam que os franceses fossem recebidos e
tratados como amigos pelo povo português. Apenas a Legião chegou a
França, Napoleão empregou-a nas campanhas do norte. Tendo ,se
demorado algum tempo em Lisboa com licença, Gomes Freire partiu
para Espanha nos fins de abril, e, chegando a Vitoria, marchou a
tomar o comando dos portugueses que tinham sido mandados para o
sitio de Saragoça. Levantado o cerco, partiu para Grenoble, onde
assumiu o comando nominal da Legião, quando em 1809 o marquês de
Alorna veio a Paris, e nesta situação se conservou até fevereiro
de 1810, em que teve ordem de seguir para Alemanha. Regressando a
França depois da paz com as tropas portuguesas, foi para Metz, onde
esteve até agosto de 1810, em que, recebendo ordem para acompanhar
Massena na invasão do nosso país, conseguiu esquivar-se, marchando
para o Valais a tomar o comando dos três batalhões da Legião, que
nessa época fazia parte das tropas sujeitas ao general Berthier.
Acompanhando o quartel general do imperador na expedição à Rússia,
em 1812, foi-lhe conferido, quando chegou à Lituânia, o governo da
província de Disna. Chamado mais tarde a Moscovo, encontrou já. o
exercito francês em retirada, seguiu o imperador até Smorghoni, e,
continuando depois por Konigsberg, Danzigue e Custrin, chegou em
março de 1813 a Frankfurt, na margem do Meno. Neste mesmo ano Napoleão
o promoveu a marechal e lhe entregou o governo militar da cidade de
Dresden.
Pelo tratado de 1814 regressaram a
Lisboa os restos da Legião Lusitana, que, além da guerra da Rússia,
haviam feito a campanha da Áustria, entrando na célebre batalha de
Wagram. Gomes Freire apresentou-se no quartel general da corte e província
da Estremadura a 26 de maio de 1815, sendo a 8 de junho declarado inocente,
apesar de ter servido nos exércitos dos inimigos de Portugal. A
guerra da península estava concluída; os portugueses haviam
conseguido afastar para longe da pátria os soldados de Junot, de
Soult e de Massena. Deste modo alcançara o povo restituir o trono a
D. João VI. Em Lisboa continuava a inábil regência e Beresford
exercia uma verdadeira ditadura militar. A regência era composta,
no ano do 1817, de António José de Miranda, marquês de Olhão,
conde de Peniche, marquês de Borba, e D. Miguel Pereira Forjaz.
Pelo seu governo despótico, Beresford tornara-se pouco querido do
povo, e a permanência dos oficiais ingleses no nosso exército
concorria poderosamente para lhe fazer perder todas as simpatias que
alcançara durante a guerra. De coronel para cima era raro o oficial
que não fosse inglês.
Havia dois anos que terminara a
guerra; e nada justificava o domínio britânico. Beresford previa
alguma conspiração que se formasse dum momento para outro, mas não
imaginava que já houvesse algum projecto urdido entre portugueses,
e por isso ficou espantado quando o seu ajudante de ordens, o capitão
João de Andrade Corvo de Camões, o informou em abril de 1817 da existência
de um plano de revolta, que já contava um certo numero de adeptos.
Beresford cuidou logo em buscar os fios da conspiração, e mandou chamar
o capitão Pedro Pinto de Morais Sarmento, que fora quem informara o
ajudante Corvo de Camões. Depois de larga conferência fez entrar
Morais Sarmento na conspiração para estar bem ao facto do que se
ia tramando, e igualmente levou o bacharel João de Sá e mais dois oficiais
do exército a filiarem-se no número dos revolucionários, para
assim colher as provas e documentos necessários para a prisão dos
conjurados. Todas estas medidas foram tomadas sem que a regência
tivesse comunicação alguma, e parece que a ideia de Beresford era
julgar os réus pela justiça militar, mas consultando a este
respeito Cipriano Ribeiro Freire, visconde de Santarém e José António
de Oliveira Leite de Barros, foram estes de parecer que se
informasse o governo do ocorrido. Beresford assim o fez, e depois de
tomadas as devidas precauções militares na cidade, procedeu- se no
dia 25 de maio à prisão dos conjurados. Instaurado o processo,
lavrou-se afinal a sentença, e apesar de serem muitos os réus condenados
à morte, os governadores do reino não pediram a sanção real, e a
sentença executou-se dois dias antes de ser dada ao público. Os presos,
foram uns para o Limoeiro, outros para o castelo de S. Jorge, e só Gomes
Freire de Andrade foi encerrado na Torre de S. Julião. Procedeu aos
interrogatórios o intendente geral da polícia, Barbosa de
Magalhães, com os seus dois ajudantes, Casal Ribeiro e João Gaudêncio.
Gomes Freire sofreu na prisão as maiores crueldades e privações
até ser nomeado governador da Torre o marechal Archibald Campbell,
que foi mais benévolo. Gomes Freire revoltou-se contra a morte na
forca, e pediu para ser fuzilado. Na manhã de 18 de outubro de 1817
começou a fardar- se com todo o sossego, julgando que fora atendida
a sua suplica, mas quando lhe disseram que envergasse a alva dos condenados
à forca, não podendo resistir no primeiro instante à impressão
que tão dura afronta lhe causava, desmaiou, mas recuperando logo o
sangue frio, caminhou sereno para o lugar do suplício. Ás 9 horas
da manhã o corpo inanimado de Gomes Freire de Andrade pendia da forca
levantada no alto do Alqueirão, próximo da Torre, e algumas horas depois
eram as suas cinzas lançadas ao mar, cumprindo-se deste modo a sentença
com toda a exactidão. NaqueIe mesmo dia, no Campo de Santana, hoje
Campo dos Mártires da Pátria, eram enforcados, sendo-lhes depois
cortadas as cabeças, e queimadas juntamente com os corpos,
deitando-se ao mar as cinzas, os seguintes réus: António Cabral
Calheiros Furtado de Lemos, Henrique José Garcia de Moraes, José Campelo
de Miranda, José Joaquim Pinto da Silva, José Ribeiro Pinto, José
Francisco das Neves, Manuel Monteiro de Carvalho. A serem
enforcados: Manuel de Jesus Monteiro, Manuel Inácio de Figueiredo, Máximo
Dias Ribeiro, Pedro Ricardo de Figueiró. A degredo para Angola por
toda a vida, Francisco António de Sousa; para Moçambique, por dez
anos, António Pinto da Fonseca Neves; para Angola por cinco anos,
Francisco de Paula Leite; e a ser expulso de Portugal o barão
Frederico Eben. No Ocidente, de 1890, voI. 13.°, páginas
206, 207, 214 e 215, vem publicado um documento importante, extraído
da Memoria sobre a conspiração de 1817, vulgarmente chamada de
Gomes Freire, escrita e publicada por um português amigo da
Justiça e da Verdade. É uma carta, assinada por Pedro Pinto de
Morais Sarmento, escrita em Londres a 8 de maio de 1821, em que. ele
se defende da denúncia que fez da conspiração, e da forma como procedera
por ordem de Beresford. O general barão da Batalha, quando esteve
governando a Torre de S. Julião em 1851, mandou erigir no alto do
Alqueirão, no local em que foi levantado o patíbulo de Gomes
Freire, um singelo monumento comemorando a sua morte.
Biografia
de Gomes Freire de Andrade
O Exército português em finais do
antigo regime
Genealogia
de Gomes Freire de Andrade
Geneall.pt
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