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António (D.).
n.
1531.
f.
26 de agosto de 1595.
Prior
do Crato, filho do infante D. Luís, e neto do rei D. Manuel. Foi um
dos pretendentes à Coroa Portuguesa, quando faleceu o cardeal-rei
D. Henrique.
Nasceu
em Lisboa, em 1531, morreu em Paris a 26 de agosto de 1595.
Sua
mãe chamava-se Violante Gomes, de alcunha a Pelicana; era
uma israelita por quem o infante D. Luís se deixara fascinar.
Entretanto, parece ter sido convertida, porque D. João de Castro
diz que ela era: "dama humilde de nascimento, mas de rara beleza, e
que morreu professa no mosteiro de Almoster". Uma tal origem devia
ser prejudicial a D. António; sucedeu, porém, que dela mesmo tirou
vantagem, porque os judeus de Portugal se interessavam na sua
legitimação, para o tornarem capaz de suceder no trono, depois da
morte de D. Henrique, seu tio, pois entre eles havia muitos parentes
do lado de sua mãe. D. António tornou-se um vulto de grande importância
histórica. À sua educação não faltaram cuidados; na infância
foi confiado e recomendado aos frades do convento da Costa, junto a
Guimarães, seguindo depois, em 1548, para Santa Cruz, de Coimbra,
onde cursou as aulas, recebendo em 5 de maio de 1551, tendo vinte anos
de idade, o grau de licenciado em artes na Universidade. Para entrar
na carreira que lhe apontavam as escolas em que havia formado o espírito,
e para o qual seu tio D. Henrique lhe afeiçoava a vocação, era
indispensável consagrar-se de preferência aos estudos teológicos.
Neste intuito foi para Évora receber lições de teologia de D. frei Bartolomeu dos Mártires.
Habilitado
para o sacerdócio, seu tio cardeal lhe conferiu as ordens de subdiácono
e diácono, professando ao mesmo tempo na Ordem militar de Malta,
recebendo o priorado do Crato, um dos mais rendosos e mais
apetecidos de então; nunca quis tomar ordens de presbítero. Não
tardou que acentuasse o primeiro passo da sua vida politica. D.
Henrique assumira a regência do reino, o que promoveu umas desavenças
entre tio e sobrinho, dando em resultado D. António partir para
Madrid, onde se demorou por algum tempo na corte de Filipe II.
Regressando a Portugal, agitavam-se as grandes lutas africanas, que
foram as primeiras tentativas da fatal guerra, que fez perder a
nossa independência durante sessenta anos. D. António, impelido
também por aquela corrente vertiginosa, partiu para África,
chegando a assumir o governo de Tânger, em 1574, na substituição
de Rui de Sousa de Carvalho. Acompanhou D. Sebastião nas duas
expedições à África, distinguiu-se na batalha de Alcácer
Quibir, não só pelo seu valor, mas pela dedicação com que
procurou sempre salvar a pessoa do rei. Foi feito prisioneiro e
conseguiu resgatar-se por meio duma astúcia que justifica os
recursos do seu grande génio. Com palavras de brandura e modos
humildes, convenceu os mouros de que era pobre, um simples padre,
tendo por património apenas um modesto benefício, sem o qual assim
mesmo ia ficar, por determinação pontifícia, provocada e merecida
pelo facto de haver abandonado a sua igreja. Nestes casos era um
cativo sem importância, e os mouros, que principiavam já a
considerá-lo um encargo inútil, aproveitaram a oferta de dois mil
cruzados, que veio a ser o preço do seu resgate.
Quando
D. António regressou a Portugal, já D. Henrique havia sido
aclamado; teve uma recepção muito afectuosa; esses agrados, porém,
foram de curta duração. D. Henrique adivinhou as aspirações de
seu sobrinho acerca da sucessão do trono, e primeiro do que ele as
adivinhou talvez a influência espanhola que o dominava. Às pretensões
de D. António seguiram-se intrigas, desgraças, processo sobre os
seus direitos e bastardia. Romperam-se hostilidades violentas, sendo
a maior delas a promulgação da sentença, que o declarava
bastardo, mas que D. António conseguiu anular por meio dum breve do
papa Gregório XIII, com manifesta indignação e ódio do
cardeal-rei, que se queixou amargamente deste breve, como de
uma notória afronta que se fazia a um rei justo e piedoso, a um
cardeal que prestara grandes serviços à causa da Santa Sé;
acrescentando que era prejudicial ao rei católico e ao sossego da
cristandade. O prior do Crato fazia deste breve um escudo contra
Filipe II, dizendo que o papa era o juiz natural das legitimidades,
porém Filipe apresentava contra ele dois documentos que provavam
irrefutavelmente a bastardia. Era o primeiro uma informação achada
entre os papéis do cardeal-rei, pela qual o infante D. Luís
suplicava ao papa Júlio II concedesse dispensa a seu filho D. António
para poder tomar ordens sacras, suplica desnecessária e que não
teria feito, se D. António fosse filho legítimo. O outro documento
era uma carta guardada pelo secretário de Estado Bartolomeu Fróis
contendo a ordem dada por D. João III a Lourenço Pires de Távora,
para negociar em Inglaterra o casamento do infante D. Luís, seu irmão,
com a princesa Maria, filha de Henrique VIII, de Inglaterra, aquela
que depois foi rainha, e casou com o príncipe Filipe, mais tarde
rei de Espanha, o que provava não ser o infante casado com Violante
Gomes, como afirmavam os judeus. Além disso, D. António passava
sempre por bastardo, e o testamento de seu pai assim o tratava. No
entretanto, as inteligências do prior do Crato com a França eram
importantes; repetidas cartas para Catarina de Médicis a instruíam
dos receios que tinha por ver que o cardeal-rei se unia com o
rei de Espanha contra ele, e davam-lhe a conhecer a intenção de ir
estabelecer-se em França, no que já se notava pouca confiança no
resultado das suas pretensões, que afinal, nessa época, eram muito
limitadas, porque apenas desejava ser governador de Portugal e
receber uma pensão de três mil ducados transmissíveis a seu filho
mais velho.
Em
1579 escrevia a Catarina de Médicis o embaixador francês em Lisboa,
M. Vivonne de Saint-Goard, dizendo que desconfiava de D. António,
por ter querido entrar em ajustes com Espanha. Contudo, a morte do
cardeal-rei e algumas circunstâncias fortuitas, lhe permitiram
levantar temporariamente com altivez a cabeça, e reentrar no grande
combate que ia travar pela sua arriscada posição. Nesta época é
que realmente D. António se apresenta como pretendente ao trono de
Portugal. Filipe II recusara a proposta que ele lhe fizera, de ser
governador de Portugal, mas, depois da morte do cardeal-rei, foi
quem pretendeu entrar em negociações, receando da influencia que o
prior do Crato tinha no povo. D. Cristóvão de Moura, dizem, que
serviu de intermediário, oferecendo a D. António duzentos mil
ducados sonantes para pagar as dividas, cem mil de rendimento,
durante a sua vida, para que não tivesse a comodidade de casar-se,
e o titulo de duque em vez do de príncipe, que ele pedia e que
Filipe não queria conceder, para que não se deixasse a
possibilidade de ser filho legítimo. O prior, porém, exigia mais. A
morte do cardeal aumentara-lhe as prevenções; pediu duzentos mil
ducados de renda, que tanto era o rendimento dos infantes D. Luís,
seu pai, e D. Duarte, seu tio; as terras e rendas que desfrutara a
falecida rainha D. Catarina, mulher de D. João III, o governo de
Portugal, o grão mestrado de S. Tiago, a nomeação de vice-rei da
Índia, de governador do Brasil e de capitão general de África,
mais a faculdade de dispor, por sua morte e à sua vontade, de cem
mil ducados de renda. Filipe, ao princípio, fingiu consentir, mas o
prior do Crato, não se iludindo com aquele assentimento simulado,
aproximou-se de Lisboa, querendo fazer sobre esta cidade a sua
primeira tentativa. Viu, porém, que contava demasiado com a
popularidade, que julgava ter adquirido, e retirou-se a Belém, e
dali para Almeirim, submetendo-se fingidamente aos estados do reino.
De Almeirim seguiu a Santarém, onde, às intimações que lhe
mandou fazer Filipe II, respondeu com uma recusa formal. Como não
tinham transpirado as negociações secretas que anteriormente
propusera, esta recusa foi considerada um grande heroísmo. D. António
fez-se então aclamar em Santarém, a 24 de junho de 1580, pelo povo
entusiasmado, que jurou morrer em defesa dos seus direitos e da
independência do reino. Alenquer, fiel ás antigas tradições da
sua lealdade e patriotismo, abraçou a causa de D. António, o qual
esteve algum tempo hospedado no convento de S. Francisco, recebendo
ali as homenagens das autoridades, de que se lavrou um auto, que ele
assinou a 22 de julho do referido ano. Este auto ainda existia no
ano de 1758, no arquivo da câmara daquela vila. Os governadores,
por essa ocasião reunidos em Setúbal, não o reconheceram como
rei, porém D. António, sem perder um instante, veio a Lisboa,
reservando para mais tarde ocupar-se dos governadores. D. João Telo
de Meneses, pela sua parte, quis defender-se em Lisboa, mas à
proporção que D. António se aproximava, ia modificando a resistência,
e quando ele chegou à capital, já D. João Telo consentiu em
recebe-lo, se não como rei, ao menos como defensor do reino. O povo
foi quem se entusiasmou, sendo apenas acompanhado por um vereador,
indo ao encontro do novo rei. O pomposo discurso com que o Dr.
Manuel da Fonseca Nóbrega o veio cumprimentar, indemnizou D. António
da pouca consideração que lhe testemunharam o clero e a nobreza;
uns e outros se tinham abertamente declarado contra ele e até
contra a duquesa de Bragança, cedendo à proposta de ajustes com
Espanha, proposta feita pelo cardeal-rei nas cortes de
Almeirim, em 11 de janeiro de 1580; e além disso, pelas promessas e
dinheiro que Cristóvão de Moura prodigamente despendia. O prior
do Crato prosseguia, contudo, no engrandecimento da sua causa; foi
aclamado em Lisboa, assistindo à aclamação o embaixador francês;
repartiu muitos cargos no paço, jurou manter os privilégios dos
vassalos, escreveu cartas circulares a todas as cidades e vilas para
o reconhecerem por seu soberano. Esperava, portanto, que em breve
todo o país lhe fosse fiel, e conseguiu ainda que algumas cidades
adoptassem o seu partido. Os governadores foram obrigados a sair de
Setúbal, e seguiram para Castro Marim, e, apenas saíram, Setúbal
também aclamou a D. António. Estes triunfos aproveitaram por tal
modo ao seu prestígio, que o duque de Bragança chegou a entrever
um carácter nacional. D. António esperava socorros da França, que
mandara pedir, primeiro por um português chamado Barreto, depois
pelo cônsul francês Dora, mas a prudente Catarina de Médicis não
mandaria esses socorros antes de ver o caminho que tomavam os
acontecimentos, para se não declarar abertamente contra Filipe II,
carácter obstinado em ódios e vinganças. O prior do Crato também
se via exausto de recursos pecuniários; os meios empregados para os
obter, prejudicavam-lhe a popularidade, quebrando-lhe assim a sua única
e verdadeira força. Eram impostos sucessivos lançados sobre os
mercadores; a emissão de moedas de má fabrica e do mais baixo
toque; os mosteiros forçados a darem toda a prata que tinham. Não
encontrando na milícia burguesa quem quisesse ser ministro nestas
execuções fiscais, empregou a milícia negra, que organizara em
Lisboa; e era ainda com a ajuda desta barbara soldadesca que
obrigava os frades a pegar em armas.
Entretanto,
o duque de Alba tratava de conquistar terreno a todo o transe.
Comprava as resistências, quando não podia captar as vontades.
Chegando à frente de Estremoz, defendida por D. João de Azevedo,
este quis resistir em nome dos governadores e não de D. António,
mas a praça tomou o partido de capitular, as portas abriram-se, e
D. João de Azevedo foi mandado preso para Vila Viçosa. Fernando
Álvares de Toledo* tornou Évora, depois Setúbal, e, ganhando terreno, obrigou
D. António a tornar a entrar em Lisboa. A esquadra e o exército de
Espanha apoderaram-se de Cascais e da Torre de S. Julião; o exército
marchou sobre Lisboa. Ao chegar à ponte de Alcântara, em Agosto de
1580, D. António tomou-lhe o passo capitaneando as poucas forças de
que dispunha, dando renhida batalha, na qual praticou rasgos de
bravura, mas em que ficou ferido e derrotado (V. Alcântara,
Batalha de). O prior do Crato acolheu-se disfarçado nos subúrbios
de Lisboa, e segundo a tradição, a última noite que pernoitou na
capital, foi no palácio da rua dos Poiais de S. Bento, onde era a
loja de papel de Veríssimo José Baptista, muito conhecido em
Lisboa, cujo palácio está hoje transformado em prédio, em que se
vê uma papelaria. Dizem que nos títulos da propriedade se
mencionava este facto. D. António fugiu para o norte; e
atravessando Lisboa a galope, parou a cinco léguas de distância,
passando depois a Santarém, onde reuniu o resto das tropas que lhe
restavam, e dali seguiu às províncias do norte, onde, depois de
ter ocupado sucessivamente Coimbra e Aveiro, se fortaleceu no Porto,
mas não tardou que fosse expulso pelo general D. Sancho de Ávila,
que fora mandado em sua perseguição. Então D. António, sem
soldados e sem recursos, viu-se forçado a vaguear disfarçadamente
pelo Minho, recebendo hospitalidade nos conventos, nas casas
fidalgas e, ainda com mais frequência, nas choupanas; e assim andou
errando durante todo o resto do ano de 1580.
A
sua cabeça fora posta a preço. Filipe II dava oitenta mil ducados a
quem lha apresentasse, e, contudo não houve uma pessoa, nem mesmo
entre as mais pobres, que se tentasse e atraiçoasse o prior do
Crato. Estando em Aveiro, D. António mandou a França um novo emissário,
D. António de Brito Pimentel, e finalmente, quando já estava
refugiado nas montanhas, mandou ainda D. Jerónimo da Silva.
Catarina de Médicis e seu filho, Henrique III, mostraram-se bem
dispostos a favor do infeliz pretendente, e mandaram-lhe um navio
para o trazer a França. D. António já tentara evadir-se a bordo
dum navio que dera à costa, voltando o príncipe à sua triste
peregrinação. O navio francês por muito tempo não ponde receber
a seu bordo o proscrito, tal era a vigilância activíssima que o
marquês de Santa Cruz, almirante espanhol, desenvolvia. Afinal, em
6 de janeiro de 1581 conseguiu embarcar, e pôde transportar-se para
Calais, sendo auxiliado na fuga por um frade franciscano. Chegado a
Calais, resolveu visitar a rainha Isabel de Inglaterra, que o
recebeu afavelmente, dando-lhe muitas esperanças, que se desfizeram
em desilusões. Embarcou então com destino à França, e a 6 de outubro de 1581 estava no castelo de Eu, onde o esperava o duque de
Alençon, irmão do rei, com o qual teve uma entrevista. Seguiu
depois a Dieppe, visitou o conde de Vimioso, Filipe Strozzi e outros
amigos, que sempre se lhe conservaram fiéis. Partiu para Paris, e
no caminho recebeu muitas homenagens; Henrique III foi ao seu
encontro até Nantes. Em Paris teve uma recepção com honras de
rei; hospedou-se no Louvre. Nestas homenagens havia uma intenção
reservada. O plano da França era humilhar a influência da Espanha
e alcançar o Brasil, que D. António prometera, se subisse ao
trono. Armou-se uma esquadra de cinquenta e cinco navios, equipou-se
um exército de cinco mil homens, distribuiu-se o comando pelo capitão
Landereau o por Filipe Strozzi, e, o que é ainda mais, advertiu-se
à Inglaterra, que lhe incumbia associar-se com igual empenho a este
movimento. Semelhante política não foi bem recebida por toda a
França. Levantaram se contra ela protestos e conflitos. Entretanto
D. António achava-se em Tours, onde as circunstancias lhe eram ora
favoráveis ora adversas. Se uns defendiam a sua causa, outros a
condenavam com a mesma energia. Pronta a esquadra, fez-se à vela,
trazendo a seu bordo o prior do Crato, o conde de Vimioso, Rui Gomes
e outros portugueses, M. de SaintSoléne, Jean Beaumont e vários
fidalgos franceses. Aportou à ilha Terceira, onde a soberania de D.
António fora reconhecida e era sustentada pelo seu governador
Cipriano de Figueiredo, que conseguira desbaratar a expedição
espanhola, que fora disputar-lhe o governo. D. António foi bem
recebido, porém o inimigo rugia-lhe perto. As forcas castelhanas,
comandadas pelo marquês de Santa Cruz, tinham baluarte nos Açores.
D. António meditou logo uma batalha, que veio a ferir-se em Vila
Franca do Campo, a 27 de julho de 1582. A luta era desigual, os
castelhanos tinham a seu favor a superioridade dos navios e das forças,
e a táctica dos oficiais. Foi esta a primeira batalha naval que se
deu no alto mar Atlântico. Os portugueses ficaram derrotados,
sucumbindo o conde de Vimioso e Strozzi, que eram dos melhores
companheiros de D. António, depois de combaterem corajosamente. O
prior do Crato refugiou-se na ilha Terceira, mas não desistindo do
seu propósito, entregou ao conde de Torres Vedras, D. Manuel da
Silva, o governo das duas ilhas, Terceira e Faial, que se
conservavam ainda fiéis, e partiu para a Europa.
A
29 de dezembro de 1582 estava em Tours redobrando de esforços com
os governos inglês e francês, para que o auxiliassem. Neste
empenho eram-lhe favoráveis alguns diplomatas de nome conhecido,
como Lorde Burghley, M. de Vivonne de Saint-Goard e outros. Henrique
III limitou-se a oferecer uma pequena força, comandada por Aymar du
Chaste, o qual dirigindo-se à Terceira, assistiu à queda desta
ilha e da do Faial, que no fim de muita resistência, já haviam
capitulado. Antes de terminar o ano de 1583, Aymar du Chaste
regressou a França com os que tinham podido escapar da expedição
e às crueldades do marquês de Santa Cruz; o conde de Torres Vedras
fora decapitado. A hora fatal do desterro soou então para D. António.
Refugiado na aldeia de Rueil, próximo de Paris, em princípios de
1584, padeceu grande doença e chegou ás ultimas privações, que
eram partilhadas por dois dos seus filhos naturais, D. Miguel e D.
Cristóvão. A miséria era tanta, que às vezes passavam unicamente
a pão e água, e os criados que se lhe conservavam fiéis chegaram
a estar dias sucessivos sem comer, sem soltarem o mais leve
queixume. O que se torna singular, é que neste estado tão
aflitivo, foi quando D. António manteve mais austera a sua
dignidade, recusando com altivez as propostas de Filipe II, que lhe
prometia pagar as dividas e dar-lhe uma quantia avultada em troca da
desistência dos seus direitos à coroa portuguesa. Em Rueil todos o
respeitavam;
os habitantes pediram-lhe como grande honra que fosse colocar a
primeira pedra da igreja que iam construir. Até 1793 via-se nesta
igreja uma inscrição, dizendo que fora D. António I, rei de
Portugal, quem colocara a pedra fundamental daquele edifício em
1584. D. António ainda fez várias tentativas, que foram
infrutuosas. Filipe II não deixava de persegui-lo, e quatro
assassinos, por sua ordem, pretenderam matá-lo, o que obrigou D.
António a fugir, indo abrigar-se na Bretanha no castelo de Auray,
que Catarina de Médicis lhe ofereceu. Não se julgando seguro,
porque o duque de Mercoeur, governador da Bretanha, estava em boas
relações com a Espanha e parecia disposto a entregá-lo,
refugiou-se no castelo de Beauvoir, pertencente à duquesa de
Loudunois; ainda dali, D. João Herédia, sobrinho do marquês de
Santa Cruz, sendo enviado por Filipe II, tentou arrancá-lo à forca
das armas, mas não o encontraram, porque D. António fugira para a
ilhota de Sossimo. O castelo foi então saqueado. Em agosto de 1585,
Henrique III promulgou cartas patentes, declarando que o príncipe
D. António estava debaixo da sua protecção, fustigando
severamente os que se tinham atrevido a molestá-lo. Porém a
autoridade de Henrique III era pouco respeitada em França, e D. António
foi refugiar-se na cidade protestante de La Rochelle, onde afinal se
pôde considerar seguro.
Vendo,
porém, os seus negócios paralisados, e crendo que em França
poderia ser acometido com alguma punhalada pelos agentes de Filipe
II, passou à Inglaterra em 1586. A rainha Isabel mostrava-se
inclinada ao proscrito, a Holanda também o olhava com atenção, e
Catarina de Médicis, despertada por tantas benevolências, que
poderiam prejudicá-la, convidou-o a voltar para França, mas D. António
recusou. Filipe II exigia da rainha Isabel a extradição de D. António,
e ao mesmo tempo assalariava Miguel Vaz para ir a Londres envenená-lo.
A Inglaterra, seduzida pelas promessas de D. António, chegou ainda
a armar uma esquadra de trinta navios, com doze mil homens, a qual se fez
de vela a 1 de abril de 1589. Nesta expedição, comandada por John
Norris e Francis Drake, vinha D. António; seu filho D. Manuel, e
outros homens notáveis, e entrou no Tejo a 24 de junho seguinte. O
ataque sobre a cidade custou milhares de vidas, mas Lisboa estava
esmagada por um jugo de ferro, e a armada teve de retirar-se, e com
ela D. António, que recebera o último desengano. O resto da vida
passou-o, errando de França para Inglaterra, como que ao acaso;
sentindo avizinhar-se-lhe a morte, escreveu de Paris uma série de
cartas à rainha de Inglaterra, ao rei de França, ao príncipe Maurício
de Nassau, ao conde de Essex e à princesa de Orange. O assunto
destas cartas era o pedido duma esmola para os filhos que iam perder
seu pai. D. António foi sepultado no convento grande dos
franciscanos em Paris, mas o coração ficou depositado no convento
da Avé-Maria, da ordem de Santa Clara, ao lado do altar-mor, com um
longo epitáfio em latim, que vem publicado no 1.º vol. da Biblioteca
Lusitana, de Barbosa Machado, a pág. 191. D. António, na hora
extrema, pediu que os seus ossos fossem trasladados para Alenquer, e
os sepultassem no coro do convento de S. Francisco; seu filho D.
Manuel também manifestou este desejo, porém não se cumpriram as
suas últimas vontades, porque os cadáveres do pai e do filho se
conservaram no estrangeiro, longe da pátria que tanto prezavam.
De
diversas mulheres teve D. António dez filhos; foi homem inteligente
e muito ilustrado; além das cartas em que falámos, escreveu também,
em latim: Psalmi
confessionales, que, foram traduzidos em diversas línguas. Em
1653 publicou-se em Lisboa urna tradução com o seguinte titulo: Solilóquios
em que um pecador
arrependido fala com Deus, disposições para bem se confessar,
e indústrias
para bem morrer. Acharam-se em um escritório
do Sereníssimo
D. António
Príncipe
Português,
na sua própria
letra, na língua
latina, com tradição que era obra do seu grande juízo, e confissões
feitas pelo seu grande arrependimento, agora traduzidos e pouco
acrescentados para melhor cadencia da língua
portuguesa,
pelo P. Fr. Jorge de
Carvalho, etc. Escreveu também: Panegyris
Alphonsi primi Lusitanorum Regis, Conimbricae, 1550; este panegírico
foi recitado pelo autor na presença de D. João III e da rainha D.
Catarina, quando em 1550 foram visitar a Universidade; escreveu também
a sua vida, em três tomos, com o título de História
do rei D. António.
Este manuscrito foi dado por seu filho D. Manuel de Portugal, a
frei João Caramuel, que o conservou em grande estimação. Acerca
do prior do Crato há publicados muitos livros, tanto nacionais como
estrangeiros, de que nos dá relação o Dicionário
bibliográfico, de Inocêncio da Silva, vol. 1.º e 8.º
*
Henrique de Guzmán, no original, foi o 2.º conde de Olivares.
Genealogia
de D. António
Geneall.pt
Biografia e genealogia de D. António O Portal da História
D. António, Prior do Crato, Príncipe Penitente Artigo de José Adriano de
Freitas Carvalho
Biblioteca Digital da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (é
necessário ter o Adobe Acrobat Reader instalado no seu sistema )
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