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Arsenal
de Marinha.
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© Museu de
Marinha |
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Lançamento
à água de uma nau e uma fragata no Arsenal da Ribeira das
Naus, em finais do séc. XVIII |
Este
vasto e grandioso edifício está situado na margem do rio Tejo,
junto à praça do comércio. A frontaria principal olha para o
norte, e prolonga-se com a rua do Arsenal
e com a praça do Município, onde tem a sua entrada nobre. A frente
do lado do sul olha para o rio, e cai sobre os espaçosos terreiros,
onde se acham os telheiros em que se fazem os mastros, escaleres,
etc.; os estaleiros de construção naval; várias oficinas, e o
dique. Para o lado de oeste tem uma fachada que deita para o pátio
das oficinas. Do lado de leste liga-se com as traseiras do palácio
ocidental da praça do Comércio.
A
construção do Arsenal de Marinha começou no ano
de 1759, em terreno que fora ocupado por uma parte dos paços reais
da Ribeira, tornados em
completa ruina pelo terremoto de 1755, e sobre o próprio local das
antigas Tercenas navais (V. este nome)
edificadas por D. Manuel, estabelecimento, que não era
exclusivamente naval, porque continha armazéns de armas para o exército.
No reinado de D. Manuel e de D. João III guardavam-se neste depósito
armamentos completos para 40.000 homens de infantaria e 3.000 de
cavalaria, além de muitas peças de artilharia. Este arsenal também
teve o nome de Ribeira das naus, que conservou até ao
terremoto de 1755, que destruiu completamente todos os seus edifícios.
Esta denominação passou ao novo arsenal, por alvará de 16 de
novembro de 1755, e por muito tempo ainda o povo assim lhe chamava.
O arquiteto Eugénio dos Santos de Carvalho, autor da planta da
reedificação de Lisboa, foi quem fez o risco para o novo edifício.
O
Arsenal da Marinha tem armazéns vastíssimos, que no começo do século
passado se achavam bem providos de todo o material necessário para
uma marinha de guerra respeitável; a marinha portuguesa compunha-se
então de doze naus, doze fragatas e muitos outros vasos de menor lotação.
Tem dois estaleiros bem construídos de cantaria. O dique é uma
obra grandiosa, mas que deveria ter maiores dimensões, contudo,
quando se acabou, recebia os navios de maior lote que então se
fabricavam. Deve-se a sua construção ao ministro da marinha,
Martinho de Melo e Castro, no reinado de D. Maria I. As obras foram
dirigidas pelo tenente-general Bartolomeu da Costa. A Martinho de
Melo é que a marinha portuguesa deve mais o seu desenvolvimento.
Havia visitado os arsenais estrangeiros, por ordem da rainha, e
conhecendo os defeitos da fiscalização, a maneira pouco própria
porque nos almoxarifados se encontravam os objetos da fazenda, a
falta duma nomenclatura conveniente num arsenal naval, a imperfeição
e pouca clareza dos inventários, foi obrigado a chamar pessoas
devidamente habilitadas para se dar a bem combinada e útil reforma
de 3 de junho de 1793, estabelecendo essa classificação em
relação a
qualquer estado em que se poça imaginar um navio e um arsenal
naval. É fora de dúvida que desde 1757 a 1793 se legislara muito
sobre a organização do arsenal, essa legislação porém
não satisfazia. A reforma de Martinho de Melo, que se pode dizer se
iniciou em 1791, deu
como resultado em 1796 o aprestamento de 39 navios de guerra e mais
26 embarcações de
serviço em
que se contavam 6 grandes charruas. Por morte de Martinho de Melo,
seguiu-se na pasta da marinha D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que
também seguiu as medidas já decretadas, ampliando-as por sua
iniciativa com outras de alcance prático. Para completar o
armamento dos navios de guerra, foi criada, por decreto de 29 de
junho de 1771, a fábrica de Cordoaria do Arsenal da Marinha. Sob as
benéficas administrações de
Martinho de Melo e de Sousa Coutinho, a marinha foi criando forças, e
parecia readquirir o seu antigo esplendor; a bandeira portuguesa já
quase esquecida flutuava outra vez, ora nos navios que se empregavam
no serviço de guarda costa, ora nos comboios das frotas mercantes
da Índia e do Brasil, ora na perseguição dos piratas barbarescos, como no bombardeamento de Trípoli, em que, ao lado
da esquadra espanhola, figurou uma divisão portuguesa comandada por
Bernardo Ramires.
A
retirada da família real para o Brasil, em 1807, deu o golpe mortal
na marinha de guerra. A esquadra foi dividida, ficando uma pequena
parte em Portugal, acompanhando a família real todos os navios
importantes, O dique começou a
ser abandonado, pelo desleixo em que recaíram todas as repartições do Estado, e foi-se entulhando, até ficar inteiramente obstruído pelo
lodo, porque não podendo as comportas aguentar o embate das águas,
e não se dando as providências necessárias, o lodo e a areia iam
entrando e aglomerando-se, a ponto de o inutilizarem. Diversas
vezes, e em diferentes épocas se tentou desentulhar o dique, mas
todo o trabalho ficava sem efeito pela dificuldade de se conseguir
fabricar portas suficientemente sólidas para resistir ao impulso
das águas. Desta forma esteve o dique durante muitos anos
inutilizado, o que causava enorme transtorno ao arsenal. Finalmente,
em 1845, sendo ministro da marinha Joaquim José Falcão, fez-se
nova tentativa, e então com o mais profícuo resultado; os
trabalhos de desentulho e limpeza do dique foram feitos sob a
direção e plano do engenheiro holandês Pieterson; o dique ficou,
portanto, fechado com umas portas de construção muito sólida e
nas melhores condições de serviço. Posteriormente se assentou uma
máquina movida a vapor, para que as águas se esgotassem com maior
prontidão, e da parte de fora das portas também se colocou uma
draga, movida igualmente a vapor, para conservar sempre
desobstruída de lodo e areia, a entrada do dique. Estas obras,
porém, apesar de importantes, não produziram resultado
completamente satisfatório; só anos mais tarde, em 1873, é que o
dique ficou ainda em melhores condições, com a colocação de um batel
porta, à entrada. A marinha de guerra chegara a um lastimoso
estado de decadência; na sessão da câmara dos deputados, de 19 de
junho de 1853, foi proposto um inquérito parlamentar sobre a
situação e organização dos serviços das repartições de
marinha. A eleição da comissão de inquérito realizou-se em 5 de
abril de 1855, e os resultados dos seus trabalhos foram publicados
em 1856 em dois grossos volumes. O arsenal foi então reformado, por
decreto de 20 de outubro de 1859. Esta reforma, porem, não foi
moldada sobre os princípios modernos que presidem às organizações dos arsenais, e portanto não
produziu resultados favoráveis. As oficinas estão construídas
sobre um plano regular, e apresentam um aspeto agradável; o
desenvolvimento dos trabalhos artísticos dá honra aos operários,
ao edifício e ao país. A oficina de serrar madeiras é
vastíssima, de estilo moderno e elegante; a serração é feita por
uma máquina movida a vapor.
Em 1865 executou-se uma obra importantíssima e de grande urgência, foi a
ponte e a cábrea, ambas de ferro, e muito notáveis pelas suas
proporções, estrutura e solidez. Por maior que seja a lotação,
todo e qualquer navio pode com facilidade atracar à ponte; a
cábrea permite a descarga até dos mais pesados volumes, pois pode
levantar até ao peso de 60 toneladas; tirar ou receber mastros,
artilharia, etc., sendo a condução para dentro do Arsenal feita
por carris de ferro. A embarcação que estreou a ponte e a cábrea
foi, logo no referido ano de 1865, a fragata de guerra D.
Fernando, que
veio ali receber os mastros. O diretor destas obras foi o engenheiro
João Evangelista de Abreu. O Arsenal tem também um cais todo de
cantaria, conhecido pelo nome de Inspeção, por estar
colocada no centro dele a casa onde se vê a secretaria da
inspeção. Em 30 de dezembro de 1868,
houve nova reforma, que não logrou longa vida, seguindo-se o
decreto de 28 de outubro de 1869.
A
transformação por que passou a marinha, obrigou também a
reorganizar os estabelecimentos de construção. Tornaram-se
precisas novas máquinas, ferramentas e aparelhos especiais para
efetuar a construção dos navios do moderno sistema. Em 1873 tentou-se
ensaiar a construção duma canhoneira composite, mas as
dificuldades que logo surgiram, obrigaram a mudar-se de resolução
e voltou-se para os antigos processos e construção só de madeira.
Em 1896 começaram as construções de ferro, e foi contratado um
engenheiro naval francês e mais pessoal para riscar e construir um
cruzador de 4.ª classe.
No
pavimento nobre do Arsenal existem as repartições respetivas do
edifício, a Relação de Lisboa com suas dependências, Escola Naval, a biblioteca e o
museu. Entre as muitas e extensas salas, que servem de arrecadação
e para outros mesteres, sobressai a vasta sala do risco, cujo comprimento é de 81 metros e tantos centímetros. É
guarnecida de janelas por ambos os lados, este e oeste e em todo o
seu comprimento, e no lado do sul tem portas de vidraças, que
deitam para um terrado, onde está o telégrafo central marítimo.
São nesta sala as escolas naval e de construção, tendo na
extremidade do lado do norte, por onde há comunicação para outros
corpos do edifício, uma corveta para exercício dos alunos, a qual
ocupa o fundo da sala em quase toda sua largura e altura. Também se
conservam na sala do risco alguns modelos de embarcações de
guerra construídas no Arsenal, uma estátua do rei D. João VI,
feita de madeira, e um grande quadro pintado a óleo, representando
uma baleia, cópia de uma que entrou no Tejo no dia 11 de janeiro de
1783, e deu á costa na praia de
Cacilhas.
Nesta
sala tem-se celebrado várias funções esplêndidas, em diferentes
épocas. Entre outras, conta-se o sumptuoso banquete oferecido em
1821 pelo corpo comercial de Lisboa, aos ministros, deputados, e
oficialidade dos corpos da guarnição da cidade, para comemorar a
proclamação da liberdade de 1820. Em 1842 houve outro lauto jantar
de quatrocentos talheres, dado pela oficialidade dos corpos da
guarnição de Lisboa, para solenizar a restauração da Carta
Constitucional. Em 1849 efetuou-se a grande exposição de objetos
de artes antigos e modernos, uma lotaria de mais de mil prémios, em
benefício das
casas de asilo da Infância Desvalida. Ultimamente, em 16 outubro de
1903, também ali se deu um opíparo jantar, oferecido ao atual
presidente do conselho de ministros, senhor conselheiro Hintze
Ribeiro. Em todas as festas que se realizam, vê-se a sala sempre
vistosamente adornada, apresentando uma linda perspetiva a quem a
contempla da galeria, que lhe corre em volta, a uns dois terços,
pouco mais ou menos, da altura das paredes. No Arsenal de Marinha
existe uma recordação dos antigos paços da Ribeira; é um grande
portal de cantaria que se vê na extremidade oriental do edifício,
no sítio chamado das galés. Este portal pertencia ás obras
empreendidas nos ditos paços por D. João V.
O
serviço do Arsenal da Marinha é distribuído por duas direções:
a 1.ª dirigida
por um oficial superior da armada, tendo a seu cargo a policia,
fiscalização dos depósitos oficiais, marinheiros, gente do
talhame de artilharia, navios desarmados, guarnições dos iates,
barcaças, faluas, barcas de água, draga, rebocador, escaleres, e
as oficinas de aparelho, pintores, bandeiras e tanoeiros. A 2.ª é
dirigida por um engenheiro naval, auxiliado por três ajudantes,
também engenheiros, tendo a responsabilidade do corpo de
engenheiros maquinistas, e as oficinas de máquinas, serração,
ferraria geral, fundição de bronze, latão e ferro; caldeiras a
vapor, moldes, caldeireiros de cobre e funileiros, poleeiros,
torneiros, entalhadores, calafates e carpinteiros de branco e de
machado. Ao sul do Tejo tem o Arsenal por dependências os
estabelecimentos da Azinheira e do Vale de Zebro. A capela de S.
Roque, que existe no Arsenal foi feita pelos carpinteiros, a quem
foi concedida a competente licença. Na parte mais oriental do
Arsenal, junto ao rio, há uma nascente de águas termais, que desde
o seu aparecimento se tratou de aproveitar em benefício do povo,
dispondo-se no casco velho de um brigue um estabelecimento de banhos
que, apesar de ser provisório e destinado para as classes menos
favorecidas da fortuna, envergonhava o Arsenal e a cidade pelo seu
aspeto miseráveI. O nível das águas, dentro do poço em que
nascem, varia segundo as marés, assim como a sua composição química,
por haver mistura entre a água mineral e a do rio, durante a
praia-mar. Descobriu-se aquela nascente, quando em 1829 se começou
a formar o alicerce da extremidade meridional da arcada ocidental da
Praça do Comércio. A água brotou então no fundo de um cabouco em
tal quantidade, que foi muito difícil estancá-la, Vindo depois
surdir no meio da praia em frente do cais denominado da Areia, e a
pequena distancia dele. As propriedades curativas destas águas
foram descobertas pelos próprios operários que no referido ano do
1829 abriram os alicerces, porque trabalhando, com as pernas metidas
mais ou menos na água mineral, viram que as úlceras de que
sofriam, se iam curando. A atenção médica foi chamada para esse
facto. Ao princípio e por muitos anos se usou a água em bebida no
próprio local da origem, e em banhos nas casas particulares para
onde era transportada em barris.
Em 1850, pouco mais ou
menos, a Misericórdia construiu por detrás da igreja de S. Paulo,
um belo edifício para banhos públicos, mas com o fim especial de
encaminhar para ali as águas do Arsenal, porém depois do edifício
estar concluído, e feita a canalização das referidas águas,
conheceu-se que não era exequível a condução destas pelo seu próprio impulso. Este edifício foi
depois confiado em 1868 ao Dr. Agostinho Lourenço, lente de química
na Escola Politécnica, e desde então tomou grande desenvolvimento,
não só nos banhos sulfúreos, como nos banhos comuns. As águas são
para ali trazidas por meio de uma máquina a vapor, através de um
encanamento de mil metros de comprido, formado por manilhas de barro
vidrado. Para este balneário, dentro do qual também brotam águas
cloretadas, está igualmente canalisada a água mineral do Poço de
Abegoaria descoberta e estudada pelo referido Dr. Lourenço.
Esta água nasce a 250 m. do edifício, e tem idêntica,
e talvez mais rica composição que a água do Arsenal. Na origem,
as águas são límpidas e ligeiramente amarelo esverdeadas, de
cheiro francamente sulfúreo e de sabor salgado, amargo e hepático.
Conservam a sua transparência sendo guardadas em frascos ou
garrafas ao abrigo do ar. Empregam-se no tratamento do reumatismo
articular, muscular e nodoso, da gota crónica localizada, de
algumas nevralgias, e em certos casos de nevropatias, linfatismo,
escrofulismo e doenças de pele de forma húmida. São usadas em
banhos, e internamente em doses que variam, segundo os efeitos que se pretende obter. Acerca destas águas
tem-se publicado diferentes livros, que o Dr. Alfredo Luís Lopes
nos dá conta a pág. 147 e 148 da sua obra Águas Minero
Medicinais de Portugal, publicada
em 1892.
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