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Artilharia.
Esta palavra tem hoje uma acepção
complexa em que se contêm três ideias capitais: a de ciência,
a de material e a de pessoal. Na primeira entra o
conjunto de conhecimentos verdadeiramente facultativos ou técnicos,
de ciências exactas e físicas, de artes mecânicas e industriais,
que directa ou indirectamente concorrem para a instrução do
artilheiro, para a sua profissão especial de construir, conservar e
empregar todo o género de armas, aparelhos, máquinas e munições
de guerra. Por material na sua acepção mais lata,
compreendem-se não só os trens e parques, como também fundições,
oficinas de pirotecnia, de fabricos, de concertos, armazéns, depósitos,
reservas, numa palavra, a universalidade de objectos materiais
relacionados com as armas e com as munições de toda a espécie. O pessoal,
finalmente, é o agente animado que cultiva sem cessar a ciência de
artilharia, produzindo o seu material, cuidando dele e aperfeiçoando-o
em tempo de paz, empregando-o e conduzindo-o na guerra.
* * *
É desconhecida a época em que foram
inventadas as bocas de fogo; uns atribuem a sua invenção aos
chineses, outros à Alemanha, outros aos árabes, e alguns à Itália.
Também é desconhecido qual foi a primeira nação que empregou na
guerra a arma de artilharia. É, porém, fora de dúvida, que entre
os povos da Europa, foram os portugueses uns dos primeiros que possuíram
estas terríveis armas, conhecendo-as desde o meados do século XIV,
apesar de haver quem diga que já se tinham empregado na tomada de
Silves, no reinado de D. Sancho I. Está averiguado que no sítio de
Lisboa, em 1381, nos servimos da pólvora e dalguns trons, ou peças
de artilharia; mas só em 1385, depois da batalha de Aljubarrota, é
que a artilharia foi introduzida no número das nossas armas, começando-se
a fazer uso dela a bordo dos navios no reinado de D. João I.
Referem os cronistas que naquela célebre batalha os exércitos
castelhanos traziam 16 trons, mas essas peças nenhuma influência
tiveram na peleja, tendo o mestre de Avis alcançado brilhante vitória,
apesar de não ter à sua disposição nenhuma dessas novas máquinas
de guerra. Os nossos, contudo, não desprezaram esse novo invento, e
parece que João Gonçalves Zarco, quando realizou a descoberta da
ilha da Madeira, tinha no seu pequeno navio algumas peças de
artilharia. Para a expedição de Tânger levaram os infantes D.
Henrique e D. Fernando, em 1437, bastante artilharia, e o material
desta arma aumentou tanto em breves anos, a sua importância cresceu
tão rapidamente, que D. Afonso V julgou conveniente nomear um
vedor-mor de artilharia dando-lhe regimento de 13 de abril de 1449 e
nomeando para esse cargo Gil de Brito. D. João II imaginou armar
caravelas com peças de maior calibre, para o que se fizeram em 1490
experiências em Setúbal, que deram bom resultado, pelo que as
caravelas portuguesas ficavam em condições de lutar vantajosamente
com navios de alto bordo, até que as outras nações secundaram também o sistema que seguiam. O rei D. Manuel introduziu grandes
aperfeiçoamentos; fundou uma oficina de armas em Barcarena
para a qual mandou vir mestres de Biscaia, e ordenou que em certas
cidades e vilas houvesse oficiais de fazer armas, pagos pelos
concelhos. Fundou também as Tercenas
da porta da Cruz e de Cata-Que-Farás, com oficinas de
armas e fundição de artilharia, e uma fábrica de pólvora, que
depois se mudou para Alcântara, e mais tarde para Barcarena. O número
de peças de artilharia e o material de guerra que se fundiu em
Portugal, em Goa, em Macau, e noutros pontos durante este reinado e
os de D. João III e D. Sebastião, foi avultadíssimo, como era
preciso, para se sustentarem as nossas guerras de África e do
Oriente; no exército que ficou sepultado nos campos de Alcácer
Quibir, entraram trinta bocas de fogo, sendo comandante Pedro de
Mesquita.
A 28 de dezembro de 1640, D. João IV
criou o posto de tenente-general de artilharia, declarando-lhe a
jurisdição que lhe competia, regulando o expediente dessa nova
repartição, e concedendo ao tenente-general Rui Correia Lucas,
quando fosse ao conselho da fazenda, o mesmo lugar que tinha o
provedor de armazéns e armada. Em maio de 1641 foi organizada a
instituição dos bombardeiros, devendo haver até trezentos, sendo
duzentos portugueses e cem alemães ou doutras nações. Por esse mesmo
regimento foram estabelecidas várias disposições acerca dos exercícios
desses militares, e determinou-se que o cosmógrafo-mor do reino, ou
na sua ausência o jesuíta que ensinava matemática no convento de
Santo Antão, ensinasse artilharia e esquadria duas vezes por semana
numa sala do paço. Ainda no reinado de D. João IV se criaram os
postos de generais e tenentes-generais de artilharia nos exércitos
do Alentejo e das outras províncias, e bem assim se nomearam
diferentes oficiais para o trem de artilharia, e se cuidou de
aumentar o número dos artilheiros e de os instruir
convenientemente. Em 1677 foi criado um troço de trezentos artilheiros
para guarnição das armadas. A primeira organização mais regular
foi em 1701, no reinado de D. Pedro lI, que criou um troço de
quinhentos artilheiros em Lisboa, e cinco anos depois outro com oito
companhias no
Alentejo. Do exército com que o marquês das Minas entrou em Madrid
no ano de 1706, faziam parte vinte peças de artilharia, e no que em
1709 se formou no Alentejo às ordens do Marquês de Fronteira,
havia igual número de bocas de fogo. D. João V, em 1718, aumentou
a força de artilharia com mais quatro companhias na Beira, e três troços
ou regimentos em Lisboa, Alentejo e Algarve, tendo cada regimento
uma companhia de barcas e outra de mineiros, coronel ou
tenente-coronel, e sargento-mor. No reinado do rei D. José, em
1757, foi organizado o Regimento de Artilharia do Alentejo, com dois
batalhões de oito companhias, havendo no primeiro batalhão uma
companhia de bombeiros e outra de barcas ou pontões. Em 1762
extinguiram-se as companhias de artilheiros, denominados Pés de
castelo, presídios e troços de artilharia de castelo; sendo criado
então o regimento da corte com uma aula de matemática e
organizando-se um ano depois outro no Porto, nas mesmas condições.
Em seguida declarou-se quais os conhecimentos que os oficiais e mais
praças deviam ter, sendo regulados os exames para a promoção em
1796, e determinando-se que cada regimento tivesse doze companhias uma
de bombeiros, outra de mineiros, outra de artífices, e as nove restantes de artilheiros.
No reinado de D. Maria I foi criada a
Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho; organizou-se
um Regimento de Artilharia de Marinha, e em 1792 deu-se nova
organização aos corpos dessa arma do exército sendo então
extinto o ofício de tenente-general de artilharia. Em 1796
nomeou-se um inspector-geral dos mesmos corpos. Neste ano também se
criou a Legião de Tropas Ligeiras em que entrava uma bateria a
cavalo, e depois na guerra de 1801, se organizaram em Leiria duas companhias também a cavalo, que foram adidas ao regimento da corte,
mas que não chegaram a entrar em campanha. sendo todavia as três baterias
dissolvidas em 1804. Quando em Maio de 1806 se dividiu o exército
em brigadas e em três divisões - sul, centro e norte -, estabeleceu-se
que cada uma destas divisões tivesse um regimento de artilharia,
excepto a do sul, que ficaria com dois regimentos, fixando-se que o n.º
1 ou da corte faria parte da divisão do centro, o n.º 2 ou do
Algarve. e o n.º 3 ou de Estremoz, entrassem na divisão do sul, e
que à divisão do norte pertencesse o n.º 4 ou do Porto. Estava
nestas circunstâncias o exército português, quando as tropas de
Napoleão invadiram o país em 1807. Sendo Junot expulso de
Portugal, cuidaram logo os governadores do reino de reorganizar o exército,
fixando a 14 de outubro de 1808 as bases da nova organização;
estabeleceram que houvesse como anteriormente, quatro regimentos de
artilharia, mas com a força marcada no plano de 1 de agosto de
1796. Não pode nunca levar-se a efeito esta providência, e pelo
que diz respeito à artilharia de campanha, apenas em Lisboa se
formaram algumas baterias, às quais se deu o nome de brigadas,
compostas de seis bocas de fogo. Durante o comando do marechal
Beresford, houve nova reorganização da arma, ficando os regimentos
compostos duma companhia de bombeiros, outra de mineiros, uma de
pontoneiros e sete de artilheiros, com a força total de 1.148 homens
cada regimento. No fim de muitos esforços conseguiu-se constituir
treze brigadas. que depois foram reduzidas a onze, por causa da
irregularidade do material. Em 1812, formando-se o batalhão de artífices,
determinou-se que as companhias dos corpos de artilharia passassem a
ser todas de artilheiros, e ainda nesse ano se criou o Batalhão de
Artilheiros Condutores, sendo por essa ocasião o número de
brigadas reduzido a dez, com sessenta bocas de fogo.
Terminada a Guerra Peninsular, os
regimentos foram organizados com 892 praças, e em vez do batalhão
de condutores, formaram-se quatro companhias anexas aos quatro regimentos com
sessenta e nove praças e cem muares cada uma. Quando em 1820 rebentou no Porto a
revolução liberal, o coronel Cabreira organizou com soldados do
regimento n.º 4 e gado de particulares algumas baterias, que
fizeram parte da junta, e depois o mesmo coronel obteve do arsenal
os meios precisos para formar duas baterias. Na revolta liberal de
16 de maio de 1828, no Porto, tomou parte o regimento de artilharia
n.º 4, e muitas praças deste corpo acompanharam as forças
constitucionais para a Galiza e para Inglaterra e, passando depois
à ilha Terceira, onde formaram o núcleo da força de artilharia
que sustentou essa ilha e contribuiu para a tomada das outras do
arquipélago, desembarcando mais tarde no Mindelo. Entretanto o
governo miguelista, reorganizando o seu exército em julho de 1829,
reduziu os regimentos de artilharia e as companhias de condutores ao
número de três, dissolvendo o regimento n.º 4 e a companhia que lhe
andava anexa, e em abril de 1831 estabelecia para estes corpos os
nomes de regimentos de artilharia da corte, Faro e Elvas,
porque lhes foram marcados para quartéis permanentes as cidades de
Lisboa, Faro e Elvas. Ao mesmo tempo nos Açores ia-se constituindo
o exército liberal, organizava-se uma força de artilharia, uma
bateria de académicos comandada pelo então capitão-tenente José
Maria Baldy, e em novembro de 1831 formou-se um estado maior de
artilharia e um batalhão desta arma composto de seis companhias com
688 praças, sendo o comandante-geral o general Sebastião Cabreira.
Determinando-se a organização do exército libertador, a
artilharia ficou constituída em quatro baterias, sendo uma delas
montada, mas na realidade as tropas que desembarcaram em Portugal,
traziam consigo unicamente um obus e duas peças. Durante as
campanhas da liberdade ainda se formaram, em 1833, o 2.º e o 3.º
batalhões de artilharia, contando o exército de D. Pedro IV, na
data da convenção de Évora Monte, 3.282 praças dessa arma e
trinta e seis bocas de fogo de campanha, as quais eram dez obuses e
vinte e seis peças, ao
passo que nessa mesma época o exército realista tinha quarenta bocas de
fogo de campanha. Terminada a guerra civil, organizando-se o exército,
a arma de artilharia ficou composta de dois regimentos, cada um dos
quais deveria ter duas baterias a cavalo, seis montadas e oito companhias de
posição, mas o número de bocas de fogo não excedeu nunca a vinte
e oito.
Em 1837 deu-se nova organização à artilharia, resolvendo-se que,
além de três baterias para as ilhas, houvesse três regimentos de guarnição
e um de campanha, sendo este último formado de uma bateria a cavalo e
sete montadas, com o número total de trinta e duas bocas de fogo, mas a falta de
gado não permitiu realizar esse plano, e de 1840 em diante, o número
de peças nunca chegou a metade do que estava determinado.
Pela organização de 1849 e modificações
que se lhe seguiram em 1851, ficou a artilharia constituída por
três regimentos de dez baterias, sendo destas uma montada, uma de montanha
e oito de serviço; mas na realidade o que havia para serviço de
campanha, eram as três baterias montadas e uma de montanha reunidas em
Lisboa, tendo ao todo dezasseis bocas de. fogo. Esta organização
conservou-se em vigor até 1862, em que por decreto de 28 de dezembro, foi alterada, passando a haver
três regimentos de artilharia,
um montado e dois de posição. Em fins de 1863, publicou-se nova
organização do exército, que não chegou a ser posta em prática,
ficando substituída pela de 23 de junho de 1864. A artilharia
constituiu-se então pelo modo seguinte: um general comandante geral,
um estado maior, um regimento de campanha, três de guarnição e
três companhias também de guarnição. O regimento n.º 1 ou de
campanha, ficou composto de seis baterias com quatro bocas de fogo em tempo
de paz, e seis em tempo de guerra cada uma, e os regimentos de posição
de quatro companhias de guarnição, duas baterias de montanha e uma
montada
de reserva. As três companhias isoladas tinham por fim guarnecer as
ilhas adjacentes. Em 1867 deu-se definitivo regulamento à Escola Prática
de Artilharia estabelecida em Vendas Novas em 1861, e em 1868 deu-se
nova organização à arma que ficou assim constituída: um oficial
general comandante, um estado maior; um regimento de campanha e dois
de
posição, sendo dissolvido o n.º 3 e as companhias isoladas,
determinando-se que a guarnição das ilhas fosse feita por
destacamentos. Em 1869 novamente se organizou, extinguindo-se o
comando-geral da arma e o Arsenal do Exército, passando a
superintendência de todo o serviço privativo da artilharia a ser
exercida por um general com o título de director-geral. Por esta
organização ficou determinado que, para o serviço de campanha,
houvesse um regimento de seis baterias montadas e duas de montanha, sendo
as primeiras compostas em tempo de paz de quatro bocas de fogo e em tempo
de guerra de seis, e as segundas de seis bocas de fogo no primeiro caso e
de três em pé de guerra, sendo o regimento em tempo de guerra
aumentado com quatro baterias, das quais duas de reserva de calibre 12 e
duas de montanha. Para os dois regimentos de guarnição que ficaram
existindo, resolveu-se que o n.º 2 fosse composto de oito companhias,
e o n.º 3 de dez, isto em tempo de paz, e que em tempo de guerra
três companhias de cada um destes corpos seriam substituídas por outras
tantas baterias montadas, sendo duas destas de campanha de calibre de 8
cm. e uma de reserva de 12 cm. Para a guarnição das ilhas dos Açores
criaram-se duas companhias, a n.º 1 para a Terceira e a n.º 2 para S.
Miguel, continuando a ilha da Madeira a ser guardada por um
destacamento do regimento n.º 2.
Depois da guerra franco-prussiana, o
governo adquiriu uma bateria de metralhadoras, que veio substituir
uma das baterias montadas do regimento n.º 1, que ficou então
formado com essa bateria, e cinco montadas armadas com seis peças de
bronze, e duas de montanha também de bronze. Em 1874 comprou-se o
material de seis baterias de peças de aço (Kreiner), que foram
distribuídas ao 1.º regimento, que ficou além disso com a bateria
de metralhadoras e uma de campanha. Logo em seguida o regimento n.º
3 foi organizado em regimento de campanha ficando constituído por
seis baterias montadas de seis peças de bronze, duas baterias de reserva de peças
de bronze e duas baterias de montanha também com peças de bronze. Em
Maio de 1876 este regimento recebeu o material de seis baterias de peças
de aço (Krupp), que substituíram as seis baterias montadas de peças
de bronze. Esta organização que era, por assim dizer, provisória
e que são tinha sido decretada, foi substituída pela de abril de
1877 em que a arma de artilharia ficou composta de dois regimentos de
campanha, um de guarnição e quatro companhias isoladas. Os regimentos de
campanha com os n.os 1 e 3 ficaram formados de oito baterias
montadas de seis peças, sendo seis baterias armadas com peças de aço e
duas com peças de bronze; o regimento de guarnição passou a ter
oito companhias e duas baterias de montanha, e às companhias foram
determinados como quartéis, Angra do Heroísmo, Ponta Delgada,
Funchal e praça de S. Julião de Barra. Segundo esta organização
em tempo de guerra, os regimentos de campanha deviam passar a ter
doze baterias. Em 1878 promulgou-se nova organização, e ainda em 1879,
recebeu-se da Alemanha mais material Krupp, se alterou a organização
dos regimentos de campanha. Em 1885 adquiriu-se o armamento
Kropatsehek. A constituição orgânica do exército, de 1884 foi
substituída pela organização de setembro de 1899, que é a
actual: quatro regimentos de campanha (artilharia divisionária);
dois regimentos de artilharia de guarnição a dois batalhões, um grupo de
duas baterias de artilharia a cavalo, um grupo de duas baterias de
artilharia de montanha (artilharia independente); quatro grupos de
artilharia de campanha, dois batalhões de artilharia e três companhias de
guarnição nas ilhas adjacentes (artilharia de reserva), de guarnição.
Os regimentos de campanha e os de guarnição são a oito baterias e
uma de depósito. Os grupos de artilharia de campanha são a quatro baterias
e os batalhões de guarnição a quatro companhias. No pé de paz as
baterias de campanha tem quatro bocas de fogo, e igual número têm as
baterias de artilharia a cavalo e de montanha. Em pé de guerra seis
bocas de fogo.
No Dicionário Universal Português ilustrado,
editado por Zeferino de Albuquerque, vol. II. pág. 1353 a 1374 e na
Enciclopédia portuguesa, publicada no Porto, vol. I, pág.
526 e seguintes, vêm umas descrições minuciosas acerca de
artilharia, e nas quais os leitores encontram esta matéria
largamente tratada.
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