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Azurara
(Gomes
Eanes de).
n.
f.
Comendador
da ordem de Cristo, cronista-mor do reino e guarda-mor do Arquivo
Real da Torre do Tombo.
Dizem
os seus biógrafos que ele tomara o apelido de que usou, da vila em
que nasceu, dando-o uns por natural de Azurara do Minho, e outros
por de Azurara da Beira, o que parece mais exacto, conforme se lê
no Instituto, de Coimbra, vol. IX, pág. 72 e 107. Alexandre
Herculano, no seu artigo, publicado no Panorama,
vol. 3.º de 1839, a pág. 250, diz ser Gomes Eanes filho de João
Eanes de Azurara, bispo de Évora e de Coimbra; que entrou, sendo
mancebo, na ordem de cavalaria de Cristo, onde chegou a ter o grau
de comendador de Alcains, a qual comenda possuía em 1454, e que
depois trocou pelas do Pinheiro Grande e da Granja de Ulmeiro, que
se vê serem suas pelos anos de 1459.
"Parece, diz o grande
historiador, que durante a sua mocidade Gomes Eanes, segundo o
costume dos cavaleiros daqueles tempos, se ocupou inteiramente no
exercício das armas, sem curar de instruir-se nas boas letras.
Verdade é que o abade Barbosa o faz erudito na história desde
mancebo; mas o mestre Mateus de Pisano, seu contemporâneo,
preceptor de D. Afonso V, e autor duma crónica da conquista de
Ceuta, escrita em latim, diz que sendo já de idade madura se
aplicara ao estudo, mas que até então fora inteiramente hóspede
em literatura. Foi depois desta época que Eanes entrou no serviço
do rei D. Afonso, como guarda da Torre do Tombo, segundo se colhe da
carta de sua nomeação passada a 6 de Junho de 1454, como bibliotecário
da livraria real fundada por aquele monarca, do que nos informa
mestre Mateus na obra já citada; e como encarregado de escrever
varias crónicas das coisas portuguesas, conforme o diz o próprio
Azurara no capítulo II da crónica do conde D. Pedro de Menezes". |
São incertas todas as datas relativas à vida deste nosso cronista.
Não se sabe o ano em que nasceu nem o em que morreu; os seus biógrafos
limitam-se a dizer que vivia ainda em 1473, porque aparecem certidões
passadas por ele neste anuo.
Azurara
era muito considerado por seu saber e qualidades, de valimento na
corte e pessoalmente benquisto dos reis em cujos reinados viveu: D.
João I, D. Duarte, e com especialidade D. Afonso V, prova-se isto
por muitos documentos e factos. Foi este monarca quem o nomeou
cronista-mor e guarda-mor da Torre do Tombo, substituindo Fernão
Lopes, que deu o seu consentimento por se sentir já velho, cansado
e doente; deu-lhe casas contíguas ao paço real, onde o cronista
habitou; uma tença de doze mil reais brancos anuais; em 1467
fez-lhe mercê duma capela que vagara para a coroa, doou-lhe umas
casas em Lisboa, como consta do livro III dos Místicos; diz-se que
também lhe conferiu o cargo de desembargador da Casa do Cível.
Antes de todas estas mercês, já Gomes Eanes era homem abastado,
segundo se colhe de outros documentos coevos. «Acerca deste
cronista, diz Herculano no artigo a que nos referimos, se conserva
ainda urna lembrança curiosa no Arquivo da Torre do Tombo. Em 1461
uma peleteira viúva e rica, chamada Joana Eanes, o adoptou por
filho, constituindo-o seu herdeiro. O abade Correia da Serra nota,
com razão, que tal adopção de um homem nobilitado por seus cargos
e pela qualidade de cavaleiro, feita por uma plebeia, era
inteiramente oposta ás ideias do século XV, devendo-se por isso
suspeitar que Azurara foi daquelas pessoas para quem o respeito ao
dinheiro é o principal de todos os respeitos".
A
vasta erudição de Azurara patenteia-se nas suas obras; tende a
ostentosa e declamatória, mas é vasta, e essas obras só por si
bastam a mostrar que Portugal! não foi de todo estranho ao impulso
literário de que resultou a Renascença. Era imparcial nos seus juízos
e foi escritor sincero; tinha, contudo, o defeito de querer afectar
grande talento, que ninguém lhe contestava, o que muitas vezes
tornava enfadonhas as suas obras. Damião de Góis dizia: "que
ele usava de palavras e termos antigos, com razoamentos prolixos e
cheios de metáforas ou figuras, que no estilo histórico não tem
lugar". João de Barros, pelo contrário, afirmava: "que
ele bem merecera por sua diligencia o nome do ofício que teve, e
que se alguma coisa há bem escrito das crónicas deste reino, é da
sua mão". Alexandre Herculano, no artigo do Panorama, a
que já nos temos referido, diz o seguinte: "Apesar da estimação
e respeito que merecera Fernão Lopes aos seus contemporâneos,
parece que o seu imediato sucessor lhe levou nisso conhecida
vantagem, posto que muito inferior lhe fosse em mérito. Azurara
tendo de escrever sobre coisas de África, passou aquelas partes, e
lá fez larga demora para conhecer miudamente os lugares e circunstâncias
das façanhas que tinha de narrar. Estando ali recebeu a célebre
carta de D. Afonso V, que anda impressa no principio da crónica de
D. Duarte de Menezes. Este documento prova quão bela era a alma
daquele monarca, a quem podemos sem receio chamar o último rei
cavaleiro, e cuja honrada memória têm pretendido escurecer aqueles
que só em seu filho encontram um grande homem. Vê-se nesta carta,
que D. Afonso entendia que uma pena vale bem um ceptro, e o engenho
um trono. De irmão para irmão não houvera mais afável e
afectuosa linguagem, e mais generosas animações e mercês".
No real arquivo fez Azurara uma nova leitura dos mais antigos
documentos, resumindo-os de tal forma que se encontram reduzidos à
expressão mais simples. Esta desgraçada providencia foi tomada em
virtude de um pedido dos povos a D. Afonso V.
Acerca
de Gomes Eanes de Azurara pode ler-se, além dos artigos do Instituto
e do Panorama, em que
falámos, as Memórias
para a história
do Real Arquivo,
por João Pedro Ribeiro, pág. 56; Curso
de Literatura
portuguesa e brasileira, de Francisco Sotero dos Reis, tomo I, pág.
193 a 209; Anais
marítimos
e coloniais,
série II, pág. 23 a 35; Introdução
à
Crónica
do descobrimento e conquista de Guiné, pelo visconde de Santarém.
Escreveu:
Crónica
do
rei D. João I de Boa memória,
e dos reis de Portugal o décimo;
terceira parte, em que se contém a tomada de Ceuta, Lisboa,
1644. Inocêncio da Silva, no Dicionário
bibliográfico,
vol. III, pág. 147, diz o seguinte: "Ocorre-me um reparo
sobre a composição desta crónica (publicada póstuma, e como
suplemento ou continuação das partes primeira e segunda, que do
mesmo rei deixara Fernão Lopes). Diz Azurara no capítulo 1.º que
começara a escrevê-la trinta e quatro anos depois da expugnação
daquela praça, que foi como todos sabem (e ele mesmo diz adiante no
cap. 86) a 21 de agosto de 1415. Começou por tanto a composição
no ano de 1449; e como declara no fim ter-lhe posto a ultima mão na
cidade de Silves a 25 de março de 1450, segue-se que a compusera
dentro de sete meses pouco mais ou menos; o que na realidade parece
incrível, quando se atenta na madureza e circunspecção com que
naqueles tempos se escrevia". Escreveu mais: Crónica
do conde D. Pedro de Meneses
continuada da tomada de Ceuta,
a qual mandou El-Rei
D. Afonso V deste nome, e dos Reis
de Portugal XII escrever;
saiu pela primeira vez impressa no tomo II da Colecção de
livros inéditos da História portuguesa, publicado pela
Academia Real das Ciências, precedida duma introdução pelo abade
Correia da Serra, na qual se recolheram todas as espécies históricas
que foi possível descobrir acerca de Azurara; a Crónica é
dividida em 2 livros; Crónica dos feitos de D. Duarte de Meneses,
conde de Viana, e capitão da vila de Alcácer em África, etc.;
também foi pela primeira vez impressa no tomo III da dita Colecção
de inéditos; Crónica do descobrimento e conquista de Guiné, escrita
por mandado d'el-rei D. Afonso V, sob a direcção cientifica e
segundo as instruções do ilustre infante D. Henrique; fielmente
trasladada do manuscrito original contemporâneo, que se conserva.
na Biblioteca Real de Paris, e dada pela primeira vez á luz por diligência
do visconde da Carreira; precedida de uma introdução, e ilustrada
com algumas notas pelo visconde de Santarém, e seguida de um Glossário
das palavras e frases antiquadas e obsoletas, Paris, 1841. Esta Crónica,
que Azurara concluiu no ano de 1453, havia desaparecido. Um
manuscrito coetâneo, que por induções bem cabidas se presume ter
sido dado pelo próprio rei D. Afonso V a seu tio, do mesmo nome,
rei de Nápoles, pelos anos de 1453 a 1457, foi parar finalmente à
Biblioteca de Paris, onde pela primeira vez deu dele notícia
Ferdinand Denis, que o encontrou em 1837. É por este manuscrito que
se fez a referida edição. Dizem que existe outra cópia, feita em
1506, que faz parte duma preciosa colecção de manuscritos de história
dos descobrimentos dos portugueses, colecção que foi do mestre
impressor alemão Valentim Fernandes, estabelecido em Lisboa desde o
fim do século XV até mais do meado do século XVI, e passando
ainda neste século ao poder do célebre erudito Peutinger, está na
Real e Nacional Biblioteca de Munique. Temos mais: Crónica d'el-rei
D. Duarte. Posto que a principal parte seja de Fernão Lopes,
diz Barbosa Machado, na Biblioteca lusitana, as práticas da
jornada de Tânger e a relação do enterro de D. João I, como.
também os descobrimentos do infante D. Henrique até à sua morte,
são de Gomes Eanes de Azurara, como afirma Damião de Góis, na Crónica
de D. Manuel. Esta crónica reduziu a melhor estilo Rui de Pina.
Em manuscrito: Milagres do Santo Condestável D. Nuno Álvares
Pereira; Crónica del-Rei D. Afonso V até á morte do infante D.
Pedro; Compilação de várias escrituras, ordenações, cartas,
casamentos, contratos, armadas, festas, obras, doações, mercês,
assim por registro da Chancelaria, e Fazenda, como por cartas de
todo o Reino. Esta obra tão útil, como laboriosa, que
compreende os reinados de D. Pedro I e seu filho D. João I, extraiu
da Torre do Tombo, e a reduziu a diversos volumes, que serviram de
ilustração a muitas notícias deste reino.
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