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Balão.
Os
franceses pretendem ter a glória da descoberta dos aeróstatos,
dizendo que é devida aos irmãos José e Estevão Montgolfier, de
Annonay, no ano de 1783, e em 13 de agosto de 1883 solenizaram
naquela pequena cidade, o centenário, fazendo grandes festas em
honra dos dois referidos irmãos.
Está,
porém, bem averiguado, que em 1709 já o padre Bartolomeu Lourenço
de Gusmão, natural do Brasil, inventara uma máquina para andar
pelo ar, cabendo portanto a glória da invenção a Portugal e ao
Brasil. A este respeito tem-se escrito bastante; até mesmo no Grand
Dictionaire de Larousse, no vol. 8.º, se encontra no artigo Gusman
(Barthèlemy Lourenço), uma notícia deste padre e do seu
invento; na Nouvelle Biographie Universelle também Ferdinand
Denis publicou um extenso artigo em que recompilou tudo quanto se
havia escrito até então sobre o assunto. Em 1840, Francisco Freire
de Carvalho leu na sessão de 22 de maio na Academia Real das Ciências
de Lisboa, uma interessante memória, a primeira investigação séria
que se fez a este respeito, e na qual o erudito académico designa
algumas obras do século XVIII, que falam do invento do padre Gusmão,
e alguns manuscritos por ele descobertos, que aludem à mesma invenção
e relativos a ela. Essa memória foi publicada depois em 1843, na 2.ª
série, tomo I, parte 1.ª das Memórias
da referida Academia. Neste mesmo ano a Revista Universal
ocupou-se do mesmo assunto. Em 1861, publicou o dr. Augusto
Filipe Simões no Instituto de Coimbra uma série de artigos
interessantes e de grande valor cientifico, nos quais deu
conhecimento ao público das suas descobertas importantíssimas
relativas ao assunto. Em 1868, publicou então o referido professor
o livro A invenção dos aerostatos reivindicada, com tudo
quanto se tinha escrito a este respeito e no qual transcreve os seus
artigos do Instituto. Inocêncio Francisco da Silva, numa
nota às Maravilhas do génio do homem, de Amédée de Bast,
traduzidas por Mateus de Magalhães em 1863, apresenta ainda novos
documentos sobre a questão. No Ocidente,
vol. VI e VII, de 1883 e de 1884, também o Sr. Brito Rebelo
publicou uma série de artigos, na ocasião cm que se celebraram em
França as festas do centenário em honra dos irmãos Montgolfier.
Mais obras se têm publicado em Portugal e no Brasil tendentes a
provar a prioridade da invenção a favor de Bartolomeu Lourenço de
Gusmão.
Os
primeiros documentos autênticos, que existem e se devem mencionar,
são o requerimento que o padre Bartolomeu dirigiu em 1703 a D. João
V e o alvará passado a seu favor. O requerimento foi impresso em
1774. É um opúsculo que tem por titulo: Petição do Padre
Bartolomeu Lourenço, sobre o instrumento que inventou para andar
pelo ar, e suas utilidades; segue-se-lhe o requerimento,
dizendo-se logo que tendo ido a informar ao Desembargo do Paço,
este o despachara favoravelmente. No opúsculo também vem o desenho
da máquina e as explicações respectivas. A data da publicação
parece estar errada, porque, segundo diz Inocêncio no Dicionário
bibliográfico, vol. VII, pág. 13, Simão Tadeu
Ferreira, que imprimiu o opúsculo, só começou a ter oficina em
1781, e portanto a data poderá, ser 1784 ou 1794, como Inocêncio
calcula. No requerimento lê-se o seguinte: “Senhor: Diz o Padre
Bartolomeu Lourenço, que ele tem descoberto um instrumento para se
andar pelo ar da mesma sorte que pela terra, e pelo mar, e com muito
mais brevidade, fazendo-se muitas vezes duzentas e mais léguas de
caminho por dia, no qual instrumento se poderão levar os avisos de
mais importância aos exércitos e a terras mui remotas, quase no
mesmo tempo em que se resolverem; em que interessa Vossa Majestade
muito mais que nenhum dos outros Príncipes, pela maior distância
dos seus domínios; evitando-se desta sorte os desgovernos das
conquistas, que procedem em grande parte de chegar muito tarde a notícia
deles a Vossa Majestade. Além do que, poderá Vossa Majestade
mandar vir todo o precioso delas com mais brevidade, e mais
seguramente poderão os homens de negócio passar letras e cabedais
com a mesma brevidade. Todas as praças sitiadas poderão ser
socorridas tanto de gente como de munições e víveres a todo o
tempo, e retirarem-se delas todas as pessoas que quiserem, sem que o
inimigo o possa impedir. Descobrir-se-ão as regiões que ficam
mais vizinhas ao Pólo do
mundo, sendo da nação portuguesa a glória deste
descobrimento, que tantas vezes tem tentado inutilmente as
estrangeiras. Saber-se-ão verdadeiramente as longitudes de todo
o mundo, que por estarem erradas nos mapas causam muitos naufrágios,
além de infinitas conveniências, que mostrará o tempo, e
outras que por si são notórias, que todas merecem a real atenção
de Vossa Majestade. E porque deste invento tão útil se podem
seguir muitas desordens cometendo-se com o seu uso muitos crimes, e
facilitando-se mais na confiança de se poder passar a outros
reinos, o que se evita estando reduzido o dito uso a uma só pessoa,
a quem se mandem a todo o tempo as ordens que forem convenientes a
respeito do dito transporte, e proibindo-se a todas as mais sob
graves penas, e é bem se remunere ao suplicante invento de tanta
importância: Pede a Vossa Majestade seja servido conceder ao
suplicante privilégio de que, pondo por obra o dito invento,
nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que for, possa usar dele em
nenhum tempo neste reino e suas conquistas, nem trazê-lo de fora
para o dito reino ou conquistas com qualquer pretexto sem licença
do suplicante ou de seus herdeiros, sob pena de perdimento de todos
os seus bens, a metade para o suplicante e a outra para quem o
acusar, e sobre as mais penas, que a Vossa Majestade lhe parecer que
pede a importância deste negocio, as quais todas terão lugar tanto
que constar que alguém faz o sobredito instrumento, ainda que não
tenha usado dele, para que não fiquem frustradas as ditas penas,
ausentando-se o que nelas tiver incorrido.”
O
alvará de D. João V, depois de repetir tudo quanto se lê no
requerimento, diz o que se segue: “Hei por bem fazer-lhe mercê ao
Suplicante de lhe conceder o privilégio de que pondo por obra o
invento de que trata, nenhuma pessoa de qualidade que for possa usar
dele em nenhum tempo neste Reino e suas conquistas com qualquer
pretexto sem licença do Suplicante, ou de seus herdeiros, sob pena
de perdimento de todos os seus bens, metade para o Suplicante e a
outra metade para quem os acusar; e só o Suplicante poderá usar do
dito invento, como pede na sua petição. Este Alvará se cumprirá
inteiramente como nele se contém, e valerá posto que seu efeito
haja de durar mais de um ano sem embargo da Ordenação do Liv. 2.º
tit. 4.º em contrário.” etc.
A
máquina inventada por Bartolomeu de Gusmão, que pela sua forma
ficou conhecida pelo nome de Passarola, e o seu inventor por
o voador, vem descrita, segundo a gravura que saiu no opúsculo
em que falámos, e a explicação a ela anexa, numa obra que se
publicou em Lisboa, na oficina de António Rodrigues Galhardo,
quando em França se fizeram as extraordinárias experiências dos
irmãos Montgolfier e do professor Charles, que foram imediatamente
repetidas em Coimbra, perante .os professores da Universidade. O título
da obra é o seguinte: Descrição do novo invento aerostático,
ou Máquina Volante, do método de produzir o gás, ou vapor com que
esta se enche, e dalgumas particularidades relativas às experiências,
que com ela se tem feito; Com a notícia dum semelhante projecto,
formado em Lisboa no princípio deste século: e peças a ele
relativas. Esta obra começa pela história da descoberta dos
gazes ou ares factícios,
como ela lhes chama; e depois de descrever as invenções dos irmãos
Montgolfier e do professor de física Charles auxiliados pelos irmãos
Robert, acrescenta: "Desejaríamos concluir esta matéria,
fazendo honra ao engenho Português, que já no princípio deste século
imaginou uma máquina para viajar pelos ares; mas ainda que é voz
constante, que tal máquina chegara a construir-se, e que até se
diz que ela se elevara ou voara do Torreão da Casa da Índia, não podemos
achar documento algum autêntico, nem fidedigno, que ateste este
facto. Acham-se em algumas livrarias, e nas mãos de várias
pessoas, cópias duma petição do teor seguinte”. E transcreve a
petição, que acima descrevemos. “Com estas cópias se acha um
desenho da mesma máquina, o qual, por uma explicação a ele anexa,
mostra qual devia ser a sua construção: ela segundo ali se
explica, seria da figura dum barco, ou antes duma grande concha:
seria forrado de chapas de ferro, e por dentro de esteiras de tábua,
para serem traídas, umas por pedras de cevar, e outras por
alambres, colocados na parte superior da máquina; esta, sendo
elevada pela dita atracão, ou forças magnética e eléctrica,
seria, mediante uma vela, impelida pelo vento; e na falta deste,
pelo que se lhe subministrasse com foles, ali igualmente colocados
para este efeito: dirigindo-se o rumo com um leme posto na popa, e
com umas pás, ou asas em ambos os lados. Não é porém necessário
ter muito conhecimento de Física ou de Mecânica, para ver, que por
estes princípios é absolutamente impossível o elevar-se uma máquina
volumosa e pesada: nem parece mesmo crível que uma pessoa, que aliás
deu outras provas de inteligência e de engenho, pudesse jamais
conceber a ideia de fazer voar uma máquina de semelhante construção.
Como por outra parte há uma constante tradição, apoiada com a
autoridade de várias pessoas sensatas e de provecta idade, que
asseveram ter sempre ouvido, que a máquina, de que falamos, chegara
a elevar-se, e a voar, ao menos por um pequeno espaço, devemos
crer, que ela fosse doutro modo construída: e que o desenho que
agora vemos, não representa o artifício, que então se
praticou.” Vê-se, portanto, que, apenas em França se fez a
importante descoberta, tentou-se em Portugal reivindicar essa glória
para os portugueses. O autor, porém, da obra, não era pessoa
instruída bastante, pois que mostra ignorar as obras impressas no
princípio do século XVIII, e que falam do grande invento de
Bartolomeu de Gusmão; bem como não quis dar-se ao incómodo de
investigar nos arquivos públicos e bibliotecas os papéis e
manuscritos neles existentes. Nesta mesma época, apareceram em França
várias obras falando do invento português, descrevendo-o e
apontando a época da experiência em Lisboa.
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A
Passarola
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A
estampa que representa a máquina, cuja descrição se acaba de ler,
e que vem publicada no opúsculo a que nos referimos, é a que
apresentamos juntamente com as seguintes explicações que a
acompanham:
A
- Mostra o modo de velame, que servirá para fazer cortar os ares,
levando a sua derrota aquela parte donde for dirigida.
B
- Mostra o modo que terá para se governar, pois sem leme seguiria
sua vontade, e não a de seu artífice piloto.
C.C.
- Apontam o corpo da barca que com o engraçado das conchas leva em
cada vão um cano, que interiormente (com foles para isso feitos)
suprirão a falta de vento.
D
- Denota o feitio de umas asas que não servirão mais que de a
sustentarem para que não caia à banda: porque tomando o vento em
si, de nenhuma maneira a derribará.
EE
- Apontam as figuras
esféricas, em que está o segredo atractivo; são feitas de
metal: servem de cobertura para se não corromper a pedra de cevar,
que por dentro do pé que é oco, atrairá a si continuamente a
barca, cujo corpo é de madeira forrado de chapas de ferro, e pela
parte inferior forrada de estreitas tábuas, feitas de palha de
centeio para a comodidade da gente, que levará até dez homens, e
com o seu inventor onze.
F
- Mostra a coberta feita de arame a modo de rede em cujos fios se
tem enfiado muita soma de alambres, que com muita actividade ajudam
a sustentar a barca, que pela quentura do sol fará força para
atrair a si as esteiras.
G
- Mostra a agulha de marear; porque sem ela não se podem guiar.
H
- Mostra o artífice que com o astrolábio, ou balestilha compasso,
e carta de marear; toma a altura do sol, para ver onde se acha.
II
- Finalmente mostram as roldanas, para por elas se alargar mais ou
menos a escota de qualquer parte que o vento faça feição.
No
reverso da estampa lê-se o seguinte: “Não obstante que o autor
da máquina diga, que dentro do globo vai a magnete, cuja virtude
fará subir a barca; contudo não é a sua elevação por força da
virtude atractiva, mas sim pela força do gás, que os mesmos globos
têm dentro; e a que o mesmo autor chama segredo, que não
quis declarar, talvez por boas razões que para isso tivesse. O
certo é que o autor era homem de talentos e de grande capacidade e
que a tal máquina foi experimentada, segundo o testemunho de alguns
velhos de probidade, que ainda vivem na nossa corte, apesar de haver
alguém que o contradiga, talvez por malícia ou por ignorância,
etc.” No vol. IX do Instituto
a pág. 132, o dr. Filipe Simões discute cientificamente a
possibilidade de fazer com que semelhante máquina se elevasse no
ar, terminando por afirmar que não podia ser assim o artificio
aerostático inventado pelo padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.
O
visconde de Vilarinho de S. Romão, numa carta dirigida a António
Feliciano de Castilho e publicada em 1843 na Revista
Universal Lisbonense, rejeitando
por absurdas as explicações que precedem a estampa, e
interpretando-a a
seu modo, quis mostrar que nela tudo está muito bem combinado, e
que a máquina que representa podia voar. Segundo as suas suposições,
no convés da barca não haveria nenhuns foles, mas um balão cheio
de hidrogénio; as esferas em vez de servirem de caixas aos imanes,
conteriam os materiais necessários para a produção do gás; a
vela, finalmente, não seria mais que um pára-quedas, destinada a
diminuir a violência da descida em caso de desastre. A memória
deste invento ficou viva na tradição.
O
ponto menos bem assente em todo este assunto tem sido o lugar da
experiência. No tomo IX duma colecção de papéis políticos
portugueses, relativos aos séculos XVII e XVIII, que existe
actualmente no Museu Britânico, tendo pertencido ao desembargador
Matias Pinheiro, depois ao desembargador João Tavares de Abreu, e
sendo afinal comprada para o referido museu no leilão do poeta
Southey, existe uma cópia da petição do Padre Bartolomeu Lourenço
de Gusmão: Petição que fez o Padre Bartolomeu Lourenço ao
Desembargo do Paço para que se lhe concedesse fazer hum invento que
havia andar pelo ar, e com efeito se lhe concedeu, o qual fez e
levando-o à Casa da Índia o fez subir ao ar: 1709. Diz Figaniére,
que há junto um desenho desta máquina aerostática, feito por
outra pessoa e em tempo posterior à petição, e bem assim a notícia
de uma obra impressa em Lisboa em 1774, descrevendo a tal máquina;
a dita obra saiu com o titulo: Máquina aerostática que pela
primeira vez se viu na Europa - inventada pelo célebre Bartolomeu
Lourenço por antonomásia
o Voador - Irmão do insigne Alexandre de Gusmão, lançada no ar no
castelo de São Jorge de Lisboa, donde o autor desceu nela ao
Terreiro do Paço em 20 de abril de 1709, Lisboa, na oficina de
Simão Tadeu Ferreira, 1774 (Catálogo dos manuscritos
portugueses existentes no Museu Britânico, por F. F .de Ia
Figaniére, Lisboa, 1854). Este livro é muito diferente
daquele com que saiu o desenho impresso no século XVIII. A notícia
da experiência deu-a o beneficiado Francisco Leitão Ferreira,
contemporâneo de Bartolomeu Lourenço de Gusmão e seu consócio na
Academia Real de História. Depois de mencionar o alvará de D. João
V, escreve a seguinte nota: "Fez a experiência em 8 de agosto
deste ano de 1709 no pátio da Casa da Índia diante de sua
majestade e muita fidalguia e gente com um globo, que subiu
suavemente à altura da sala das embaixadas, e do mesmo modo desceu,
elevado de certo material que ardia e a que aplica o fogo o mesmo
inventor. Esta experiência se fez dentro da sala das embaixadas.”
O que não padece dúvida é que a máquina volante foi
experimentada e chegou a elevar-se na atmosfera.
A
experiência da Casa da Índia parece ter sido a última tentativa
de Gusmão para resolver o grande problema de que se ocupou. Em
nenhuns documentos conhecidos aparecem notícias de posteriores
trabalhos. Julga-se que fosse mal sucedido, e por isso abandonasse o
seu projecto. Depois de se terem vulgarizado as experiências dos
irmãos Montgolfier, muitas pessoas se dedicaram ao estudo dos aeróstatos,
e longa seria a descrição desses estudos até á presente época.
As tentativas para se dar direcção aos aeróstatos toem sido
infrutíferas, e bastantes desastres têm causado, pela temeridade
dalguns aeronautas. É um problema dificílimo, que até hoje ninguém
pôde resolver. Há cerca de 17 anos, o sr. Cipriano Jardim, antigo
oficial do nosso exército; também procedeu a grandes estudos,
procurando o meio de dar direcção aos balões, chegando a fazer
uma conferencia no teatro de S. Carlos, em 23 de abril de 1888, mas
as suas tentativas, infelizmente, não alcançaram o êxito
desejado. No Dicionário Universal Português, editado por
Henrique Zeferino de Albuquerque, vol. 3.º, vem um artigo extensíssimo
muito curioso a respeito dos balões.
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O
centenário da invenção dos aerostatos em França e o seu
inventor o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão
O Ocidente, 6.º vol., n.º 158 de 11 de Maio de 1883, pág.
107
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