Portugal - Dicionário

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

Barba.

 

Os caprichos da moda têm singularmente modificado, segundo as diversas épocas e os diferentes povos, a conformação deste natural adorno do rosto humano. As raças brancas são as que tem a barba mais espessa; nas amarelas é rara e grossa; nas negras, apresenta-se clara e muito encrespada.

Parece que os gregos, no tempo de Alexandre, se barbeavam, para que os inimigos na guerra não tivessem por onde fazer presa. Até ao tempo de Justiniano continuaram a barbear-se, depois tornaram a usar das barbas até ao tempo da tomada de Constantinopla. Entre os romanos, a mocidade usava por algum tempo a barba crescida, e a primeira vez que ela se fazia precedia-se a grandes cerimonias. Os filhos das pessoas nobres eram barbeados por outros mais nobres do que eles, ficando por este acto solene sendo pais adoptivos ou padrinhos dos recém barbeados. Era um dia de festa, e os mancebos recebiam presentes dos seus amigos. Os cabelos cortados eram solenemente consagrados a alguma divindade. Os antigos alemães cortavam a barba, salvo a do beiço superior, não consentindo, contudo, que os mancebos a cortassem, senão depois de terem morto um inimigo em batalha. Na igreja, foi o papa Leão III o primeiro que se barbeou, e o clero do ocidente seguiu este exemplo. No século X, Júlio XII restabeleceu o uso da barba, que no fim do século seguinte foi suprimido por Gregório VIII. Todos os povos tinham o seu hábito acerca da barba, o que seria longo mencionar. A este respeito vem uma curiosa descrição no manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, Memorias históricas, n.º 600, fólio 40 e 348.

Em quase todos os países, os militares se barbeavam, e os homens de letras, pelo contrário, conservavam as barbas. Em Portugal usaram-se os cabelos compridos e as barbas crescidas desde o começo da monarquia até ao tempo de D. Duarte, em cujo reinado, parece, que as traziam somente os militares e os homens que andavam de luto. O rei D. Fernando, segundo consta, foi o primeiro que, para agradar a D. Leonor Teles, inaugurou a moda de fazer a barba e cortar o cabelo. Nesta segunda parte teve quem o imitasse, especialmente os guerreiros, que viam nesse costume a vantagem de não abafarem tanto cem as viseiras, morriões e capacetes. No corte da barba é que o exemplo de D. Fernando não foi tão adoptado, e ainda no tempo do rei D. Manuel, nos fins de século XV e princípios do XVI, tornaram a ser moda as barbas crescidas nas pessoas de consideração, reputando-se uma atroz injuria arrancar ou descompor um só cabelo, que fosse, das barbas de alguém. Eram tão respeitadas, que D. João de Castro, sendo governador da índia, precisando que de Goa lhe emprestassem 20.000 pardaus para acudir ás despeças da guerra, ofereceu em penhor da dívida os cabelos da barba (V. Castro, D. João de.). Desde a usurpação dos Filipes foram desaparecendo as barbas em Portugal, e frei Gaspar de S. Bernardino, que escrevia por 1600, lamenta que os homens do seu tempo as tivessem mudado para as grandes trunfas que traziam na cabeça. Por 1640, parece que quiseram ressurgir, e D. Francisco Manuel moteja, nos Apólogos dialogais, daqueles que pretendiam ser graves e respeitáveis trazendo-as crescidas e penteadas. A moda não pegou, e as barbas foram desterradas.

Durante a guerra civil de 1832 e 1883, os militares deixaram geralmente crescer as barbas, com especialidade os do exército libertador, mas terminada a guerra novamente desapareceram em grande parte. Na ordem de exército de 22 de setembro de 1852 se legislou a este respeito, determinando-se que somente os porta-machados usassem barbas compridas; concedendo aos oficias generais usar, além de bigode e pêra, suíças direitas até à altura do bigode; e bigode e pêra (não devendo esta exceder a extremidade do queixo, nem ter mais de que meia polegada de largura) aos oficiais e praças de pré de cavalaria e caçadores, oficiais montados de infantaria, ás companhias dos flancos dos mesmos corpos, aos oficias de corpo de estado maior do exército, os empregados da secretaria da guerra, os dos estados maiores generais, sendo lícito a todas as praças usar bigode. Acerca da barba há muitas obras publicadas de autores estrangeiros. Pinheiro Chagas também escreveu a Historia e fisiologia da barba, que saiu em folhetim, e vem incorporada nas Cenas e fantasias portuguesas, do mesmo escritor.

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume II, pág. 79

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2012 Manuel Amaral