Um
dos heróis dos acontecimentos políticos de 1820.
Nasceu
em Resende a 2 de novembro de 1774, faleceu em Cascais a 4 de julho
de 1833. Era filho do bacharel José Borges Botelho e de D. Joana
Tomásia de Melo.
Matriculou-se
na Universidade de Coimbra em 1791, no curso jurídico. Formou-se em
Cânones no ano de 1800, como consta da sua habilitação perante o
Desembargo do Paço (Arquivo da Torre do Tombo), e não em
Leis, como dizem quase todos os seus biógrafos. Entrou na carreira
da magistratura, sendo nomeado juiz de fora de Viana do Alentejo,
por decreto de 13 de maio e provisão de 14 de junho de 1803, para
servir por três anos, sendo reconduzido por outros três com o
predicamento de cabeça de comarca, decreto de 13 de maio e 25 de outubro
de 1805, e provisão de 24 de março de 1806. Nesta situação o
veio encontrar a Invasão Francesa, organizando-se em Lisboa uma regência
presidida por Junot. Resistindo às prescrições despóticas
impostas pelo general Kellermann, que estava delegado da regência
no Alentejo, entrou numa conspiração promovida naquela província,
contra os invasores, pelo que foi mandado prender por este general,
e encerrado no convento de Beja, onde escreveu a carvão alguns
versos, que mais tarde publicou.
Pela
provisão de 30 de maio de 1812 foi nomeado provedor da comarca de
Leiria. No decurso do seu emprego foi coligindo as matérias para a
obra que publicou anos depois, intitulada: Extracto das leis,
etc. Esta obra, era muito útil, por constar duma colecção de
documentos legislativos publicados em Lisboa e no Rio de Janeiro,
enquanto durou a permanência da corte no Brasil. A 14 de novembro
de 1817 foi nomeado secretário da Junta do Código Penal Militar, e
em recompensa da forma como desempenhou essas funções, foi
despachado para um lugar supranumerário de desembargador da Relação
e Casa do Porto, por decreto de 13 de maio de 1820.
Tendo
abortado a conspiração que em 1817 vitimou Gomes Freire de
Andrade, um grupo de homens notáveis prepararam urna revolução
pacífica, cujo grito foi levantado no Porto a 24 de agosto do
referido ano, e repercutido em Lisboa a 16 de setembro. Foram
iniciadores do movimento revolucionário Manuel Fernandes Tomás,
José Ferreira Borges, Sepúlveda, Xavier de Araújo, e outros, que
ficaram conhecidos na história pelos heróis de 1820. Manuel Borges
Carneiro foi em seguida um dos mais decididos e vigorosos adeptos
daquela revolução. Organizou-se um governo provisório, e foram
convocadas Cortes Constituintes para organizarem uma Constituição
Política. A 24 de janeiro de 1821 reuniram-se os deputados em sessão
preparatória, e a 26 foi a primeira sessão de abertura, sendo lido
o respectivo discurso pelo presidente do governo.
A
27 foi eleita a Regência, e Borges Carneiro começou logo a
manifestar o seu tacto organizador, propondo que houvesse cinco
secretários do conselho executivo, do reino, fazenda, guerra,
marinha e estrangeiros. Depois de se haver organizado a Constituição
política e de a haverem jurado, assim como D. João VI, a Família
Real e todos os funcionários e corpos populares, com raras excepções,
foram encerradas as cortes extraordinárias e constituintes a 4 de novembro
de 1822, tendo durado a sessão quase dois anos consecutivos.
Procedeu-se a novas eleições. Borges Carneiro distinguira-se tanto
nas cortes constituintes, que seis círculos eleitorais o elegeram.
Na sessão preparatória foi escolhido o seu nome para a comissão
de verificação de poderes, e Borges Carneiro ficou representando
então um dos círculos de Lisboa. Este congresso liberal era o mais
sincero e sensato. As cortes de 1820 organizaram as bases da
constituição e depois a própria constituição, o juramento de
aceitação destes documentos, foram actos de entusiasmo e regozijo.
Extinguiram a Inquisição, a intendência geral de polícia, o
tribunal da inconfidência, a mesa da consciência e ordens, o
desembargo do paço, a tortura, os direitos banais e as coutadas, os
privilégios de foro especial e de aposentadoria; providenciou-se
com relação à Universidade de Coimbra, à companhia dos vinhos do
Alto Douro, e à agricultura em geral, etc. Muitas outras providências
se tomaram sobre diversos assuntos, porque de nada se esqueceram e
descuidaram.
O
movimento liberal fora ao princípio bem acolhido no Brasil; a Baía,
Pará, Pernambuco corresponderam ao grito da liberdade, e enviaram
os seus representantes ao congresso de Lisboa. O conde do Palmela
havia partido para o Brasil logo em seguida aos acontecimentos do
Porto e Lisboa em 1820; chegando ao Rio do Janeiro fora nomeado
ministro dos Estrangeiros, e pela consideração que merecia ao
monarca convenceu-o a aprovar o movimento de Portugal, e a enviar o
príncipe real D. Pedro com o cargo de seu lugar-tenente e uma
Constituição para o Reino. A revolução do Rio de Janeiro de 26
de fevereiro
do 1821 veio transtornar esses planos; D. João VI assustou-se,
mudou de intenção, e resolveu voltar a Portugal, deixando ali
ficar o príncipe. No dia 13 de maio de 1823, aniversário do
nascimento do rei, houve grandes festas em Lisboa; no paço da
Bemposta, o monarca, acompanhado do infante D. Miguel, deu beija-mão
à corte, indo à noite ao teatro e em seguida ao baile da
assembleia. A Câmara Municipal inaugurou numa das suas salas o
retrato do monarca. Seguia assim placidamente a nação no seu
sistema constitucional, porém moveram-se intrigas instigadas pela
rainha D. Carlota Joaquina e seu filho D. Miguel, que pretendiam
derrubar a Constituição.
O
infante, segundo se dizia, fugira do paço de madrugada, indo a Vila
Franca, à frente de Infantaria 23, comandada pelo brigadeiro
Sampaio, acompanhado por alguns soldados de Cavalaria 4. O Congresso
ficou em sessão permanente para tratar dos perigos da pátria. D.
João VI declarou que estava no firme propósito de manter a
Constituição jurada, desaprovando a desobediência do infante; a
opinião geral do povo e da tropa era que o ministério devia ser
demitido. Com efeito deu-se esta demissão, sendo nomeados novos
ministros. As traições, porém, começaram por toda a parte, o
partido de D. Miguel ia engrossando e o novo ministério pediu também
a demissão em 1 de junho, celebrando o congresso a sua última sessão
a 2 deste mês. Borges Carneiro propôs, e as Cortes aprovaram e
assinaram, uma declaração de protesto em que se consignava, que
estando destituídos do poder executivo, desamparados da força
armada, não podiam continuar o seu mandato; e a sua persistência
seria inútil à nação e interrompiam as suas sessões até que a
deputação permanente o julgasse conveniente, protestando em nome
de seus constituintes, contra qualquer alteração ou modificação
na constituição de 1822. Dias depois entrava o infante D. Miguel,
triunfante em Lisboa, e com ele a reacção.
Borges
Carneiro foi demitido do cargo de desembargador da Relação e Casa
do Porto, por decreto de 17 de julho de 1823. Recolheu-se então à
vida privada, continuando os seus estudos e trabalhos literários.
Em 10 de março de 1826 faleceu D. João VI, e foi aclamado D. Pedro
IV, que a 29 de abril outorgou uma Carta Constitucional, abdicando
logo a coroa em 2 de maio, em sua filha D. Maria II, continuando
como regente em seu nome a infanta D. Isabel Maria, que fora nomeada
por seu pai. Nas eleições gerais de deputados não foi esquecido o
nome de Manuel Borges Carneiro, e a infanta regente, num alvará de
16 de outubro, restituía-lhe o seu cargo de desembargador da Relação
e Casa do Porto. As novas Cortes abriram-se em 31 de outubro, logo
na primeira sessão foi Borges Carneiro nomeado para uma das comissões
de verificação de poderes. Estas sessões não tiveram a importância
das primeiras cortes. Em 14 de dezembro de 1827 foi Borges Carneiro
nomeado desembargador ordinário da Casa da Suplicação; encetou a
publicação do Direito Civil Português, de que saíram três
volumes, de 1826 a 1828, imprimindo também o Resumo de alguns
dos livros santos.
D.
Miguel, tomando posse da regência do reino, dissolveu as Cortes, e
declarou-se rei absoluto, começando desde então uma perturbação
completa na ordem interna do país, seguindo-se um reinado de
terror, enchendo-se as cadeias de prisioneiros de todas as
hierarquias, classes e condições, que manifestavam as suas ideias
liberais, a que davam por aviltamento o nome de malhados. Borges
Carneiro não podia deixar de ser preso, apóstolo como era, da
liberdade, por que sempre pugnara. Foi demitido do lugar de
desembargador e mandado riscar do quadro da magistratura, e não
tardou a que entrasse no Limoeiro, a 15 de agosto de 1828, donde
passou logo no dia 30 para a Torre de S. Julião da Barra, em
companhia de numerosos presos, que pelo mesmo motivo ali foram
encerrados. Em 1833 desenvolveu-se no país a grande epidemia da cólera
morbos, que fez milhares de vítimas, e na Torre de S. Julião, onde
tanta gente se acumulava, deram-se numerosos casos. Resolveu-se
passar a Cascais uma certa quantidade de presos, em que foi incluído
Manuel Borges Carneiro, que em 28 de junho para ali se transportou,
sendo logo atacado no dia 30, falecendo a 4 de julho seguinte. Foi
enterrado na explanada da praça, próximo dum muro, lançando-se na
mesma cova, como por desprezo, o cadáver dum obscuro tambor. Os
seus manuscritos foram religiosamente salvos e guardados por um seu
fiel criado, Manuel Luís, que muito o auxiliou durante a prisão,
expondo-se a iminentes perigos.
Em
5 de fevereiro de 1873 fez-se auto da averiguação, procedeu-se a
escavações no local designado por alguns cidadãos que serviram de
testemunhas, como sítio provável do enterramento, e com efeito
encontrou-se um esqueleto completo e em bom estado, debaixo do qual
se encontrou outro igualmente bem conservado, provando-se que o
esqueleto mais profundamente sepultado, era o do desembargador e o
outro o do tambor em que falámos. Os esqueletos foram remetidos num
caixão de madeira, e depositados na igreja matriz de Cascais. Os
restos mortais de Borges Carneiro trasladaram-se com toda a
solenidade para o cemitério ocidental em junho de 1879. No Diário
de Notícias de 23 e 24 do referido mês e ano, vem publicada
uma minuciosa narrativa das cerimónias que se celebraram nesta
trasladação, que foi imponentíssima. No Ocidente, de 1879,
vol. II, encontra-se em diferentes páginas uma minuciosa biografia
de Borges Carneiro, firmada pelo conhecido escritor Brito Rebelo,
assim como o seu retrato. O dr. Emídio Costa escreveu o Elogio
histórico, que inseriu na Gazeta dos Tribunais, de 24 de
janeiro de 1842, e quando também no fim do tomo IV do Direito
Civil, de Borges Carneiro, da 1.ª edição.
As
suas obras são as seguintes:
Pensamentos
do juiz de fora de Viana do Alentejo, Manuel Borges Carneiro, preso
no cárcere do convento de S. Francisco da cidade de Beja, por ocasião
da revolução do Alentejo, trasladados de vários pedaços de
papel, onde foram escritos com carvão, em Agosto de 1808,
oferecidos ao Ex.mo e Rev.mo sr. D. Fr. António
de S. José de Castro, bispo do Porto, membro da suprema regência
de Portugal, não traz a data, mas julga-se que fosse em 1808; Extracto
das leis, avisos, provisões, assentos e editais publicados nas
cortes de Lisboa e Rio de Janeiro, desde a época da partida
d'el-rei nosso senhor para o Brasil em 1807 até Julho de 1816,
Lisboa, 1816; Apêndice do Extracto das leis, avisos, etc., desde
1807 até Julho
de 1816,
Lisboa, 1816; Aditamento geral das leis, resoluções, avisos,
etc., desde 1603 até o presente, Lisboa, 1817; Segundo
aditamento geral das leis, resoluções, etc., desde 1603 até
1817, Lisboa, 1817; Mapa cronológico das leis e mais disposições
de direito português, publicadas desde 1603 até 1817, Lisboa,
1818; Resumo cronológico das leis mais úteis no foro e uso da
vida civil, etc., Lisboa, 1818 a 1820, 3 tomos; Gramática,
Ortografia e Aritmética portuguesa, ou arte de falar, escrever e
contar, etc., Lisboa,1820; Portugal regenerado em 1820,
Lisboa, 1820; Segunda edição consideravelmente acrescentada,
Lisboa, 1820; Terceira edição, Rio de Janeiro, 1821; Parábolas
acrescentadas ao Portugal, regenerado, Lisboa, 1820; as parábolas
são numeradas de I a III; A Magia, e mais superstições
desmascaradas, Lisboa, 1820; é a parábola IV; Apêndice
sobre as operações da Santa Inquisição Portuguesa, ou parte
segunda do discurso sobre a Magia, e mais superstições
desmascaradas, Lisboa; é a parábola V; Parábola VI
acrescentada ao Portugal regenerado, a necessidade de Constituições
provada pela injustiça dos cortesãos, Lisboa, 1821; fez-se
neste ano nova edição no Rio de Janeiro; Juízo crítico sobre
a legislação de Portugal, ou Parábola VII acrescentada ao
Portugal regenerado, Lisboa, 1821; Diálogo sobre os futuros
destinos de Portugal, ou Parábola VIII acrescentada ao Portugal
regenerado, Lisboa, 1821; Carta a Sua Majestade Luís XVIII,
rei de França (acerca da ingerência daquela potência nos negócios
políticos de Espanha), saiu impressa numa folha avulsa, e foi também
inserta no Diário do Governo, de 18 de Fevereiro de 1823; Direito
civil de Portugal, contendo três livros: 1.º das pessoas; 2.º das
coisas; 3.º das obrigações e acções, tomos I, II e III,
Lisboa, 1826 a 1828. O tomo IV só se publicou, depois da morte do
autor, em 1840; os quatro volumes saíram em segunda edição, em
1858; Noções astronómicas, extraídas dos escritos de J. A.
Comminas, Fontenelle, Almeida, etc., Lisboa, 1829; Resumo de
alguns livros santos, Lisboa, 1827; Mentor da mocidade, ou
cartas sobre a educação, Lisboa, 1844. Esta obra publicada póstuma
foi escrita na Torre de S. Julião da Barra.