Notável
orador político, bacharel formado em direito pela Universidade de
Coimbra, jornalista, deputado, etc.
Nasceu
em Aveiro a 26 de novembro de 1809, faleceu em Lisboa a 3 de novembro
de 1862. Era filho do médico Luís Cipriano Coelho de Magalhães (V.
este nome), e de sua mulher, D. Clara Miquelina de Azevedo
Leitão.
Quando
em 1810, os exércitos franceses invadiram Portugal, vendo-se o Dr.
Magalhães obrigado a fugir de Aveiro, mandou o filho para casa da
avó materna, D. Ana Joaquim Ribeiro da Costa, que era muito
extremosa pelo neto, e de cuja educação cuidou até que em 1821
seu pai novamente o chamou para junto de si.
José Estêvão teve então o grande desgosto de perder sua mãe.
Seu pai tratou da sua educação literária, e mandou-o para a aula
de instrução primária dum professor de Aveiro, chamado Custódio
José Baptista, e depois passou a ouvir as lições de latim de José
Lucas da Silveira, estudando juntamente lógica com Francisco Inácio
de Mendonça, e retórica com o padre Manuel Xavier, poeta e
pregador muito respeitado. Terminados os estudos preparatórios, o
moço estudante desejava seguir a vida eclesiástica, mas o pai
tratou de o dissuadir dessa ideia, e José Estêvão matriculou-se
em 1825 no 1.° ano de direito na Universidade de Coimbra. Cheio de
ardor, de crenças, de aspirações e de mocidade, sentindo o fogo
da eloquência que o arrebatava, começou a manifestar, nos clubes
políticos que se formatam entre os académicos, o seu decidido amor
à liberdade e o arrojo e energia de que mais tarde nos campos da
batalha, nas lides da imprensa e nas lutas parlamentares, deu tão
elevados testemunhos.
José
Estêvão continuava a cursar as aulas no meio da grande agitação
que lavrava no país, e chegando o mês de maio de 1828, em que os
liberais resolveram protestar pela força contra o procedimento do
infante D. Miguel, o moço estudante entrou de corpo e alma na
conspiração, que abortou, fazendo parte do batalhão académico
que então se organizara, e em que tinha o posto de cabo. Começaram
logo as perseguições de que havia de ser vítima, e aos dezanove
anos de idade, ainda incompletos, teve de emigrar para a Galiza, com
os seus companheiros, e embarcando em Ferrol com destino a
Inglaterra, e desembarcando em Plymouth, ali se conservou até ao
momento de poder ir associar se aos liberais que levantaram a sua
bandeira na ilha Terceira, Com o seu modesto posto de cabo da
companhia de artilheiros do batalhão académico serviu José Estêvão
durante todo o tempo que as forças constitucionais se conservaram
nos Açores, e não tendo entrado na acção da Vila da Praia por
estar destacado no interior da ilha Terceira, tomou parte na
conquista das ilhas do arquipélago, e com o exército de D. Pedro
embarcou para Portugal, vindo desembarcar no Mindelo em 8 de julho
de 1832. Os bravos académicos foram encarregados da defesa da Serra
do Pilar, e da forma como se houveram nos ataques dos dias 13 e 14
de outubro do mesmo ano de 1832, o general Ponce de Leão, mais
tarde visconde da Serra do Pilar, no seu relatório ao governo
elogiava muito os voluntários académicos e o seu comandante,
especializando no combate do dia 13, José Estêvão Coelho de
Magalhães, José Silvestre Ribeiro e o alferes Alexandre Carvalhal
Silveira, que encarregados dos trabalhos de fortificação,
dirigiram o estabelecimento da brecha debaixo dum vivíssimo fogo da
artilharia, e no dia imediato tiveram um comportamento igual ao dos
seus camaradas. Por essa ocasião José Estêvão recebeu o hábito
da Torre e Espada. Continuando a servir no cerco do Porto como
voluntário académico, deu novamente provas da sua bravura em
diferentes ocasiões, e sendo despachado 2.º tenente de artilharia
em 4 de abril de 1833, logo na acção de 25 de julho se assinalou
no reduto que se tornou célebre com o nome de flecha dos mortos.
Acompanhado unicamente de vinte soldados, defendeu tenazmente
esse ponto das fortificações, e vendo cair mortos a seu lado os
seus subordinados, sem perder o ânimo, ia sempre continuando o
fogo, dirigindo as pontarias com tal acerto, que nas fileiras
miguelistas era grande o estrago. Quando lhe restava apenas um
soldado e não podia, portanto, continuar o serviço da peça, ainda
se conservou no seu posto, até que o oficial inimigo entrou no seu
reduto, e então com o atrevimento que lhe era próprio, chamuscou
as barbas do adversário com a vela mista que tinha na mão, e sob
um chuveiro de balas deitou a correr para a retaguarda a unir-se ás
forças liberais. Por essa heróica defesa recebeu José Estêvão e
grau de cavaleiro da Torre e Espada, por decreto de 15 de agosto de
1833. mas como essa distinção já lhe havia sido conferida,
conforme citámos, foi em 7 de fevereiro de 1834 elevado a oficial
da mesma ordem, por um decreto muito honroso. Nos últimos tempos da
campanha José Estêvão fez parte das forças, que ás ordens de
Saldanha, continuaram a luta contra os miguelistas, e terminada a
guerra foi promovido a 1.º tenente em 24 de julho de 1831. Em outubro
seguinte matriculou-se no 3.° ano da faculdade de direito, porque
tinha sido dispensado do exame do 2.º ano, pelo decreto de 8 de março
de 1833, que deu perdão do acto aos académicos, que se alistaram
no exército constitucional.
Em
1837 concluiu o curso de Direito, e estava resolvido a deixar a
carreira militar para ir exercer a advocacia na cidade do Porto, mas
o pai contrariou-o nesse desejo, e fazendo-o eleger representante
dos povos de Aveiro, no congresso constituinte que se ia reunir
depois da revolução de Setembro, conduziu-o assim ao campo em que
tanto se havia de assinalar. Foi na tribuna parlamentar, sustentando
os princípios e as ideias liberais, ou defendendo a honra da pátria
ultrajada por nações mais poderosas, que José Estêvão ganhou os
direitos à imortalidade e o nome de notável orador português.
Entusiástico democrata acolheu com aplauso a revolução de
Setembro de 1836, pronunciou o seu primeiro discurso parlamentar em
5 de abril de 1837, que foi como uma profissão de fé politica, o
seu programa de partidário ardente das ideias progressistas, que
queria ver afirmadas na constituição que se estava discutindo, e
foi decretada no anho seguinte. Rodrigo da Fonseca Magalhães e
Costa Cabral, inimigos da constituição democrática, tiveram nele
um dos seus mais terríveis adversários. Não se contentando com a
tribuna do parlamento, e julgando que para melhor propagar as suas
ideias, era preciso ter um jornal à sua disposição, fundou, com
Manuel António de Vasconcelos, O Tempo, cujo primeiro número
saiu a 29 de janeiro de 1838, sendo o artigo de fundo escrito por
José Estêvão, que nele combatia os planos financeiros do governo
e as propostas feitas pela direcção do Banco de Lisboa, para um
empréstimo ao tesouro. A oposição o de José Estêvão não se
limitava, porém, só aos seus artigos no Tempo e aos seus
discursos no parlamento e no Clube dos Camilos, que foi uma
das sociedades politicas dessa época, que mais celebridade, alcançou;
também José Estêvão, com a sua palavra inflamada, não se
cansava de verberar os actos do ministério, que julgava não ter
força necessária para defender a revolução contra as intrigas e
manejos dos adversários dela. Discutiam-se nos Camilos as
proposições mais exaltadas, e como se sabia que a rainha só
constrangida havia aderido à revolução, alguns membros do clube
envolviam o trono nos seus ataques ao ministério; mas José Estêvão,
que na sua profissão politica, dissera querer um rei só com
ministros responsáveis a executar só, conservava-se firme nessas
ideias.
Terminada
a missão do congresso, reuniram-se em dezembro de 1838 as novas câmaras,
e José Estêvão, nomeado relator da comissão da resposta ao
discurso da coroa, reprovou com toda a energia a marcha politica do
gabinete. Este ministério durou até abril de 1839, em que se
formou outro gabinete presidido pelo barão da Ribeira de Sabrosa. A
este ministério prestou José Estêvão o seu apoio franco e
decidido; a 26 de novembro, eram chamados aos conselhos da coroa
Rodrigo da Fonseca Magalhães e Costa Cabral, cujos sentimentos
cartistas eram bem conhecidos, e por isso José Estêvão fez a esse
ministério uma guerra crudelíssima tanto no parlamento como na
imprensa. A demissão do barão da Ribeira de Sabrosa e a formação
do ministério, que lhe sucedeu, foram atribuídas à influencia de lord
Palmerston e do ministro britânico em Lisboa, e por isso José
Estevão escreveu uma sátira pungentíssima, que apareceu no Atleta
do Porto, sendo depois transcrita no primeiro numero na Lança, que
então começou a publicar-se em Lisboa. Essa sátira, em que se
contava o baptizado do ministério, tornou-se célebre, e nela se
encontra bem desenhada a situação do governo no princípio do ano
de 1840. Reunidas as cortes em janeiro deste ano, a oposição
dirigiu ao governo os mais vivos ataques na discussão da resposta
ao discurso da coroa, e foi nesse debate que José Estêvão teve
por principal adversário outro grande orador, Almeida Garrett, que
pertencendo ao centro da câmara, era então um dos defensores do
ministério. Foi na sessão de 6 de fevereiro de 1840 que José Estêvão
pronunciou o seu primeiro discurso contra o projecto de resposta ao
discurso da coroa, e foi ali que ele aludiu ao Porto Pireu, o que
deu causa à celebrada réplica de Garrett, que ficou conhecida na
história parlamentar portuguesa pelo nome de discurso do Porto
Pireu. O debate entre estes dois contendores notáveis,
tornou-se imponente durante algumas sessões. Em vista do número e
qualidade dos deputados que contava a oposição, entendeu o governo
que, devia propor à rainha a dissolução das cortes, mas para a
nova legislatura foi ainda reeleito José Estêvão, que continuou a
sua luta pertinaz contra o ministério, pronunciando, além de
outros, dois importantes discursos, um na sessão de 3 de junho
sobre a eleição do 1.° circulo do Porto, e outro acerca do
projecto de lei sobre o censo eleitoral. Foi nesse ano de 1840, que
José Estêvão alcançou em concurso público a cadeira de economia
politica da Escola Politécnica, tendo por competidor nesse certame
José Maria Eugénio de Almeida. Deixou muitos apontamentos das suas
lições, publicando o excerto dum deles, a respeito da emigração,
no Arquivo Pitoresco de 1862. Foi José Estêvão, com o seu
amigo e patrício Manuel José Mendes Leite, que fundou a Revolução
de Setembro, jornal que principiou a publicar-se em 22 de junho
de 1840. António Rodrigues Sampaio foi também um dos redactores, e
com a sua pena enérgica e virulenta tornou-se sócio inseparável
de José Estêvão nas lutas politicas, e nos perigos e trabalhos
que sofreram.
Depois
de levada a cabo a restauração da Carta em 1842, José Estêvão
continuou na Revolução de Setembro a combater o governo
mostrando-se também vigoroso na câmara, onde entrou como
representante de Lisboa, porque o ministério tais diligencias
empregou para lhe contrariar a eleição, que o distinto deputado não
pôde fazer vingar a sua candidatura por Aveiro, que sempre o
elegera. Nessa legislatura a oposição contava um pequeno numero de
deputados, e embora entre eles se contassem alguns dos homens mais
distintos do partido liberal, as suas vozes eram abafadas pela,
importância numérica da maioria, e o governo tinha a certeza da
aprovação de todos os seus actos. Foi
então que António César de Vasconcelos, depois conde de Torres
Novas, saindo de Lisboa para aquela vila, em fevereiro de 1844, se pôs
à frente do Regimento de Cavalaria n.º 4, e levantou o grito de
revolta contra o ministério. José Estêvão e muitos outros
militares e paisanos do partido progressista, foram juntar-se a César
de Vasconcelos, o qual, com as forças que pôde reunir, marchou
sobre Almeida. José Estêvão fora mandado antes a essa praça para
dispor e preparar a revolução popular nas províncias do norte, e
lá estava ainda quando as tropas do governo, sob o comando do conde
de
Fonte Nova, puseram a Almeida um apertado circo. A posição dos
sitiados agravava-se de dia para dia com a falta de víveres, e era
indispensável que os povos do norte se levantassem para chamar a
atenção das forças do governo, pois doutro modo a praça
fatalmente havia de capitular em pouco tempo. No meio da irresolução
dos chefes e da desanimarão que já começava a manifestar-se entre
os soldados, José Estêvão ofereceu-se para atravessar as linhas
do inimigo e ir preparar a revolução na Beira e Trás-os-Montes.
Na noite de 7 de abril, com o maior segredo e as possíveis precauções,
saiu da praça pela paterna de S. João de Deus, acompanhado de João
Bernardino da Silva Borges, Germano José Guedes, António Maria,
proprietário na vila de Almeida e um guia prático daqueles sítios.
Caminharam toda a noite espreitando o movimento das patrulhas dos
sitiantes, até que chegaram de madrugada a uma ceara de centeio,
onde o guia os deixou para se ir orientar no terreno. Voltando pouco
depois, anunciou-lhes que estavam perdidos. José Estêvão decidiu
caminhar até um outeiro próximo para dali descobrir campo. Apenas
chegaram ao alto, as cornetas e os tambores das tropas do governo e
um tiro de peça disparado contra a praça, demonstraram a José Estêvão
e aos seus companheiros que estavam na retaguarda do quartel general
do conde de Fonte Nova, e que por trás deles ficava a raia
portuguesa. Desceram o outeiro, tendo já nascido o sol, e depois
duma marcha forçadíssima passaram ás nove horas da manhã o rio
que divide Portugal da Espanha. A pouca distância do lugar onde
descansaram, viram um pastor de cabras, e chamaram-no para junto de
si; o qual vinha acompanhado duma rapariguinha loura e esperta, que
foi um grande auxiliar para José Estêvão e dos seus companheiros,
porque tendo-lhe feito perceber a sua situação e o estado de
fraqueza em que estavam, imediatamente a rapariga lhes improvisou um
almoço com o leite das cabras e um pedaço de pão de centeio que o
pastor possuía. José Estêvão informou-se que estavam na aldeia
de Almofala, e como tinha ali um amigo, mandou pedir-lhe que viesse
ter com ele. Não tardou que aparecessem três homens que levaram os
fugitivos para a casa duma fazenda próxima, onde foram servidos com
um bom jantar, tudo feito com as maiores precauções, porque a raia
estava cheia de tropas espanholas. Pela meia-noite os amigos de
Almofala mandaram três boas cavalgaduras, em que os revolucionários
montaram, e guiados por um contrabandista marcharam para Subradillo,
onde se esconderam dentro dum palheiro, e ali estiveram o dia todo.
Às nove horas da noite seguinte marcharam sobre o Douro, que
atravessaram numa barca espanhola. Esconderam-se depois todos três
atrás dumas grandes pedras que ficavam a pouca distância, e ao
romper da manhã destacou José Estêvão o Guedes para Moncorvo,
com cartas para os setembristas dali. A este tempo, já Costa Cabral
havia mandado a todos os governadores civis das diferentes províncias
do reino, uma portaria circular, em que se oferecia o prémio de
2.000$000 réis à pessoa que apresentasse ao governo a cabeça de
José Estêvão. Depois de vinte e quatro horas voltou o Guedes com
muitos homens do Moncorvo, amigos pessoais e políticos de José Estêvão,
que todos juntos marcharam logo para Freixo de Espada à Cinta.
Naquela vila encontrou já todos os elementos revolucionários da
província, que puseram à disposição de José Estêvão o
dinheiro enviado pelo centro revolucionário do Porto. Dois dias
depois marcharam todos para Moncorvo, e os setembristas dali
propuseram que se fizesse imediatamente um grande pronunciamento
popular em toda a margem do Douro contando com o destacamento de Cavalaria
6 e com a Guarda Nacional de Vila Flor, Foz Côa e Mirandela. José
Estêvão opôs-se ao pronunciamento, receoso da pouca segurança
dos meios. Destacou para Chaves João Bernardino e para Bragança
Germano José Guedes, com instruções para se entenderem com os
setembristas daqueles dois pontos, e intentarem o levantamento dos
depósitos de recrutas de Caçadores 3, Infantaria 13 e Cavalaria 6,
e ele foi estabelecer a sua residência em Murça, como ponto
central. Este plano falhou, porque todos os elementos com que José
Estêvão contava em Chaves e Bragança, tinham sido inutilizados
pelo governo. Depois desta tentativa em que se perdeu muito tempo,
decidiu afinal José Estêvão o pronunciamento popular da província,
e com esse fim mandou João Bernardino para Veiga de Lila, o qual,
de acordo e debaixo da direcção de Júlio do Carvalhal, conseguiu
levantar algumas forças populares na montanha auxiliadas pelos
setembristas influentes de Vila Pouca de Aguiar. Tudo estava pronto
e habilmente preparado para o dia designado. José Estêvão devia
sair de Murça com os populares que estivessem armados, e marchar
com eles a tomar o comando das forças revolucionadas por Júlio de
Carvalhal, enquanto nos outros dois pontos da província os demais
caudilhos, já, prevenidos, levantariam simultaneamente o grito a
favor da causa sustentada em Almeida. No dia designado para a
partida de José Estêvão, recebeu se a notícia da capitulação
da praça, e soube-se que, as forças cabralistas marchavam sobre Trás-os-Montes.
José Estêvão ainda tentou resistir, mas os ânimos estavam
desmoralizados, e os populares abandonaram-no. Nestas circunstancias
partiu sozinho para Espanha pela raia de Castela, e foi encontrar-se
com os emigrados em Salamanca, onde entregou o dinheiro que tinha
recebido no Porto para acudir ás necessidades da emigração, e
pedindo licença a César de Vasconcelos, tomou passaporte para
Paris.
Pouco
depois dessa revolta, na sessão de 18 de outubro de 1844, Passos
Manuel proferiu um notável discurso em que se referiu a José Estêvão
com algumas palavras muito elogiosas. José Estêvão conservou-se
quase dois anos em Paris, voltando depois da revolução de maio de
1846, porque só então é que puderam regressar a Portugal os
emigrados de Almeida. Apenas chegou a Lisboa tomou parte activa na
política, e de acordo com António Rodrigues Sampaio e com os seus
amigos políticos redigiu o programa da Associação
eleitoral setembrista, que o golpe de estado de 6 de outubro não
deixou pôr em pratica. Depois de andar por alguns dias escondido em
diferentes casas, disfarçou-se com hábitos eclesiásticos, e
passou a Salvaterra, donde em companhia de César de Vasconcelos foi
a Santarém promover
a revolução a favor da junta do Porto. Com o mesmo intento visitou
as Caldas, Alcobaça e Nazaré, e voltando a Santarém foi nos princípios
de dezembro mandado a Setúbal para organizar a defesa dessa terra,
e com as forças que pudesse reunir, tentar um golpe de mão sobre
Almada. Chegou a Setúbal na madrugada de 10 de dezembro,
acompanhado pelo seu ajudante de ordens Domingos Ardisson, e fez
logo organizar uma comissão delegada da junta do Porto, mas não se
encontrando ali armas nem munições, desistiu do projecto de
fortificar a vila, que pouco depois teve de abandonar
precipitadamente, porque ao anoitecer do dia 11 chegou a noticia da
aproximação das tropas de Lisboa, que estavam em Azeitão sob o
comando do general visconde de Setúbal. José Estêvão marchou com
as suas forças para Alcácer do Sal, e unindo-se ali com o célebre
Galamba (V. este nome), seguiram
todos para Évora. Encontrando-se a meio caminho com as tropas do
comando do conde de Melo, marcharam todas essas forças do partido
da junta para Alcácer do Sal, e daí para Águas de Moura, onde
chegaram no dia 23 com a ideia de atacarem Setúbal no dia seguinte.
Segundo as ordens recebidas nessa noite, o conde de Melo
aproximou-se do Tejo, mas tendo em Canha na manhã de 25 recebido
participação da derrota de Torres Vedras, voltou para Évora, e daí
mandou José Estêvão e Anselmo José Braamcamp ao Algarve para
nessa província levantarem novas forças e obterem os meios pecuniários
indispensáveis para a continuação da guerra civil. Do Algarve
vieram reforços ao general da junta, que nomeou José Estêvão seu
quartel mestre general. Nesta qualidade serviu o valente tribuno o
resto da campanha, até que a intervenção estrangeira veio pôr
termo a essa renhida luta, ajustando-se a convenção de Gramido,
assinada em 30 de junho de 1847. O partido setembrista que se vira
obrigado a depor as armas, preparou-se logo para tomar parte activa
nas eleições de deputados, e José Estêvão, como um dos membros
mais importantes desse partido, promoveu o primeiro meeting
eleitoral que se reuniu em Lisboa, e nele falou com a sua habitual
eloquência, arrebatando com as suas palavras entusiásticas, todos
os que assistiram a essa assembleia. Tais foram, porém, os meios
empregados pelo governo para afastar José Estêvão do parlamento,
que ele não pôde alcançar ser eleito por Aveiro, sua terra natal,
e até 1851 viu-se obrigado a limitar a sua oposição ao ministério
a alguns artigos na Revolução
de Setembro.
Com
a mudança politica de 1851, que se tornou conhecida pelo nome de Regeneração,
José Estêvão voltou a ter assento na câmara dos deputados, e
defendendo com todo o vigor o impulso dado pelo governo aos
melhoramentos materiais, ele próprio apresentou um projecto para a
construção do caminho de ferro de Vila Nova da Rainha ao Porto, e
segundo o qual os trabalhos deviam começar infalivelmente no 1.°
de janeiro de 1853. Com a queda do gabinete regenerador e a entrada
no poder o ministério histórico, José Estêvão passou a militar
nas fileiras da oposição, e em vários discursos acentuou bem as
suas ideias políticas. Este ministério presidido pelo duque de
Loulé foi substituído em 1859 por um gabinete regenerador, ao qual
José Estêvão prestou todo o seu apoio; havendo, porém, este
ultimo ministério pedido a sua demissão em 1860 sem o comunicar
aos homens mais importantes do seu partido, o grande tribuno
magoou-se profundamente com o que ele tomou por desconsideração.
As suas relações com o partido regenerador esfriaram bastante, até
que rebentando a questão das irmãs da caridade francesas, se
romperam de todo, porque não quis acompanhar os regeneradores no
terreno que escolheram, e pôs-se deliberadamente ao lado do ministério
progressista histórico, que se mostrava disposto a não consentir
que aquelas religiosas viessem introduzir no ensino português um
elemento reaccionário. Foi um dos seus mais notáveis discursos o
que pronunciou nessa ocasião, ocupando a atenção da câmara e das
galerias, repletas de espectadores, durante duas sessões
sucessivas. Desde então parece ter começado a pensar na organização
dum partido novo. Voltando o duque de Loulé ao poder, foi
dissolvida a câmara dos deputados e José Estêvão, que se
apresentou candidato por Aveiro, dirigiu aos seus eleitores uma
carta com a data de 15 de abril de 1861, em que apresentava o novo
partido que começava a formar-se, declarando os motivos porque se
organizara e o plano que se propunha a seguir. Para defender na
imprensa o novo partido, criou Freitas de Oliveira o jornal Liberdade,
que principiou a publicar-se a 26 de junho de 1861, sendo o
primeiro artigo escrito por José Estêvão. Entrando no parlamento,
logo na discussão do discurso da coroa desenvolveu o seu programa
político. Foi também notável o seu discurso na questão da barca
francesa Charles et George; o
sentimento do acrisolado amor pátrio, protestando contra um acto de
brutal abuso da força por parte duma nação, que querendo talvez
desfeitear a Inglaterra, ofendia os nossos brios, abusando da nossa
fraqueza, tais foram a inspiração daqueles dois eloquentíssimos
discursos, que fizeram época nos factos parlamentares. Com a ideia
de organizar um partido novo, promoveu José Estêvão no escritório
da Política
Liberal uma
conferência de alguns homens políticos e redactores de jornais, e
nessas reuniões se assentou em formular um manifesto que seria
assinado pelos jornais ali representados e redigido por José Estêvão.
O manifesto apareceu nos jornais de 27 de setembro de 1861, mas
pouco efeito produziu. Foi, portanto, necessário adiar a organização
do novo partido, e quando em 1862 o marquês de Loulé tratou de
recompor o gabinete a que presidia, desejando chamar ao seu partido
o grande tribuno, convidou-o para a pasta do reino. Desenvolveu-se
então grande intriga procurando afastá-lo do ministério, o que
desgostou profundamente o carácter honrado de José Estêvão.
Depois de encerradas as cortes, foi José Estêvão passar algum
tempo em Cascais, e havendo-se entabulado outra vez negociações
para a entrada dele no ministério, quando voltou em Lisboa nos
meados de outubro, parece que estava tudo disposto para dentro em
pouco lhe ser confiada a pasta do reino, mas acometido de doença
mortal no dia 2 de novembro, faleceu dois dias depois.
A
sua morte causou a mais profunda impressão; o enterro foi uma
manifestação imponentíssima, milhares de pessoas acompanharam o féretro
a pé até ao cemitério dos
Prazeres;
fizeram-se representar as câmaras dos pares e dos deputados, a
Sociedade das Ciências Médicas, a Sociedade de Geografia, todas as
associações e clubes, colégios, institutos, sociedades de
recreio, corporações de bombeiros municipais e de voluntários,
asilos, etc. As duas câmaras parlamentares, apenas souberam a
triste noticia, levantaram a sessão depois de sentidos discursos
dalguns pares e deputados. Por espaço de oito dias se conservou
coberta de crepe a cadeira do grande orador. Foi resolvido que a câmara
mandasse lavrar em mármore o busto de José Estêvão, para ser
colocado na biblioteca do corpo legislativo, e se abrisse uma
subscrição nacional para se erigir um monumento fúnebre à memória
do notável orador. À beira da sepultura discursaram Luís Augusto
Rebelo da Silva, Jacinto Augusto de Freitas Oliveira, José da Silva
Mendes Leal e José Manuel Gonçalves, falando este ultimo em nome
das criancinhas do Asilo de S. João, de que José Estêvão fora um
dos fundadores e presidente. Todos os jornais do país publicaram
sentidos artigos necrológicos. O seu cadáver foi posteriormente
trasladado para Aveiro em maio de 1864, sendo sepultado em jazigo
que ele mandara ali construir. Na casa onde nasceu naquela cidade
mandou a respectiva câmara municipal colocar em 1887 uma lápide
comemorativa. José Estêvão também se distinguiu no foro,
aparecendo ali duas vezes dum modo brilhante; da primeira em defesa
do periódico Portugal Velho,
e da segunda defendendo um boticário acusado de ter mandado
matar seu sogro, conseguindo a absolvição dos seus
constituintes.
Era
casado com D. Rita de Miranda Coelho de Magalhães, filha do médico
Custódio Luís de Miranda e de D. Margarida de Miranda de Moura.
Esta senhora era natural do Porto, onde também faleceu a 2 de outubro
de 1904.
Para
a biografia de José Estêvão Coelho de Magalhães pode ver-se a Revista
Contemporânea
de Portugal e Brasil,
tomo, I, 1859, artigo de Rebelo da Silva; Os varões
ilustres,
pelo mesmo escritor; Apontamentos
sobre os oradores parlamentares de 1853 por um deputado, de
Cunha Rivara; Esboço histórico, de Jacinto Augusto de
Freitas Oliveira; Arquivo Pitoresco, vol. V; Dicionário
Universal, Português Ilustrado, vol. VI, etc.