n.
f. 20 de outubro 632 ou 653.
Religiosa no convento beneditino duplex (de frades e
freiras) na antiga Lusitânia, que floresceu no meado do século VII.
Era natural de Nabância, hoje cidade de Tomar. A lenda conta
assim a sua vida. Iria era uma donzela geralmente estimada pela sua
honestidade e pelo conjunto de todas as virtudes que davam realce á
sua angélica formosura. De pequenina tinha ido para o convento onde
estavam suas tias, para ser educada. O nobre godo Britaldo
apaixonou-se por ela, e pediu-a em casamento, mas a donzela que se
havia votado ao serviço de Deus, resistiu a todas as razões e
promessas de Britaldo, o que ainda mais lhe inflamou o amor. Vendo
perdidas todas as esperanças, comprou um monge, frei Remígio,
mestre da santa, e o tornou cúmplice do seu amor sacrílego. A
desditosa virgem foi vítima duma cilada, porque frei Remígio,
ministrando-lho um narcótico, a entregou adormecida ao sedutor, que
fugiu com ela para um sítio próximo do rio Nabão, porém apenas
ali chegados Iria acordou e desenganou Britaldo de que não podia
ser sua esposa, porque pertencia a Jesus Cristo. Vendo o sedutor que
nada podia conseguir, a degolou, arremessando ao rio o cadáver da
vítima, no dia 20 de outubro de 632 ou 653, segundo dizem alguns
escritores. A corrente do rio a levou ao Tejo, depondo-a em frente
da cidade de Sclabis, ou Scalabicastro, onde os anjos
lhe construíram um formosíssimo túmulo de alabastro. Em breve se
espalhou pela Lusitânia a fama deste martírio e do milagre que lhe
sucedeu, e de toda a parte correu gente a ver o túmulo da santa
virgem. Iria é proclamada santa e mártir, e Scalabis em breve muda
o seu nome para o de Santa Irene, que se corrompeu em Santarém. A
lenda tem a seguinte variante: Britaldo, vendo perdidas todas as
esperanças de casar com Iria, adoece de pesar, e chega às portas
da morte. Sabendo isto, Iria foi visita-lo, dizendo-lhe que não
podia ser sua esposa por ter já feito voto solene de morrer freira.
Britaldo ficou resignado, e melhorou. Tendo pois lugar a
propinação da tal bebida por frei Remígio, que produzira uma
inchação semelhante à gravidez, Britaldo encolerizou-se, e aceso
em ódio angariou uns assassinos, que foram ter a um lugar
solitário, onde Iria costumava fazer as suas orações, e achando-a
ajoelhada, a degolaram, despiram-lhe o hábito e lançaram o
cadáver ao rio.
Para que se não perdesse da memória o lugar do martírio da
santa, quando se reedificou e acrescentou o novo mosteiro, destinado
então para a regra de Santa Clara (ordem franciscana), alteando-se
o terreno da Lapa, fechou-se esta com uma abobada de pedra, cercada
de assentos, e sobre o edifício, do lado do rio, se colocou uma
imagem de Santa Iria. A abobada estava ultimamente reduzida a uma
espécie de cisterna, e por isso se lhe dava o nome de Pego de
Santa Iria. As pessoas devotas de Tomar, e proximidades, têm a
crença de que a água do pego da santa cura todas as doenças, e
quando em 1599 a peste devorou muita gente destes sítios, o remédio
que julgavam mais eficaz para a cura dos atacados, era a água deste
pego. É crença popular que todas as vezes que se enxuga este pego,
se encontra o sangue de Santa Iria, tão fresco como na hora em que
foi derramado, e que as pedras que estão no fundo, todas têm
manchas de sangue. Iria desapareceu do mosteiro.
Correu a notícia de ter fugido com o autor da sua suposta
afronta; os parentes ficaram tristíssimos, sobretudo seu tio, o
abade Célio, que, recorrendo às mais instantes e contínuas
orações, conseguiu que tudo lhe fosse revelado. Reuniu então o
povo de Nabância e lhe narrou o martírio com todas as suas
circunstâncias. Para se certificarem da verdade, se dirigiram todos
os frades do mosteiro e toda a gente da cidade e sua comarca, ao
lugar da sepultura de Iria, e apenas chegados, as águas do Tejo se
abriram, deixando ver o angélico monumento, que foi aberto pelo
abade Célio, e todos viram então o corpo da santa virgem, apenas
envolto na túnica interior, porque os assassinos lhe haviam roubado
o habito religioso. Sendo evidenciada assim a inocência de Iria
quiseram levá-la para Nabância, mas foram baldadas todas as
diligências que fizeram para tirar o cadáver do ataúde.
Contentaram-se em levar algumas relíquias do cabelo e da túnica.
Colocada a tampa na sepultura, principiou a água do Tejo a
unir-se.
A rainha santa Isabel e seu marido o rei D. Dinis, estando a
corte em Santarém, em 1295, desejaram ver o sepulcro da santa.
Chegando á beira do rio, santa Isabel ajoelhou devotadamente, em
profunda oração, finda a qual as águas se separaram, como o
tinham feito seiscentos e sessenta e três anos antes, e todos viram
com admiração o túmulo de alabastro, mas por mais diligencias que
empregassem para o abrir, não foi possível. D. Dinis, para se não
perder da memória o lugar da sepultura, mandou a toda a pressa
colocar ali um pedestal de pedra, o qual, apenas concluído, se
tornaram a unir as águas. Este pedestal era de tosca alvenaria, por
não haver tempo de ser construído com magnificência, como o rei
desejava, e existiu muitos anos, um pouco superior ao nível da
água. Em 1644 a câmara de Santarém, a pedido do povo, mandou
guarnecer o pedestal de cantaria lavrada, dando-lhe mais altura,
colocando no remate a imagem de Santa Iria, feita de mármore,
defendida das chuvas por uma bandeja, ou cúpula, de metal lavrado,
firmada sobre quatro colunas de ferro. Nesta nova pirâmide se pôs
uma inscrição latina.