Nasceu
em Lisboa a 24 de julho de 1841, onde também faleceu a 22 de novembro
de 1903. Era filho o professor régio João António de Lacerda.
Cursou
a Escola Politécnica e depois dos respectivos preparatórios
matriculou-se na Escola Médico Cirúrgica de Lisboa, cujo curso
terminou em 1865, defendendo tese a 24 de julho, dia em que
completava vinte e quatro anos de idade. A tese foi publicada nesse
ano, tendo por título: Apontamentos
para a descrição patológica do cancro do fígado.
Logo
no primeiro ano do curso havia assentado praça como aspirante a
facultativo do ultramar donde mais tarde obteve transferência para
o quadro da armada. Achava-se já despachada facultativo naval de 2.ª
classe quando no verão de 1865 teve de ir a bordo da corveta Sagres
na esquadrilha comandada pelo visconde de Soares Franco, realizar a
sua primeira viagem acompanhando o rei D. Luís e a rainha senhora
D. Maria Pia em digressão para Inglaterra. Mas um temporal que se
levantou na baía da Biscaia obrigou a esquadrilha a arribar e João
de Lacerda não passou do porto de Vigo, donde regressou a Lisboa.
Teve pouca demora, embarcando logo a bordo da barca Martinho
de Melo, que a 19 de outubro do mesmo ano de 1865 partiu com
destino a Macau e escala por Timor. Seguiu-se atravessar o mar da Índia,
e procurar depois as ilhas da Oceânia. Java e Timor foram na quinta
parte do mundo os pontos principais em que João de Lacerda
concentrou toda a sua atenção de fino observador. De Timor passou
a barca Martinho de Melo
ao porto de Macau, e dali voltou para Lisboa, onde chegou já no ano
de 1866.
A
propósito desta viagem publicou João de Lacerda na Gazeta
Medica de Lisboa uns artigos sob o título de Clínica
naval. Partiu depois para uma estação em Cabo Verde, onde
esteve três anos, de 1867 a 1870, prestando bons serviços tanto na
clínica hospitalar como na civil. Por ocasião de se desenvolver na
cidade da Praia em 1868 a febre amarela foi importantíssima a sua
dedicação para com os doentes, o que lhe mereceu ser agraciado com
o hábito de cavaleiro da Ordem da Torre e Espada. Data dessa estação
o Relatório que João de Lacerda escreveu acerca duma epidemia de
febres tifóides observada na ilha Brava. Este Relatório foi
mandado publicar na Gazeta Médica
de Lisboa, pelo director da repartição de Saúde Naval e do
Ultramar João Francisco Barreiros. Durante esta estação de Cabo
Verde, João de Lacerda foi diversas vezes à Guiné em desempenho
de suas funções oficiais. Em 1870 regressou a Lisboa, com bastante
mágoa dos habitantes, que lhe consagravam verdadeira estima, e o próprio
governador da província, reconhecendo as suas elevadas aptidões, o
propôs ao governo para secretário geral da mesma província, para
que foi nomeado por decreto de 9 de novembro de 1870. João de
Lacerda seguiu viagem no vapor Zaire
para Cabo Verde a 5 de dezembro seguinte, tomando posse do seu novo
cargo a 19 do referido mês. Conservou-se perto de três anos nesta
situação, sendo exonerado a seu pedido, por decreto de 19 de julho
de 1873, continuando no exercício das respectivas funções até
pessoalmente entregar ao seu sucessor o expediente da secretaria em
19 de outubro.
Em
8 de agosto de 1871 fora promovido a médico de primeira classe.
Pela portaria de 18 de novembro de 1873 teve de dirigir na província
de Cabo Verde o serviço de saúde, e só em 20 de janeiro de 1874
é que pôde embarcar para Lisboa. Durante quase três anos aqui se
conservou entregue à clínica do hospital da Marinha, ou ocupado em
variadas comissões de serviço médico-naval. Em dezembro de 1876
partiu novamente para Cabo Verde, como secretário-geral, proposto
pelo governador Vasco Guedes de Carvalho e Meneses, e ali permaneceu
até julho de 1877, época em que regressou a Lisboa com licença,
por se sentir doente. A maneira como se houve no desempenho de tão
importante cargo, tanto da primeira como da segunda vez, atestam os
reiterados elogios que lhe dispensaram os governadores com quem
serviu, sendo um dos mais honrosos o ofício que vem publicado na Ordem
da Armada n.º 3, de 14 de fevereiro
de 1874, do governador Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque.
Quando
João de Lacerda chegou a Lisboa em 1877, achava-se vago o lugar de
director da repartição de Saúde Naval e do Ultramar, pelo
falecimento de João Francisco Barreiros, e o seu nome foi indicado
para preencher aquela vaga; João de Lacerda teve aquela nomeação,
acedendo a pedir a sua exoneração do cargo de secretário geral.
Exerceu o referido lugar de director todo o tempo que durou
semelhante organização de serviço, e desempenhando com proficiência
notável os deveres inerentes a um cargo de tantas exigências e de
tanta responsabilidade. Quando em 1878 foi extinta aquela repartição,
João de Lacerda passou para chefe da secção de saúde na direcção
geral da marinha. Foi promovido sucessivamente a médico naval,
subchefe e chefe em 7 de junho de 1883 e a 30 de junho de 1893,
ficando depois adido à direcção geral de marinha. Em 1886, por
decreto de 14 de maio, foi nomeado governador-geral da província de
Cabo Verde, seguindo viagem em 6 de julho, e tão boa memória
deixou no desempenho do seu cargo, que em 1898 foi novamente nomeado
governador da mesma província, em substituição de Serpa Pimentel,
que recolheu à metrópole para cuidar da sua saúde, e para ali
partiu em 23 de janeiro. João de Lacerda foi deputado numa
legislatura em 1886, eleito por Cabo Verde.
Também
se dedicou à política, tomando parte efectiva na redacção do Diário
Popular, desde 1881, onde afirmou os seus créditos como
escritor e hábil polemista. Colaborou no Diário
de Noticias, Ilustração
Luso-brasileira, Aurora
Literária, Murmúrio,
Revolução de Setembro,
Conservador e Gazeta
de Portugal. Foi correspondente do Jornal
do Porto e da Aurora do
Lima. Escreveu no Ocidente,
vol. IV um artigo sobre os Paços do Concelho da ilha de S. Vicente,
a pág. 46; outro, relativamente ao Quartel militar da cidade da
Praia, de Cabo Verde, a pág. 195. Escreveu também nos Dois
Mundos, Ilustração
portuguesa que se publicou em Paris, de 1877 a 1881, um conto, Os
cabelos de Lola. Na Biblioteca do Povo e das Escolas, do editor
David Corazzi, publicou: Introdução
ás ciências físicas naturais; Corografia
de Portugal; Economia política;
Higiene; As
colónias portuguesas; Código
civil português compendiado; Anatomia
humana; Fisiologia
humana; História antiga;
História da Idade Média;
As ilhas adjacentes. Nos
seus tempos de estudante traduziu diversas peças para os teatros de
D. Maria, Rua dos Condes e Ginásio. Escreveu uma cena cómica, Um
estudante em dia de sabatina, que se representou no teatro de
Almada a 17 de Junho de 1860, e nesse ano se imprimiu, saindo mais
tarde, em 1864, na Tribuna
teatral, formando o n.º 15 desta colecção. Foi também autor
da comédia dramática em 3 actos, A
coroa do artista, que se representou pela primeira vez no Ginásio
a 6 de Agosto de 1863; também se imprimiu em 1864, formando o n.º
12 da Tribuna teatral. O
Relatório acerca da epidemia de febres tifóides, a que já nos
referimos, e que foi publicado na Gazeta
Médica de Lisboa, deu origem a outro impresso pelo Ministério
da Marinha, e enviado à Exposição Colonial de Amsterdão em 1883,
sob o titulo de Notícias
sobre febres paludosas e sobre uma epidemia de febre tifóide
observadas na província de Cabo Verde, de 1867 a 1870, excertos de
um relatório do serviço médico a bordo da canhoneira “Rio
Minho”, na estação da mesma província. Além das condecorações,
que citámos, João de Lacerda possuía também as medalhas de prata
de comportamento exemplar e de bons serviços.