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Luna
(João Pedro Soares).
n. 1792.
f. 19 de agosto de 1848.
Marechal de campo reformado.
Nasceu em Elvas em 1792, faleceu em
Lisboa a 19 de agosto de 1848. Era filho de Manuel Joaquim Soares.
Assentou praça de cadete no 3.°
Regimento de Artilharia em 21 de abril de 1806 Em 1808, contando
apenas dezasseis anos, fugiu de Elvas para Juromenha, e depois para
Badajoz, levando consigo dois soldados do regimento que conseguira
aliciar; mas essa deserção era heróica, porque se tratava de
escapar ao jugo e ao serviço dos franceses, que então dominavam o
país, para oferecer o seu braço aos patriotas que tinham levantado
o grito da independência. Soares Luna continuou a servir como
cadete no seu regimento debaixo das ordens dos generais ingleses
assistiu ao cerco de Olivença, e quando algumas companhias foram
destacadas para o cerco de Badajoz, pediu para servir com elas, e
por tal forma se distinguiu nestes dois cercos que mereceu alcançar
o seu primeiro posto, sendo depois promovido a 2.º tenente em 8 de
maio de 1812. O teatro da guerra afastou-se das províncias
portuguesas, e Soares Luna, fazendo parte dum regimento de
artilharia de guarnição, não tomou parte no resto da campanha
peninsular, por isso só a 11 de maio de 1819 foi promovido a 1.º
tenente, e a capitão no dia 18 de dezembro de 1820. Partiu para o
Brasil em 1 de novembro de 1821, serviu nas tropas portuguesas que
procuraram obstar à separação daquela nossa colónia, e regressou
ao reino em 11 de setembro de 1823. Dois anos depois, a 13 de maio
de 1825, era promovido a major, e nomeado comandante das companhias
pagas que guarneciam a ilha do Faial.
Estava nessa ilha, quando o infante
D. Miguel tomou posse do governo, e por muito tempo, tanto ele como
o governador militar do Faial, Tomás Ruxleben, conseguiram que não
se proclamasse ali o governo absoluto, resistindo até às intimações
dum oficial de marinha, que quisera estabelecer no Faial a
autoridade do governo de Lisboa. Sabendo, porém, que uma forte
esquadra se dirigia para os Açores, não podendo estabelecer
comunicação com o governo liberal, que se instalara solidamente na
ilha Terceira, nem contar com a firme adesão das tropas nem dos
habitantes do Faial, Soares Luna e Ruxleben tiveram de fugir,
metendo-se a bordo dum navio que partia para Londres, indo
apresentar-se ao marquês de Palmela, que os mandou para o depósito
de emigrados que se reuniu em Plymouth. Quando Saldanha tentou
desembarcar na ilha Terceira, acompanhou o Soares Luna, mas o
cruzeiro inglês não os deixou sequer aproximar da ilha, e Soares
Luna teve de voltar com o seu chefe para a Europa. Só em Agosto de
1830 é que conseguiu desembarcar na ilha Terceira, e em Outubro
desse ano recebeu do conde de Vila Flor, depois duque da Terceira, o
comando do Batalhão Académico, pequeno corpo de voluntários
formado pelos estudantes de Coimbra, que manobrava uma bateria de
artilharia e que já fora instruído e comandado pelo
primeiro-tenente José Maria Baldy.
No comando desse corpo, que era difícil,
porque se compunha de rapazes instruídos e inteligentes, em que se
contava Almeida Garrett, Soares Luna portou se sempre com muito
tacto e habilidade, conciliando o afecto e a estima dos seus
subordinados, como se prova, entre outras coisas, a dedicatória que
Almeida Garrett lhe fez do seu livro O Arco de Sant'ana. O
corpo académico deveu à sua instrução e direcção os elogios
que mereceu ao imperador, quando veio tomar o comando do exército liberal.
Debaixo do seu comando se portara ele brilhantemente no ataque da
Ladeira Velha na ilha de S. Miguel. Desembarcando nas praias do
Mindelo à frente do Batalhão Académico, prestava quinze dias
depois um dos mais importantes serviços à causa liberal. D. Pedro
marchara sobre Ponte Ferreira, onde se travou uma das primeiras
batalhas da guerra, e deixara o Porto insuficientemente guarnecido;
de súbito apareceram sobre as alturas da serra do Pilar as tropas
do general Póvoas, do partido miguelista. O terror foi grande, e só
Soares Luna conservou o sangue frio. Tomou logo com peças a boca da
ponte, e aproveitou a noite de 22 para 23 de julho a cobrir de
baterias as eminências da margem direita. Quando amanheceu o dia
23, Póvoas viu na sua frente improvisada a defesa da cidade. O
Porto fora salvo pela energia do brioso comandante do Batalhão Académico.
Ainda em agosto desse ano de 1832 Soares Luna dirigiu habilmente uma
sortida até Vila do Conde.
Em 1833, quando se organizou a expedição
que se devia dirigir sobre Lisboa, Soares Luna partiu comandando o
destacamento do Batalhão Académico, que acompanhou o conde de Vila
Flor; ficou, porém, no Algarve nomeado governador de Faro, lugar em
que prestou talvez os mais importantes serviços da sua carreira
militar. Em primeiro lugar organizou admiravelmente e com a máxima
prontidão a artilharia que devia marchar sobre Lisboa, arranjando
lhe munições em grande abundância, e preparando tudo
excelentemente; em segundo lugar organizando rapidamente a defesa de
Faro, construindo redutos, artilhando os, armando três barcas
canhoneiras, criando batalhões nacionais, e governando ao mesmo
tempo a cidade com moderação e acerto. Por todas estas medidas
mereceu os mais honrosos atestados de José Jorge Loureiro, do duque
da Terceira, do visconde de Sá da Bandeira, do duque de Palmela, e
da câmara de Faro, que sobretudo se lhe mostrou altamente
reconhecida, mandando cunhar uma medalha comemorativa que lhe
ofereceu, pedindo ao governo licença para ele a poder gozar como
uma condecoração. Na verdade, Soares Luna, que fora entretanto
promovido a tenente coronel, salvara algumas vezes a cidade de Faro,
porque Sá da Bandeira mais duma vez deixara a cidade completamente
desguarnecida, e nem por isso Soares Luna deixara de repelir o
inimigo. Assim aconteceu em 23 de fevereiro de 1834, mas o dia que a
câmara de Faro comemorava com mais entusiasmo, e em que o próprio
Luna num dos seus folhetos chama com orgulho o dia mais glorioso da
sua vida, foi o de 27 de fevereiro do mesmo ano. A cidade ficara
desguarnecida, quando o inimigo a atacou em força, e já estava
quase senhor do reduto duque de Bragança, quando Soares Luna, que
tinha apenas dentro da praça catorze soldados de cavalaria
pessimamente montados, deu à frente deles, dessa insignificante
escolta, uma carga tão furiosa aos miguelistas, que os obrigou a
abandonar o reduto já ocupado; depois, dirigindo uma sortida geral
dos milicianos, que só combatiam habitualmente detrás dos muros
das fortificações mas que o entusiasmo arrastava agora, repeliu e
desbaratou completamente o inimigo. No dia 5 de maio do mesmo ano
ainda os miguelistas tentaram novo ataque, sendo outra vez
repelidos.
Em 24 de julho de 1834 foi Soares
Luna promovido a coronel de artilharia, comandante do regimento n.º
2 da mesma arma, cujo quartel era em Belém. Tendo de deixar o
governo de Faro, a sua partida causou o maior desgosto a todos os
habitantes daquela cidade, e nas próximas eleições de deputados,
o elegeram para representante da província do Algarve. Na câmara,
apesar de não ser muito eloquente, por mais duma vez se manifestou
contra as dotações e favores concedidos aos liberais da última
hora. Aderiu à revolução de setembro, e achou-se numa situação
embaraçosa quando rebentou o movimento reaccionário, conhecido
pelo nome de Belenzada. O seu regimento estava em Belém, e a
rainha exigiu que fosse ele a sua guarda de honra, não deixando o
coronel do estar a seu lado. Ao princípio Soares Luna apenas
desconfiou de que alguma coisa se tramava sem saber o quê, mas
quando percebeu o fim do movimento, participou para Lisboa que o
regimento continuava firme na sua adesão à causa setembrista, e não
contribuiu pouco, pela sua atitude e pela dos seus oficiais e
soldados, para que a Belenzada se malogra-se. O coronel Luna
foi eleito deputado às Cortes Constituintes, e quando Sá da
Bandeira teve o encargo de ir pacificar as províncias do Norte,
pediu para que ele o acompanhasse, entre outros oficiais. Concedida
a necessária licença das Cortes, Luna partiu, e Sá da Bandeira o
encarregou de exercer o importantíssimo lugar de governador militar
do Porto e a forma como se houve mereceu lhe os elogios do seu
chefe.
Continuando a militar no parlamento
nas fileiras do partido setembrista, fez parte da oposição aos
ministérios semi cartistas, que principiavam a preparar a restauração
da Carta. Tendo sido dissolvida a câmara, os deputados da oposição
publicaram um manifesto, dando conta ao país do uso que tinham
feito do seu mandato. Não foi pequena a surpresa do coronel Luna,
que assinara esse manifesto com todos os seus colegas da oposição,
quando recebeu um ofício do ministério da guerra, em que se lhe
perguntava se era verdadeira a sua assinatura. O coronel Luna
respondeu com um ofício enérgico, em que negava ao ministério da
guerra o direito de inquirir e de fiscalizar o seu procedimento como
deputado. A réplica a este ofício foi simplesmente a Ordem do Exercito
que o colocava na 3.ª secção. Assim se conservou alguns anos,
lutando com as doenças e os achaques, e consolando se com a estima
pública da malevolência do governo. Entretanto chegou à altura de
ser promovido a brigadeiro, e foi nomeado brigadeiro graduado. Em
1846, estando no poder um ministério liberal, que foi derrubado
depois pelo golpe de Estado de 6 de outubro, Soares Luna foi nomeado
governador da torre de S. Julião da Barra, apesar de todas as suas
instâncias para se escusar apegando falta de saúde, mas esta nova
prova de confiança dos liberais o apontou às iras dos cartistas.
No dia 6 de junho de 1847 foi
violentamente reformado em marechal de campo pelo ministro da Guerra,
Jerónimo Pereira de Vasconcelos, barão da Ponte da Barca. Contra
essa medida violenta, que abrangeu muitos outros oficiais distintos,
escreveu Soares Luna um folheto intitulado As reformas forçadas,
onde se encontram notas biográficas interessantes a respeitados dos
outros oficiais, que tinham sido vítimas como ele. Pouco tempo
depois de estar reformado, faleceu, contando 56 anos de idade. O
marechal de campo Soares Luna era comendador da Ordem de S. Bento de
Avis, cavaleiro das da Torre e Espada e de Nossa Senhora da Conceição,
condecorado com a cruz de duas campanhas da guerra peninsular.
Escreveu:
Descrição da formosa caldeira da
ilha do Faial, Lisboa, 1834; Memórias para servirem à história
dos factos de patriotismo e valor, praticados pelo distinto e bravo
Corpo Académico, que fez parte do exército libertador; etc.,
Lisboa, 1837; As reformas forçadas, ou o escandaloso abuso com
que se invocou a legislação vigente no decreto de 16 de junho de
1841, referendado pelo então Ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra, o barão da Ponte da Barca,
Lisboa, 1848;
Documentos segundo a ordem
cronológica em que se acham datados, e que atestam os serviços
militares preteridos por João Pedro Soares Luna, Lisboa, 1838.
Luna, João Pedro Soares Enciclopédia
Açoriana
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