Portugal - Dicionário

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
O Portal da História Dicionário > Simão José da Luz Soriano
Luz Soriano
Luz Soriano

Luz Soriano (Simão José da).

 

n.      2 de setembro de 1805.
f.       
18 de agosto de 1891.

 

Bacharel formado em medicina pela Universidade de Coimbra, oficial-mor graduado no Ministério da Marinha, chefe da secção de marinha, deputado, escritor, historiador e jornalista, etc.

Nasceu em Lisboa a 8 de setembro de 1802, onde também faleceu a 18 de agosto de 1891. Era filho de pais muito pobres e humildes, Domingos José Soriano e Angelina Rosa de S. José.

Contava apenas dois anos de idade, quando seu pai resolveu partir para o Brasil na esperança de angariar fortuna, mas parece que nada conseguiu, porque nunca mais se receberam notícias a seu respeito. Sua mãe, vendo-se sem recursos, não podendo cuidar da educação de seu filho, pôde alcançar por intervenção dum tio, que Luz Soriano fosse admitido na Casa Pia, onde cursou e concluiu os estudos de instrução primaria. Estava-lhe então destinada a aprendizagem dum ofício mecânico, mas o futuro historiador, que já nesse tempo mostrava certa força de vontade, que tanto o caracterizava, convencendo-se que o seu talento o levava a mais altos destinos, pôde conseguir, depois de ter estudado gramática latina, matricular-se na antiga Academia Real de Marinha, onde logo no exame do primeiro ano foi contemplado com o prémio pecuniário de 72$000 reis. Esta distinção entusiasmou tanto o administrador da Casa Pia que propôs ao intendente geral de polícia, o barão de Rendufe, para que o jovem estudante fosse escolhido para cursar os estudos na Universidade de Coimbra a expensas do cofre da intendência, o que se obteve por deliberação do então ministro do reino, marquês de Palmela. Chegado à universidade, depois de feitos todos os exames preparatórios, matriculou-se Luz Soriano no primeiro ano de matemática como estudante ordinário, e no de filosofia como estudante obrigado. Cursou o primeiro e o segundo ano destas faculdades, ficando aprovado plenamente, e sendo premiado no segundo ano de matemática. Tendo continuado o terceiro do curso, 1827 a 1828, viu-se obrigado a interromper os estudos, por causa da guerra civil que então se declarou, tendo rebentado no Porto em 16 de maio de 1828 o grito liberal, proclamando pela segunda vez os princípios liberais de 1820.

O malogro dessa revolta obrigou os corpos, que a sustentavam, a emigrar para a Galiza. Luz Soriano, como constitucional exaltado, alistara-se no batalhão dos académicos de Coimbra, que tomou parte muito activa no movimento que  se dera nesta cidade no dia 22 do mencionado mês, e por isso também seguiu os emigrados, que da Galiza passaram a Plymouth, donde foram para a ilha Terceira em Fevereiro de 1829. Ali, pela sua dedicação ao trabalho e à causa liberal, Luz Soriano tornou-se jornalista, sendo o redactor principal da Crónica da Terceira, que principiou a publicar-se semanalmente em 17 de abril de 1830, havendo anteriormente a essa data saído algumas folhas avulsas com a narração dos sucessos e notícias políticas do tempo. Depois de redigir os primeiros 12 ou 15 números do jornal, Luz Soriano retirou-se da redacção por causa dumas desinteligências que teve com o marquês de Palmela, sendo nesse cargo substituído pelos dois académicos Elias José de Morais e José Estêvão Coelho de Magalhães, e finalmente pelo oficial do batalhão de voluntários da rainha João Eduardo de Abreu Tavares. Este jornal advogava energicamente os princípios liberais, animando o partido que o sustentava, e influindo-o à luta. Mais tarde, em 1832, tomou parte na expedição liberal que veio desembarcar nas praias do Mindelo. Seguiu-se o cerco do Porto, em que Luz Soriano, como artilheiro académico, praticou actos de bravura, requereu com insistência que o colocassem na guarnição da Serra do Pilar, e o seu procedimento tornou-se tão notável que mereceu ser classificado com distinção pelo tenente general visconde da Serra do Pilar, José António da Silva Torres Ponce de Leão, como atesta o respectivo e honroso documento.

Terminadas as lutas civis pela convenção de Évora Monte em maio de 1834, Luz Soriano voltou para a universidade a concluir os estudos, obtendo prémios em todos os anos do curso, e tomou o grau de bacharel na faculdade de Medicina, obtendo por fim informações distintíssimas em literatura. Já desde a sua permanência na ilha Terceira, fazendo‑se justiça ao seu grande mérito literário, fora empregado ao serviço do ministério da marinha, onde continuou a pertencer, e para onde voltou quando concluiu os estudos, sendo depois dalguns anos de serviço nomeado chefe daquela repartição, que exerceu sempre com o maior zelo e inteligência, e em que veio a ser reformado em julho de 1867. No exercício desse cargo prestou os mais relevantes serviços para a organização da colónia de Moçâmedes; para se consolidar o domínio português no porto de Ambriz, de que a Inglaterra pretendia assenhorear-se. Luz Soriano fora eleito deputado pela província de Angola em 1853, sendo reeleito nas seguintes legislaturas, e sobre a referida questão pronunciou um veemente discurso, em que mostrou bem o seu profundo talento e os seus conhecimentos práticos do ultramar, sustentando os

nossos direitos sobre aquela colónia. Este notável discurso foi publicado, além do Diário da Câmara, no Diário do Governo, de 13 de julho de 1853, e traduzido em inglês por ordem do embaixador de Inglaterra, em Portugal, que o enviou para o seu governo. Está inserto na colecção das peças oficiais, que o governo britânico anualmente publicava acerca do tráfico da escravatura, para ser apresentado no parlamento. Na referida colecção se encontra a pág. 407 do vol. de 1 de abril de 1853 a 31 de março de 1854, com o título de classe B: Correspondence with British Ministers and Agents in foreign countries, and witlh foreign Ministers in England, relating to the slave trade. A Inglaterra afinal desistiu das suas pretensões, ficando assim terminada uma pendência de tão elevado alcance.

Também se deve ao grande mérito literário de Luz Soriano o termos suplantado uma pretensão da França sobre o caso da escuna Fournis; pois tendo ela aportado a Luanda, vindo de Marselha, e sendo o seu capitão coagido a pagar certos direitos da alfândega, recusou‑se ao pagamento, e a fez encalhar, retirando-se para Marselha. Veio em seguida o governo francês exigir indemnizações com perdas e danos, que importavam em muitos contos de reis. Luz Soriano prestou na repartição ultramarina tais esclarecimentos, e desenvolveu argumentos tão eficazes, que aproveitados no ministério dos estrangeiros, para onde foram enviados, fizeram calar as notas diplomáticas da França. Todos estes factos lhe mereceram a nomeação de vogal extraordinário do Conselho Ultramarino, pelo decreto, em que se liam expressões muito elogiosas; passado em 23 de agosto de 1865, referendado pelo marquês de Sá da Bandeira, de quem era, verdadeiro amigo.

Luz Soriano, depois da sua aposentação, entregou‑se com mais afinco à vida de escritor, a que sempre foi muito dedicado. O governo encarregou-o de escrever, por meio do estipêndio anual de 600$000 reis, a História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal, trabalho que empreendeu, e chegou a concluir em 17 volumes, acompanhando-o de uma numerosa colecção de documentos de muito valor. A obra foi começada em 1866 e terminou em 1884. É dividida em 3 épocas, tendo a primeira 3 volumes; a segunda 5, e a terceira 9; compreende o reinado de D. Maria I, a história da Guerra da Península com mapas iluminados dos combates e campo de batalha. É um trabalho importantíssimo, não só pela narração dos factos, mas pelos documentos que encerra. 

A História do cerco do Porto, é também uma obra colossal, uma das glórias de Luz Soriano. Tem o seguinte titulo: Historia do cerco do Porto precedida de uma extensa noticia sobre as diferentes fases políticas da monarquia, desde os mais remotos tempos até ao ano de 1820, e desde este mesmo ano até ao começo do sobredito cerco. São dois grossos volumes, sendo publicado o 1.º em 1846, e o 2.º em 1849, trazendo este volume uma carta topográfica das linhas do Porto. Esta obra não deixou de lhe ocasionar atritos, visto ser uma história contemporânea, e o marquês de Palmela, a quem a mesma se refere em muitos lugares, fazendo por um lado elogio ao arrojo do distinto historiador em se abalançar a escrever um trabalho de tanto alcance, não se dispensou de lhe oferecer um grande número de notas, que em parte modificava algumas das suas asserções; acrescentando, que talvez o ilustre historiador às vezes desse crédito a boatos infundados ou se deixasse apaixonar por sentimentos de simpatia ou antipatia, isto, na melhor boa fé possível. Luz Soriano, prestando homenagem ao marquês de Palmela, na segunda edição da sua notável obra, não alterou o texto, mas publicou em aditamento as notas do nobre marquês deixando ao leitor imparcial o ajuizar dos factos conforme lhe parecesse mais acertado, dando assim uma prova da sua lealdade; acrescentando que o Sr. marquês de Palmela lhe atribui algumas vezes uma narração apaixonada, se esqueceu também de que na narração daqueles factos que lhe diziam respeito era juiz e parte ao mesmo tempo. Mas parece que o acrescentamento das notas não chegou a publicar-se. Apareceu, porém, um opúsculo intitulado: Duas palavras sobre a Historia do cerco do Porto, tendo no fim a data de 1 de fevereiro de 1849, e a assinatura de Roberto José da Silva. 

Além destas obras, Luz Soriano escreveu ainda o seguinte: História do reinado de D. José e da administração do marquês de Pombal, 2 volumes, Lisboa, 1867; Poesias diversas de Simão José da Luz, Angra, 1832; Folhinha da Terceira para o ano de 1832, bissexto, Angra, 1832; foi editor desta publicação e um dos seus colaboradores; o barão de Humboldt, em 1836, procurou com empenho um exemplar para a biblioteca real de Berlim; “Memória sobre os sertões e a costa ao sul de Benguela na província de Angola, escrita sobre documentos oficiais, que existem na Secretaria do Estado dos Negócios de Marinha”, saiu nos Anais Marítimos e Coloniais, série 6.ª,1846; n.º 3, pág. 73 e seguintes; “Memória concernente a sustentar a opinião dos que julgam contagiosa a cólera-morbo epidémica”, saiu no Diário do Governo, de 7 de março de 1848; foi suscitada pela questão que a esse respeito se levantou nas nossas sociedades médicas, por ocasião de ser invadida a Europa segunda vez por aquela epidemia; Artigo necrológico, consagrado à memória do sr. Francisco de Assis Morais Cardoso, guarda-mor da saúde no porto de Belém, saiu no Diário do Governo, de 2 de dezembro, 1848; Outro dito à memória do conselheiro Pedro Alexandrino da Cunha, capitão de mar-e-guerra, que em 6 de julho de 1850 faleceu, sendo governador de Macau, no Diário do Governo, de 3 de outubro 1850; A Quadrilha dos Srs. António Rodrigues Sampaio, Francisco Tavares de Almeida, António Pedro de Carvalho, e António dos Santos Monteiro, ou duas cartas ao redactor da Imprensa e Lei com uma introdução sobre a defesa do deputado por Angola Simão José da Luz, Lisboa, 1854; O depoimento do Sr. oficial-mor «Cravalho» na Comissão de inquérito, acompanhado de alguns apontamentos biográficos para quem se dedicar a escrever a vida de tão notável contemporâneo, Lisboa, 1856; o comentário deste, e do antecedente opúsculo, que versam ambos principalmente sobre assuntos de interesse pessoal, acha-se nas Revelações da minha vida, do mesmo autor, de pág. 591 a 616; Necrologia do padre Inácio da Purificação, bibliotecário que foi da livraria do real Paço de Mafra; saiu no Diário do Governo de 2 de maio de 1855; Utopias desmascaradas do sistema liberal em Portugal, Lisboa, 1858; Revelações da minha vida, e memorial de alguns factos e homens meus contemporâneos, Lisboa, 1860; além da exposição verídica e documentada dos factos da vida, ligados na maior parte às vicissitudes políticas por que o país tem passado desde 1820 em diante o autor intercalou na sua narrativa alguns capítulos curiosos, e puramente históricos, que não são de certo os menos interessantes da obra, como o capitulo 3.º que de pág. 68 a 297 compreende a história antiga e moderna de Coimbra e da sua Universidade, com o catálogo completo dos reitores, acompanhado de notícias biográficas; e o capitulo 8.º, de pág. 470 a 508, contendo uma discrição geográfica das ilhas dos Açores, etc. Introdução à segunda época do estabelecimento do governo parlamentar, Lisboa, 1870; Tratado de Lourenço Marques negociado pelo sr. João de Andrade Corvo, e observações sobre o referido tratado, Lisboa, 1880; Vida do marquês de Sá da Bandeira, 2 volumes. Escreveu também O Relatório, que pela secção do ultramar o ministro da marinha apresentou às cortes em março de 1859, e várias outras peças oficiais.

Simão José da Luz Soriano viveu sempre com a mais rigorosa economia, e conseguiu reunir uma importante fortuna. Ainda em sua vida fez doação, à câmara municipal de Lisboa, das suas casas, com reserva do usufruto, para nela se estabelecer uma aula pública de instrução primária, que ainda dotou com a quantia de 8.000$000 réis, o que deu lugar a que a rua onde as mesmas casas estão situadas, que dantes se chamava do Carvalho, passasse a denominar-se Rua Luz Soriano, por deliberação da mesma câmara municipal. Subscreveu com 400$000 réis para a subscrição nacional na pendência com a Inglaterra em Janeiro de 1890. Contribuiu com 600$000 réis para o monumento erigido à memória do marquês de Sá da Bandeira. No seu testamento dotou a Casa Pia com várias propriedades e ainda com fundos suficientes, para que entre os alunos se escolhessem três dos mais distintos em talento e aplicação, para irem frequentar a Universidade de Coimbra, com a mensalidade de 15$000 réis. Isto perpetuamente, incumbindo a Misericórdia de Lisboa de fiscalizar o cumprimento das condições desse legado, que lhe ficaria pertencendo com os mesmos encargos, quando eles se não cumprissem pelo primeiro estabelecimento contemplado. Dotou também a Misericórdia de Coimbra com fundos suficiente para se escolherem três menores que manifestassem talento e dedicação ao estudo, para serem subsidiados com igual mesada, para poderem frequentar os estudos superiores. Contemplou grande número de estabelecimentos de beneficência com cerca de 1.000$000 reis cada um; deixou bastantes esmolas de 4$000 reis a cada família pobre. Deixou 30 a 35 contos de reis para se levantar um monumento a Afonso de Albuquerque, o que depois se realizou em Belém, inaugurando-se solenemente em 3 de outubro de 1902 (V. Belém, no vol. II, pág. 255), providenciou com relação aos túmulos de Camões e Vasco da Gama, na igreja de Belém; deixou dotes de 100$000 réis para o casamento de donzelas pobres. A sua morte foi muito sentida, e o funeral muito concorrido. À beira do túmulo, o Dr. Carlos da Costa Pereira Mendes, de Tomar, pronunciou um eloquente discurso, que o Diário Ilustrado de 21 de agosto de 1891 publicou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, págs. 600-603.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral