Portugal - Dicionário

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
D. Maria I
D. Maria I

 

Maria I (D.). A Piedosa.

 

n.      17 de dezembro de 1734.
f.       20 de março de 1816.

 

Rainha de Portugal, a primeira rainha que por si só governou e empunhou o ceptro, por não haver príncipe varão, e não existir em Portugal a lei sálica, que afastava as mulheres do governo do estado. 

Nasceu em Lisboa a 17 de dezembro de 1734, faleceu no Rio de Janeiro em 20 de março de 1816. Era filha do rei D. José I, e de sua mulher, a rainha D. Mariana Vitória. 

Tinha o título de princesa do Brasil, que conservou até à sua aclamação. O monarca não tendo senão filhas, e perdendo a esperança de ter um filho varão, entendeu que sua filha primogénita devia casar com um príncipe português, visto ser ela a herdeira do trono, e escolheu para genro seu irmão D. Pedro, apesar da grande diferença das idades do tio e da sobrinha, porque D. Pedro tinha quarenta e três anos, e a princesa vinte e seis. O casamento realizou-se no paço da Ajuda a 6 de junho de 1760. No entretanto a princesa afeiçoou-se a seu marido, sendo ambos muito amigos, e daquele consórcio houve três filhos: o príncipe D. José, que faleceu muito novo, D. João, mais tarde D. João VI, e a infanta D. Mariana Vitória, que casou com o infante de Espanha D. Gabriel. Tanto a princesa D. Maria, como seu marido, o príncipe D. Pedro, não simpatizavam com o marquês de Pombal; sendo profundamente devotos encaram com terror e certa repugnância as audaciosos reformas do ministro do rei D. José; o marquês via também que no seu reinado não poderia gozar da mesma preponderância que exercia, e por isso pensou naturalmente em evitar esse perigo. O carácter do filho mais velho dos príncipes do Brasil, a sua precoce inteligência, inspiraram-lhe talvez o pensamento de introduzir em Portugal a lei sálica, e de fazer com que fosse D. José o sucessor do trono, quando seu avô falecesse. A viva afeição que o soberano sentia pelo neto animava-o à execução desse plano, e supõe-se que o motivo da demissão e o desterro de José Seabra da Silva foi ter este revelado à princesa o que se tratava. 

Fosse porque D. Maria tivesse apenas antipatia pelo marquês que o seu espírito devoto havia de sentir contra o perseguidor dos jesuítas, contra o audacioso adversário da cúria romana, contra o reformador dos conventos, ou porque juntasse a todos esses motivos de desafectação o rancor motivado pelo conhecimento dos planos do marquês e Pombal contra a sua ascensão ao trono, o certo é que, apenas morreu seu pai, a 24 de fevereiro de 1777, e D. Maria I subiu ao trono, o marquês de Pombal pôde perceber que triunfavam os seus inimigos. A reacção foi completa. Oito dias depois, a 4 de março, demitiu o grande ministro de seu pai, ordenando-lhe que se recolhesse à sua casa de Pombal. Em seguida abriram-se as portas dos cárceres aos numerosos presos que a política severa do marquês ali encerrara. A aclamação da nova soberana realizou-se em 13 de maio do mesmo ano de 1777. Começaram então as perseguições contra os parentes e os afeiçoados do marquês; arrancou-se o seu medalhão do monumento do Terreiro do Paço, e com pretextos frívolos promoveu-se um processo, indo a Pombal dois desembargadores sujeitar a um opressivo e impertinente interrogatório o velho estadista. A reacção iria ainda muito mais longe, se no governo não houvesse alguns homens de bom critério, que impediram os fanáticos de destruir completamente a obra do marquês de Pombal. Um desses homens de bom senso era D. Frei Inácio de S. Caetano, arcebispo de Tessalónica e confessor da rainha, que exercia no fraco espírito da sua confessada uma grande influência. Assim bem quisera a rainha readmitir em Portugal os jesuítas expulsos, mas fez-se-lhe sentir que a própria cúria romana extinguira a ordem, que varias potências europeias tinham exigido essa medida, e que a readmissão dos jesuítas em Portugal seria um motivo de graves reparos para o governo de Espanha e de França. Instavam pela reabilitação da memória dos Távoras os parentes desta desgraçada família, e a rainha mostrava-se muito desejosa de lhes conceder o que pediam. Nomeou uma comissão encarregada de rever a sentença condenatória, e, como eles protraíssem a tarefa embaraçosa, D. Maria I tão empenhada se mostrou em que a sentença de reabilitação se promulgasse, que na noite de 3 de abril de 1781 convocou os juízes, e disse-lhes que não consentia que se separassem enquanto não dessem solução a esse caso, o que obrigou os juízes a velar até ás quatro horas da manhã, promulgando então a sentença que se lhes exigia. Mas o procurador da coroa, João Pereira Ramos, no cumprimento do seu dever, pôs imediatamente embargos, e a sentença promulgada nunca se publicou. 

Na verdade, reabilitar os Távoras era uma afronta para a memória de D. José I, que os condenara. A rainha consagrava grande respeito pela memória de seu pai. Para o país ainda foi uma fortuna o ter sucedido a D. José uma rainha de espírito timorato, que hesitava em entrar francamente no caminho da reacção, e que conservou à frente dos negócios alguns homens da grande escola do marquês de Pombal, como foram Martinho de Melo e Castro, José de Seabra e Pina Manique. Além disso um proscrito do tempo de D. José, o duque de Lafões, voltou do estrangeiro com o espírito esclarecido, e entrou também no poder um homem, que, pela sua longa residência em Londres, adquirira o gosto pelos melhoramentos e pelo progresso intelectual, Luís Pinto de Sousa Coutinho. A estes principalmente e à influência benéfica do arcebispo de Tessalónica, e à hombridade do procurador da coroa Pereira Ramos, se deve o não ter Portugal recuado muito no caminho por onde o impelira o marquês de Pombal. A estes homens se devem as fundações, que honram o reinado de D. Maria I, fundações de estabelecimentos de ciência e instrução, como a Academia Real das Ciências, a Academia de Marinha, a Academia de Fortificação, a Casa  Pia, a Biblioteca Publica, etc. D. Maria I aplaudia a criação desses estabelecimentos, sobretudo quando envolviam também um fim caritativo, porque era muito bondosa, e preocupava-se principalmente com a moralização das mulheres, a ponto de chegar a proibir que elas representassem nos teatros, proibição que por algum tempo se manteve. O seu espírito religioso também a influía muito, e deixou ligado o seu nome à edificação da grande basílica do Coração de Jesus, de que, era muito devota, edifício levantado no sitio da Estrela, e que ela doou ás freiras carmelitas da reforma de Santa Teresa, que dele tomaram posse em 1790. Fundou a igreja da Memória, na Ajuda, no local onde se dera o célebre atentado dos Távoras contra seu pai no mês de setembro de 1755. 

No seu reinado promoveram-se também as viagens e as explorações científicas de Alexandre Rodrigues Ferreira no Brasil, de Manuel Galvão da Silva em Moçambique, de Frei João de Sousa a Argel, de Ferreira Gordo a Madrid, de José Bonifácio pela Europa. Também foi no tempo de D. Maria I que se iniciaram os trabalhos geodésicos. O ministro da marinha, Martinho de Melo e Castro, desenvolveu dum modo notável a nossa esquadra, que chegou a contar setenta e um navios, havendo entre eles doze naus, melhorou os serviços da. marinha, fundou a cordoaria, etc. Por isso a nossa marinha fez uma brilhante figura ao lado da esquadra espanhola, no bombardeamento de Tripoli. Enquanto viveu o arcebispo de Tessalónica, homem pouco ilustrado mas dum espírito recto e de um rude bom senso, não usava este confessor da sua influencia senão para acalmar os escrúpulos da consciência timorata da rainha e para lhe serenar as tempestades do coração perturbado. Mas o arcebispo morreu em 1788. A rainha D. Mariana Vitória, sua mãe, morrera em 1781, a qual sendo pouco afecta aos jesuítas contribuiria pela sua influência para atenuar as preocupações fanáticas da filha. Em 1783 seu filho D. José esteve à morte com um ataque de bexigas; em 1786 faleceu seu marido, que ela muito estimava. Quando D. Maria subiu ao trono, o príncipe D. Pedro tomou o título de rei, e a sua efígie figurava ao lado da soberana nas peças de ouro, dinheiro que raras vezes hoje aparece. A rainha nada fazia sem consultar seu marido e tio, mas D. Pedro, espírito ainda mais tímido e hesitante que o de sua mulher, em nada contribuía para sossegar e dirigir. O desgosto, que acabou de pungir dolorosamente o coração atribulado da rainha, foi a morte de seu filho, o príncipe D. José, herdeiro do trono, sucedida em 1788. Infelizmente o seu confessor, que sucedeu ao arcebispo de Tessalónica, foi o bispo do Algarve, D. José Maria de Melo, fanático e destituído de bom senso, que não fazia senão agravar o estado de espírito da rainha, mostrando-lhe o crime que cometia em não reabilitar os Távoras, em não chamar os jesuítas, etc. Já. em 1781 o ex-jesuíta Manuel da Rocha Cardoso, por alcunha o Cardeal, aparecera na frente da rainha com um par de pistolas na algibeira, como se quisesse vingar-se da pobre senhora, por ela não proteger eficazmente a ordem a que pertencia. 

Finalmente, em 1789 veio a revolução francesa; vieram os acontecimentos de 5 e 6 de outubro em Versalhes, a volta da família real para Paris, a sua fuga para Varennes, a emigração dos príncipes, etc. Estas notícias ainda mais perturbaram a pobre rainha, cujo espírito fraco vacilava havia já muito tempo ao sopro das tempestades levantadas no seu espírito pelos escrúpulos da sua consciência. O bispo do Algarve, conforme dissemos, foi quem mais contribuiu para a aterrar, procurando conseguir que ela condenasse de todo o procedimento do reinado anterior e restituísse aos Távoras as honras e os bens confiscados. Mas por outro lado, os escrúpulos da consciência, pelo receio de atrair sobre si própria as iras de Deus, indo atacar os actos e condenar a memória de seu pai, a impediam de satisfazer as pretensões dos Távoras. Esta luta que se travava no seu espírito já enfraquecido, e que as paixões políticas cada vez mais acirravam, produziu afinal um ataque de loucura, que a assaltou no dia 1 de fevereiro de 1792, quando saia do teatro de Salvaterra. Logo ali foi sangrada duas vezes, e no dia 3 de fevereiro veio para Lisboa, mas o seu estado era de tal forma grave que o governo escreveu logo para Londres, ordenando ao nosso ministro que ajustasse por todo o preço o celebre medico Dr. Willis, que fora quem tratara um outro doido coroado, Jorge III. O Dr. Willis ajustou-se por uma soma para esse tempo fabulosa, de 10.000 libras pagas por uma só vez, 1.000 libras mensais enquanto tratasse da rainha, mesa lauta, carruagem, viagem de ida e volta paga. O nosso ministro tudo aceitou, e no dia 8 de março de 1792 partiu de Falmouth para Lisboa, a bordo do paquete Hanover, o Dr. Francisco Willis. Chegando a Lisboa, teve alojamento no palácio das Necessidades, e com ele se cumpriram fielmente as condições do contrato, o que. não impediu, que partisse no dia 5 de agosto para Inglaterra, descontente porque, segundo parece, os escrúpulos cortesãos lhe não deixavam plena liberdade rio tratamento que desejava seguir, e principalmente o impediram de fazer com que a rainha fosse viajar a Inglaterra, expediente com que muito contava. Essa viagem não chegou a realizar-se, dizem uns que por oposição da corte, outros que pela repugnância da rainha em ir para bordo. 

Em 1807, apesar dessa repugnância, embarcou com toda a família real para o Brasil, por ocasião da entrada dos franceses em Portugal. A pobre louca foi quase à torça levada para bordo, e pelo caminho, no meio do povo, gritava de dentro da carruagem que a conduzia, que a queriam levar ao suplício, que a queriam roubar. A muito custo conseguiu-se levá-la para a galeota, que a transportou para bordo da nau Príncipe Real. Havia quinze anos que perdera a razão, tomando a regência do reino, seu filho, o príncipe D. João, a qual conservou até à morte da rainha, em 1816. A pobre enferma ainda viveu no Brasil nove anos, sempre sem sair daquele infeliz estado, até que sucumbiu. O seu cadáver veio para Lisboa, e foi sepultado num sumptuoso mausoléu na igreja da Estrela, que ela fundara. Na Biblioteca Nacional de Lisboa, logo à entrada, está a estátua de D. Maria I, em mármore de Carrara, feita pelos discípulos de Joaquim Machado de Castro, sob a direcção e modelo deste distinto professor.

 

 

 

Biografia e ficha genealógica de D. Maria I, rainha de Portugal
O Portal da História

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, pág
s.
817-819.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral