Nasceu em Tavira a 17 de junho de 1658, faleceu em Benfica a 9 de
maio de 1736. Seu pai tinha igual nome, e sua mãe chamava-se D. Jerónima
de Lacerda, ambos pessoas nobres e ligadas em parentesco às casas
mais distintas de Portugal e Espanha.
Depois dos primeiros estudos, em que logo manifestou elevada
inteligência, matriculou-se na universidade na faculdade de Cânones,
em que obteve o grau de doutor com muitos elogios dos professores e
dos condiscípulos, devido ao brilhante curso que fizera; passou à,
corte despachado em prémio com uma conducta do Cânones em
1686, e outra de Leis em 1687. Na universidade, antes da reforma do
marquês de Pombal, dava-se o nome de conducta a cadeira
pequena, que por voto dos lentes de cadeiras grandes se dava a algum
opositor. A intimidade da sua família com os fidalgos e funcionários
de maior valimento, depressa lhe abriu a carreira dos empregos,
encetando-a com o provimento da corregedoria da câmara do Porto,
tendo a distinção de poder usar de beca. Naquele tempo reputava-se
este cargo o morgado da magistratura, tanto pela residência em
cidade tão rica e populosa, como por existir ali a Casa do Cível
de que eram governadores hereditários os marqueses de Arronches,
a qual era composta de ministros conspícuos e experimentados, uns
pelo exercício do magistério nas cadeiras da Universidade, outros
pela prática das leis adquirida no desempenho das funções
senatoriais mais conceituadas. Diogo de Mendonça Corte Real logo se
tornou muito considerado e estimado pela sua rectidão como juiz e
pela afabilidade do seu carácter.
A notícia do zeloso serviço, da grande competência e
diplomacia do novo magistrado, chegou à corte, e D. Pedro II,
informado do que poderia esperar-se dum homem tão valioso como
Diogo de Mendonça Corte Real, expediu-lhe em janeiro de 1691 uma
ordem para deixar o emprego, embarcando sem demora para Holanda como
seu enviado extraordinário. Diogo de Mendonça Corte Real contava
então apenas trinta e três anos de idade. O despacho foi datado do
referido mês de janeiro de 1691, e a 3 de março seguiu para
Holanda, por mar, com uma viagem bastante tempestuosa, naufragando
nas costas da Inglaterra; Em 14 de abril tocou o navio num banco de
areia. o perigo era iminente, e a confusão geral a bordo, chegando
a desanimar o capitão e a tripulação. Só Diogo de Mendonça
Corte Real conservava o sangue frio, o que valeu de muito, porque
vendo o grande perigo em que estava o navio e a falta de ânimo do
capitão, tratou de incutir nos oficiais e nos marinheiros os
alentos indispensáveis para se não deixarem colher sem defesa na
ruína daí a pouco inevitável. À sua voz lançaram-se as lanchas
fora, cortaram-se os mastros, e alijou-se a carga ao mar. Tudo se
executou com rapidez e sem perigo, e metendo-se numa das lanchas
Corte Real com toda a sua família e o capitão, e na outra a gente
da tripulação, fizeram se na voltado mar, enquanto o navio se ia a
pique. Andaram toda a noite pairando, e ao amanhecer tocaram em
terra, vendo-se assim salvos, numa espaçosa praia cheia de ásperas
penedias. Passou depois a Londres, onde embarcou para Haia, corte
dos estados gerais da Holanda, dando ali a sua entrada pública
adequada ao carácter que representava, e à magnificência e
luzimento com que então era costume realçarem os ministros a
dignidade da missão.
O assunto da enviatura de Corte Real à Holanda eram as queixas
do nosso comércio e as ofensas da coroa, nascidas do atrevimento
com que os vassalos de Holanda, sem fé nem razão, ultrajavam a
bandeira portuguesa, aprazando navios, que ela cobria, e desprezando
a segurança duma paz de muitos anos, jurada e mantida entre as duas
potências. Diogo de Mendonça Corte Real tratou com toda a
diplomacia de demover todas as grandes dificuldades que se opunham
continuamente. Prolongaram-se as conferencias sobre o assunto,
mudando de aspecto a cada fase, até que finalmente, a 22 de maio de
1692, o hábil diplomata conseguiu o que tanto desejava, ajustando
todas as dissidências no tratado que se assinou na mesma data, e
concluindo-as com tanta honra para a coroa portuguesa, que os
estados gerais da Holanda se responsabilizaram pelo pagamento de
80.000 patacas, como indemnização das prezas, as quais de facto se
arrecadaram pelo rendimento do sal de Setúbal, consignado à república
em virtude do tratado de 31 de julho de 1669, e depois de cobradas
se repartiram na devida proporção pelos interessados, precedendo a
prévia avaliação das suas perdas. Não foi este o único serviço
prestado por Corte Real nesta embaixada. Aproveitado o ensejo,
ocupou-se de resolver outro negócio, ainda pendente, que tinha sido
o escolho de anteriores negociações. Na guerra da América movida
contra as possessões portuguesas pela ambição da Holanda, o amor
ardente da independência e o esforço heróico dos habitantes
acabaram por desoprimir a capitania de Pernambuco do jugo e domínio
dos capitães e comissários dos estados, encerrando-se a luta de
longos anos pela entrega do Recife, ou cidade Maurícia, última e
fundada esperança dos conquistadores, debaixo de condições que
foram ratificadas, mas que por motivos diferentes a nossa corte não
tinha cumprido ainda inteiramente. Versava o litígio sobre a cláusula,
que nos obrigava a restituir a fazenda a alguns holandeses, em
virtude da promessa feita sobre as armas. No momento em que a república
de Holanda nos compensava o dano das prezas marítimas, pagando
30.000 patacas, não se podia deixar de reconhecer o direito que lhe
assistia para exigir de Portugal idêntico procedimento para com os
súbditos, a que dera a sua garantia. Corte Real aceitou logo todas
estas consequências, aplicando-se na discussão e nos apertados
exames que estabeleceu, a diminuir e a atenuar até dum modo
considerável a extensão e importância das indemnizações. Assim
o obteve. Ponderadas as razões e em presença dum rigoroso inquérito
lavrou se o tratado de transacção de 27 de novembro de 1693,
seguido da convenção de 28 do mesmo mês, pela qual nos obrigávamos
a pagar a cada um dos herdeiros de V. Douker e de G. Wit a quantia
de 11.000 cruzados, cedendo eles daí em diante de todas e quaisquer
alegações de compensação. Em 19 de fevereiro de 1694 ratificaram
os estados gerais da Holanda solenemente os dois tratados.
O êxito da sua missão a Haia exaltou o merecimento do ministro
no conceito do soberano, e determinando mandar um enviado extraordinário
à corte de Espanha, o nomeou pelos fins do atino de 1693, e em maio
seguinte estava em Madrid, onde fez a sua entrada solene e
brilhante. Conservou-se naquela corte até 1703, regressando então
a Portugal, por se ter declarado a guerra da sucessão de Espanha,
por morte do rei Carlos II. O embaixador espanhol em Portugal também
se retirou para a sua nação. A 2 de abril de 1701 foi nomeado
secretário das mercês e do expediente de el-rei, passando-se a
respectiva carta em Março seguinte. Neste meio tempo, a 9 de março
de 1701, apontou à barra de Lisboa o arquiduque Carlos com uma
armada de 200 velas, e D. Pedro II saiu da corte a 28 de maio
marchando para a província da Beira, por onde o plano anteriormente
concertado riscava que devia intentar a conquista. Corte Real
acompanhou o monarca servindo-lhe de secretário de Estado. A
enfermidade de D. Pedro II apressou a sua volta para Lisboa, onde
chegou a 17 de novembro do referido ano, confiando a Diogo de Mendonça
Corte Real, além das funções próprias do exercício do seu lugar
de secretário das mercês, a administração de todas as repartições
e municionamentos da guerra, as quais o ministro dirigiu até à
conclusão e firmeza do paz em Utrecht a 6 do mês de fevereiro de
1715, muito depois da morte do rei, a qual, sucedeu em 1 de dezembro
de 1706.
Subindo ao trono, D. João V logo em abril de 1707 nomeou Diogo
de Mendonça Corte Real seu secretário de Estado, mandando-lhe
passar a respectiva carta em 27 do mesmo mês. O distinto diplomata
conservou-se no ministério até falecer, prestando sempre
importantes serviços, principalmente nas difíceis negociações do
tratado de Utrecht, acima já citado, em que Portugal corria sério
risco de ser sacrificado. Eram negociadores no congresso D. Luís da
Cunha e o conde de Tarouca, bons diplomatas, e de Lisboa os dirigia
e lhes enviava instruções Diogo de Mendonça Corte Real, cuja
habilidade era conhecida pelos próprios ministros estrangeiros, e
cujas combinações por mais duma vez o astuto ministro malogrou. O
abade Vigency dizia que Diogo de Mendonça Corte Real era homem
douto e versado em negócios, falando com facilidade diversas línguas,
muito entendido em assuntos políticos, e em extremo cortês e afável
em maneiras. Ajunta que o acusavam de pouco seguro de palavras, e de
muito vagaroso em tudo, por isso que perdia o tempo em
divertimentos. Diz que D. João V o estimava e se acostumara com
ele, e que o confessor e Mendo de Fóios tinham sido autores da sua
elevação. "A carreira de Diogo de Mendonça Corte Real foi
longa, pacífica e ditosa, diz Rebelo da Silva, no extenso artigo
biográfico publicado no vol. XII, do Panorama, a pág. 331 e
seguintes. Honrado com a amizade de dois monarcas deveu à paixão
de D. Pedro II pela poesia os rápidos aumentos com que se elevou,
assim como se pode atribuir ao ciúme das prerrogativas reais e à
sua aptidão e firmeza diplomática o favor insigne com que D. João
V o distinguiu". As obrigações do ministério que servia
Corte Real abrangiam então a secretaria de estado com todas as
correspondências e trabalhos diplomáticos, a secretaria das mercês,
do expediente e da assinatura, acrescentando ainda os negócios da
mordomia-mor, e o despacho dos cargos de monteiro-mor e provedor das
obras do paço, com outros empregos menores, que também expedia ao
mesmo tempo. Foi ele o encarregado dos contratos de casamento entre
o príncipe do Brasil D. José, e a infanta de Espanha D. Mariana
Vitória, e entre o príncipe das Astúrias e a infanta D. Maria
Barbara, correndo com as instruções e assistindo às conferencias
em Lisboa, empregando sempre a maior diligencia e habilidade, o que
atesta que o seu zelo, quando o pedia o momento, era capaz de
multiplicar-lhe os recursos, suportando sem quebra as vigílias e
fadigas. "A elevação a que subiu nunca o deslumbrou, diz
Rebelo da Silva: a paciência risonha e benignidade de trato
tornavam-no benquisto, até dos mesmos requerentes que as suas
desculpas e delongas traziam mais arrastados. Ouvia-os com ânimo
sereno, e respondia-lhes com imperturbável agrado, embora a ira os
tivesse feito desmedir. Muitas vezes a um tropel de palavras ásperas
e imprudentes replicava só com um dito chistoso, que, proferido a
tempo, emendava o erro alheio, e aplacava as iras entre risadas. A
sua probidade foi apontada como irrepreensível até pelos émulos e
contrários. Corte Real morreu quase repentinamente.
Achava-se na sua quinta de Benfica, e passeando sobre a
madrugada, assaltado por uma tão aguda e penetrante dor, a que
dentro de poucas horas sucumbiu. O seu cadáver foi depositado na
igreja de Nossa Senhora do Amparo, onde se lho tributaram as honras
fúnebres. O retrato, que lho tirou o pintor flamengo Francisco
Harwin, reputava-se o mais parecido e perfeito; diz-se que existiu
muito tempo na sala das conferências particulares da Academia Real
de História Portuguesa, instituída por D. João V em 8 de dezembro
de 1720. O distinto diplomata foi um dos cinquenta académicos com
que ela se constituiu.
Mendonça Corte Real casou em outubro de 1718 com D. Teresa de
Bourbon, que era viúva de Álvaro da Silveira e Albuquerque,
coronel do Regimento de Cascais e governador da província do Rio de
Janeiro. A sua primeira filha, D. Joaquina de Bourbon, foi baptizada
pelo próprio cardeal patriarca D. Tomás de Almeida, e o seu
primeiro filho, João Pedro de Mendonça Corte Real, teve por
padrinho D. João V. O faustoso monarca concedeu muitas honras ao
afilhado e a seu pai