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Miguel (D.).
n. 26
de outubro de 1802.
f. 14
de novembro de 1866.
Infante regente
de Portugal, reconhecido como rei por uma grande parte da nação, e
que reinou efectivamente no continente e colónias, excepto na ilha
Terceira, onde nunca a sua realeza foi reconhecida. Era terceiro
filho do rei D. João VI e da rainha D. Carlota Joaquina. Nasceu no
paço de Queluz em 26 de outubro de 1802, foi baptizado a 14 de novembro
seguinte, e faleceu exilado em Brombach, Alemanha, a 14 de novembro
de 1866. O seu nome completo era D. Miguel Maria
do Patrocínio João Carlos Francisco de Assis Xavier de Paula Pedro
de Alcântara António Gabriel Rafael Gonzaga Evaristo de Bragança
e Bourbon. Foi grão-prior do Crato, da Ordem de S. João de Jerusalém,
priorado de Portugal; claveiro das ordens militares de Nosso Senhor
Jesus Cristo, S. Tiago da Espada, de S. Bento de Avis e da Torre e
Espada; grã-cruz da Ordem de N. Sr.ª da Conceição de Vila Viçosa;
cavaleiro do Tosão de Ouro; grã-cruz da Ordem de Santo Estêvão,
da Hungria; do Cruzeiro do Sul, do Brasil; de S. Fernando e Mérito,
e de Carlos III, de Espanha; do Espírito Santo, de S. Luís, e de
S. Miguel, de França de Santo André, da Rússia, etc.
Em 1807
acompanhou a família real para o Brasil; donde regressou em 1821
com seu pai e. sua mãe, ficando seu irmão D. Pedro (V. Pedro IV)
a governar o Brasil. Com a independência deste império, em 1820,
empunhando D. Pedro o ceptro brasileiro, foi D. Miguel considerado
pelos seus afeiçoados como o legitimo herdeiro da coroa de
Portugal, pois D. Pedro ficara sendo um monarca estrangeiro. Esta
distinção, que mais tarde se acentuou, deu aos seus partidários o
nome de legitimistas, por que ainda hoje é conhecido o actual
partido de D. Miguel II. D. Miguel foi obrigado a praticar, sem dúvida,
erros graves na sua vida. O seu reinado teve um governo cruel e tirânico
a manchá-lo mas seria injustiça atribuir-lhe toda a
responsabilidade directa nas atrocidades que em seu nome se
praticaram, e não atender a alguns factos que o ilustram, como a
instituição de um prémio de cirurgia, a conservação dos antigos
monumentos de Goa, etc. É também certo que foi extremamente
popular, que inspirou as maiores dedicações, que tinha qualidades
simpáticas. Se pelos liberais o nome de D. Miguel foi execrado,
pelos legitimistas foi e será sempre pronunciado com veneração.
D. Miguel tinha
vinte anos quando entrou na célebre conjuração tramada contra as
instituições liberais fundadas pela revolução de 1820. Foi ele
quem se colocou, como moço decidido que era, à frente da
contra-revolução de 1823, conhecida pela Vilafrancada (V. este
nome). Em 27 de maio de 1823 rebentou a contra-revolução em
Lisboa. Ao romper da manhã o infante D. Miguel saiu da cidade,
foi-se-lhe unir o regimento 23 de infantaria, comandado pelo
brigadeiro Ferreira Sampaio (depois visconde de Santa Mónica) e
aclamou-se em Vila Franca o absolutismo. O infante e a rainha
queriam ir mais adiante e alcançar a abdicação do rei, que, fiel
ao seu juramento, queria manter a Constituição, apesar das inúmeras
adesões que a causa do absolutismo continuava a receber em Vila
Franca. A revolta, porém, do regimento 18, que, reunido com magotes
de povo, foi à Bemposta aclamar o rei absoluto, decidiu D. João VI
a tomar a direcção do movimento absolutista, e, partindo para Vila
Franca, voltou daí em triunfo. (V. João
VI, no vol. III, pág. 1054). Desta contra-revolução fora
D. Miguel o agente resoluto e sua mãe a inspiradora, mas a causa
determinante fora a pressão moral da Santa Aliança, que enviara um
exercito francês a destruir a Constituição em Espanha, e que o
mandaria destruí-la também em Portugal, se necessário fosse. O
infante D. Miguel foi nomeado comandante em chefe do exército, e
continuou a mostrar se completamente sujeito ás maquinações
maternas. A rainha não podia tolerar que seu marido tratasse com
benevolência os liberais, tivesse prometido uma constituição e
conservasse no poder ministros como Palmela e Pamplona, que pareciam
dispostos a cumprir essa promessa. Reinava na corte uma surda agitação.
O partido da rainha mostrava-se cada vez mais hostil ao. soberano. A
morte misteriosa do marquês de Loulé (V. este titulo, no
presente vol., a pág. 522) em Salvaterra a 28 de fevereiro
de 1824 é considerada como um sintoma do estado dos espíritos,
pois que ninguém estranhou que recaíssem sobre um príncipe da,
Casa Real as infamantes suspeitas de ter sido o mandatário desse
crime. Dois meses depois, em 30 de abril de 1824, dava-se o
movimento conhecido pela Abrilada (V. este nome, no
vol. 1, pág. 35). D. Miguel, com a sua posição de comandante em
chefe do exercito, reuniu as tropas e mandou prender os ministros e
outras personagens importantes, conservando o rei incomunicável no
paço da Bemposta, e fazendo constar ao povo que se descobrira uma
conspiração, que os maçons pretendiam assassinar el-rei seu pai,
e ele se propunha a defende-lo e a salvar-lhe a vida. O corpo diplomático
estrangeiro, reconhecendo que o soberano estava preso por seu filho,
foi ao paço da Bemposta e aconselhou D. João VI a que se
recolhesse a bordo da nau inglesa Windsor-Castle, o que o
soberano fez em 9 de maio, sob o pretexto de um passeio a Caxias. De
bordo mandou chamar a D. Miguel, enviando-o dali para Viena de Áustria,
depois de o ter demitido do seu posto de comandante em chefe do exército.
Encerra-se assim
a primeira fase da vida do infante. Em Viena de Áustria conviveu D.
Miguel com o príncipe de Metternich e com o rei de Roma,
demorando-se nessa corte uns 4 anos. Entretanto, em 10 de março de
1826, morria D. João VI, a quem sucedeu D. Pedro, que abdicou em
sua filha, dando-a por noiva ao infante D. Miguel, ao mesmo tempo
que outorgava ao país uma Carta Constitucional. D. Miguel aceitou a
proposta que seu irmão lhe fazia, jurou a Carta, e, como a jovem
rainha era ainda apenas uma criança de nove anos, esperou se que
chegasse a época da maioridade de D. Maria II, ficando a governar
Portugal como regente e por nomeação de D. João VI, a infanta D.
Isabel Maria, sua tia. Esta regência foi extremamente agitada;
reinava a discórdia no governo, as câmaras não se entendiam uma
com a outra, havia dissidências graves entre os ministros, e a
demissão do general Saldanha foi causa de um motim em Lisboa. A
infanta-regente estava perigosamente enferma e D. Pedro IV, receando
algum sucesso fatal, resolveu confiar a lugar-tenência do reino a
seu irmão D. Miguel, que logo partiu de Viena de Áustria para
Lisboa, afim de governar desde logo, como regente em nome de seu irmão.
Tem a data de 3 de julho de 1827 o decreto que o nomeou para esse
cargo. Na sua viagem de regresso a Portugal chegou D. Miguel a
Inglaterra em 30 de dezembro de 1827, desembarcando em Greenwich
pela uma hora e meia da tarde. No cais era esperado pelo duque de
Clarence, almirante em chefe da marinha inglesa, por outras altas
personagens da corte e por grande número de populares que se
achavam espalhados pelo cais. Depois de almoçar na casa do
governador do hospital, seguiu para Londres com a sua comitiva, em
carruagens de gala, escoltadas por uma guarda de cavalaria. Quando
chegou à porta de Westminster, era tal o concurso de povo que as
carruagens tiveram de parar alguns momentos. Em Londres hospedou se
no palácio do lorde Dudley, na rua Arlington, e ali recebeu novas
provas de consideração. Foi cumprimentado pelo primeiro camarista
do rei Jorge IV, em nome deste soberano, pelos ministros do
gabinete, pelos embaixadores estrangeiros, etc. No dia 31 foi a
Windsor visitar o rei, que nesse mesmo dia lhe ofereceu um magnifico
banquete. Houve em sua honra vários festejos, concertos, caçadas
aos faisões e visitas a edifícios públicos, bem como ás obras do
túnel do Tamisa, que estava em construção, o qual desabou alguns
minutos depois
da retirada do infante. Foi considerado este acontecimento como um
milagre. Teve pois D. Miguel esplêndida recepção em Inglaterra,
tanto da parte do monarca e da nobreza, como da parte do povo, que o
aclamava na sua passagem. A colónia portuguesa, residente em
Londres, foi admitida à presença de D. Miguel, como desejava, em
Butland-House, e ofereceu-lhe uma medalha comemorativa da sua
passagem por Londres. Pelo discurso pronunciado nesta ocasião se vê
o estado dos espíritos naquele momento. D. Miguel era uma esperança,
e por isso bem-vindo.
No dia 13 de janeiro o infante deixou Londres, e depois de passar
alguns dias em Strathfield, na casa de campo do duque de Wellington,
seguiu para Plymouth, a fim de embarcar para Lisboa. Em virtude do
mau tempo só em 9 de fevereiro conseguiu embarcar a bordo da
fragata portuguesa Pérola, que veio acompanhada por alguns navios
ingleses. Com bastante antecedência, por decreto de 13 de outubro
de 1827, tinha sido ordenado que o dia da chegada de D. Miguel, bem
como os dois seguintes, fossem de grande gala. Em 22 de janeiro de
1828, visto essa ocasião estar próxima, a Gazeta de Lisboa
publicava um aviso do Ministério da Justiça em que permitia
quaisquer demonstrações de júbilo que não fossem proibidas por
lei. D. Miguel chegou ao Tejo, a 22 de fevereiro. Por este motivo
houve grandes demonstrações de regozijo. Pelas duas horas da tarde
começaram a ouvir-se as salvas das fortalezas e dos navios de
guerra, e por entre esse ruído festivo navegava a Pérola
serenamente pelo Tejo acima. O rio estava coalhado de barcos e os
navios embandeirados em arco. Esperava-se que o infante
desembarcasse em Lisboa, no Terreiro do Paço, onde havia uma
barraca para o receber, mas D. Miguel quis desembarcar em Belém. As
infantas foram a bordo buscar o irmão, que desembarcou pelas quatro
horas da tarde. O entusiasmo do povo chegou então ao delírio. De
todos os lados vinha concorrendo gente que o aclamava, dando vivas e
fazendo estalar milhares de girândolas de foguetes. Os sinos das
torres repicavam sem cessar, e pelas ruas iam musicas que tocavam
hinos alegres. A marcha até ao palácio da Ajuda foi
verdadeiramente triunfal. Todas as janelas estavam adornadas com
colchas de seda, e as senhoras arremessavam flores. Em volta dos
coches, que subiam vagarosamente, por causa da inclinação da calçada.,
uma multidão enorme saudava com os gritos Viva o Senhor D. Miguel I
nosso rei absoluto!, e morras a D. Pedro e à Constituição.
Chegando o infante ao paço, concorreram a dar-lhe as boas vindas o
senado da câmara, os pares os deputados, grandes do reino,
autoridades civis e militares, bem como o general Clinton,
comandante das tropas inglesas, que se apresentou com todo o seu
estado-maior. À noite houve iluminação geral, continuando as
demonstrações de regozijo. Os festejos continuaram durante alguns
dias, havendo Te-Deum, recepção, iluminarias e foguetes. Em
26 de fevereiro, pela uma hora da tarde, foi entregue o governo do
país a D. Miguel, na sua qualidade de regente. Esta cerimónia
realizou-se na sala das sessões do palácio da Ajuda, e a ela
assistiram as duas câmaras, toda a corte, bem como o corpo diplomático.
Em lugar reservado estavam D. Miguel e sua irmã D. Isabel Maria, a
qual depois de proferir um discurso se retirou para junto da infanta
sua irmã, D. Maria da Assunção; e o infante, já de posse do
governo, prestou juramento, na forma da Carta. No mesmo dia nomeou
D. Miguel os seus ministros: Duque de Cadaval, José António de
Oliveira Leite de Barros, depois conde de Basto, Furtado do Rio de
Mendonça, conde de Vila Real e conde da Lousã. Em 1 de março o
povo voltou junto do palácio a aclamar D. Miguel rei absoluto,
maltratando os homens conhecidos pelos seus sentimentos liberais.
Em 13 de março D. Miguel dissolveu as cortes sem ordenar no
mesmo decreto, como exigia a Carta, que se procedesse a novas eleições.
As câmaras municipais, a nobreza e o clero, e muitas personagens
importantes pediam ao regente que cingisse a coroa e revogasse a
Carta. Da Universidade dirigia-se a Lisboa uma deputação de lentes
a convidar D. Miguel a proclamar-se rei, quando alguns estudantes de
Coimbra os assassinaram, em 18 de março. A 25 de abril o senado de
Lisboa proclamou rei D. Miguel, e na representação a D. Miguel
para que assumisse a Real Dignidade assinavam-se os seguintes
titulares: Duque: Lafões; marqueses: Louriçal, Borba, Tancos, Olhão,
Sabugosa, Lavradio, (D. António), Penalva, Torres Novas, Belas,
Valadas, Pombal, Vagos, Viana, e Alvito, condes: S. Lourenço,
Figueira, Castro Marim, Barbacena, Murça, Cintra, Parati,
Valadares, Peniche, Alhandra, Ega, Rio Maior, S. Miguel, Belmonte
(D. Vasco), Belmonte (D. José), Almada, Soure, Redondo, S. Vicente,
Viana, Atalaia, Seia, Porto Santo, Carvalhais, Mesquitela, Póvoa,
Povolide, Anadia, Redinha, Pombeiro, Arcos (D. Marcos), Subserra,
Lousã (D. Luís), Resende, Ponte, Galveias, barão do Alvito, e
Lapa; viscondes: Baía, Sousel, Torre Bela, Asseca, Magé, Vila Nova
da Rainha, Estremoz, Juromenha, Souto d'EI-Rei, Azurara, Manique,
Beire, e Veiros; barões: Sobral (Gerardo), Vila da Praia, Beduido,
Sande, Portela, Queluz, Tavarede, e Quintela; principais: Menezes,
Lencastre, Corte Real, Furtado, Silva, e Freire; Dom-priores: Guimarães
e Avis. A esta representação respondeu D. Miguel que nada faria
sem o assentimento das cortes da nação, e passou a convocar os
antigos Três Estados.
Protestaram os ministros estrangeiros contra este acto;
revoltou-se a guarnição do Porto, que chegou a formar uma junta
provisória de governo, marchando sobre Coimbra, onde entrou; mas o
general que a comandava mostrou-se indeciso, e entretanto o governo
de D. Miguel congregava tropas, criava batalhões de voluntários e
bloqueava o Porto. Em Lagos revoltou-se também um batalhão, mas a
revolta foi sufocada. O general liberal Saraiva foi batido pelo
general miguelista Póvoas. Por esta ocasião Saldanha e Palmela,
que tinham vindo de Inglaterra a bordo do vapor Belfast para dirigir
a reacção constitucional, tornaram a embarcar, julgando perdida a
causa; e o exército liberal emigrou para a Galiza em deploráveis
condições.
Entretanto reuniam-se Três Estados, no dia 23 de junho de 1828,
sendo orador José Acúrcio das Neves, que propôs que se levantasse
D. Miguel como rei, o que se aprovou, fazendo-se um assento das
deliberações que os três braços tinham tomado separadamente,
reunindo o clero na igreja de Santo António da Sé, a nobreza em S.
Roque e o povo em S. Francisco da cidade. No dia 7 de julho
aclamou-se D. Miguel rei absoluto, e no dia 15 encerraram se as
cortes. Todo o Portugal reconheceu a realeza e soberania de D.
Miguel, menos as ilhas da Madeira e da Terceira. A da Madeira foi
logo subjugada, mas a Terceira manteve-se a favor do regime liberal.
D. Miguel, como os seus antecessores, aumentou com rendimentos
importantes o património do Hospital de S. José.
Um facto que ilustra bem o seu reinado, e desmente os juízos que
sobre a elevação do seu espírito têm feito os historiadores, é
o seguinte: D. Miguel comprou do seu bolso em Viena de Áustria uma
preciosa caixa de instrumentos cirúrgicos destinados a todas as
operações oculares, para servir de primeiro prémio dado pela real
escola de cirurgia de Lisboa, junto aquele hospital. Este real prémio
foi concedido em sessão solene de 5 de novembro de 1828 ao
estudante do quinto ano João Tavares de Macedo.
D. Miguel não alterou nem o feitio nem o toque da moeda de ouro.
Com a sua efígie se cunharam as seguintes moedas: De ouro, peça e
meia-peça; de prata, cristão-novo, doze-vinténs, seis-vinténs,
três-vinténs, tostão e meio-tostão; de cobre, dez-réis e
cinco-réis; e de bronze, quarenta-réis, vulgarmente denominada
pataco. (V. estes nomes). Ao papel-moeda (V. Apólice)
de D. Pedro IV revalidou-o com o seu nome, por meio de uma
sobrecarga (avisos de 7 e 20 de agosto de 1828). Em 9 de novembro de
1823, indo D. Miguel de Queluz para Caxias, partiu uma rema, por se
ter voltado a carruagem, em que ia, puxada a duas mulas malhadas,
circunstância donde proveio a denominação de malhados dada aos
liberais pelos absolutistas. A 23 de dezembro levantava se o rei já
curado, mas durante os dois meses da doença fizeram-se numerosas
preces pela sua cura, terminando com um solene Te-Deum na sé,
a 29 de janeiro de 1829, a que concorreu enorme assistência, bem
como ao de 22 de fevereiro, dia do aniversário da chegada de D.
Miguel. O governo de D. Miguel prosseguia com o odioso sistema das
perseguições, que tornou tão tristemente célebre o seu reinado.
Havia uma alçada no Porto e outra na Madeira, e grande número de
presos jaziam nas cadeias.
O excessivo zelo partidário tornou-se funesto ao regime. Em
virtude da insurreição liberal da brigada de marinha, foram
enforcados no Cais do Sodré no dia 6 de março de 1829 o brigadeiro
Moreira e outros oficiais e paisanos No dia 7 de maio do mesmo ano
foram também enforcados o desembargador Gravito e outros implicados
na revolta da guarnição portuense contra o golpe de estado de D.
Miguel. Algumas vezes o povo exaltado contribuiu também para estes
horrores, como se fez em Vila Franca, assassinando setenta presos.
Este sistema odioso era desaprovado por alguns ministros de D.
Miguel, mas o conde de Basto só seguia o partido do terror. Para o
Alfeite foi exilado um médico e íntimo amigo do rei, o visconde de
Queluz, por censurar a politica sanguinária. Aos partidários da
rainha D. Carlota Joaquina se atribuem mais os conselhos das
perseguições. Contudo, a rainha faleceu em 7 de abril de 1830 e
apesar disso as atrocidades praticadas em nome de D. Miguel
continuaram, não se respeitando, por simples prudência sequer, os
súbditos estrangeiros. Nem Inglaterra nem França reconheceram D.
Miguel como rei de Portugal, sendo só reconhecido por Espanha, Roma
e Estados Unidos da América. Pelas barbaridades que praticou, nas
prisões a seu cargo, um nome se tornou execrando, o de Teles Jordão,
que mais tarde sucumbiu à furiosa reivindica dos liberais, no
combate de Cacilhas (V. este nome, no vol. II, pág. 585). A imprudência
com que o governo miguelista molestava os súbditos ingleses e
franceses provocou as reclamações das duas nações. O almirante
Roussin, por ordem do governo de Luís Filipe, que não obtivera,
como a Inglaterra, as satisfações que exigiu, forçou a barra do
Tejo e aprisionou oito navios, e impôs ao governo de D. Miguel o
tratado de 14 de julho de 1831. As alçadas, porém, continuaram
funcionado permanentemente, executando as suas sentenças dentro de
24 horas, e os excessos populares eram de toda a ordem. Por causa do
pronunciamento de infantaria 4, em Lisboa, na noite de 22 para 23 de
agosto de 1831, foram executados vinte e nove indivíduos.
Entretanto na ilha Terceira continuava o regime liberal.
Saldanha, saindo de Londres não conseguira desembarcar na ilha, por
causa da hostilidade do cruzeiro inglês, mas Vila Flor fora mais
feliz, entrou na ilha e derrotou no dia 11 de agosto de 1829 as forças
de D. Miguel, que tinham procurado toma-la, e em 1831 apoderou-se de
muitas das ilhas dos Açores. D. Pedro, depois de abdicar a coroa do
Brasil, viera pôr-se à frente do exército liberal e conduzira-o
dos Açores a Portugal, desembarcando perto do Mindelo (V. este
nome) e entrando depois no Porto. O exército de D. Miguel, que era
formidável, composto de boas tropas de linha, de voluntários
dedicadíssimos, e de milícias cheias de entusiasmo, veio então
por cerco à cidade. Travou-se a luta, acesa e renhida, cm torno da
cidade, e junto da qual se praticaram heroicidades de parte a parte.
Prolongando-se a resistência do Porto, resolveu D. Miguel, em abril
de 1833, ir em pessoa ao cerco. Quando se dispunha a regressar a
Lisboa, soube com surpresa que a capital caíra nas mãos do duque
da Terceira, que, saindo do Porto na esquadra de Napier,
desembarcara no Algarve, atravessara o Alentejo, batera na Outra
Banda o general miguelista Teles Jordão, e entrara em Lisboa no dia
24 de julho, enquanto Napier, depois de aprisionar a esquadra de D.
Miguel no Cabo de S. Vicente, vinha também forçar a entrada da
barra do Tejo. D. Miguel tinha então ao seu serviço o célebre
general francês Bourmont, que depois da queda de Carlos X e do
malogro da projectada insurreição vendeana, viera com muitos
oficiais legitimistas pôr a sua espada ao serviço do rei de
Portugal. Substituído pelo general escocês Mac Donell, retirou
este com o exército para as alturas de Santarém, onde D. Miguel
estabeleceu o seu quartel-general. A luta prosseguiu com energia. Em
Alcácer ainda o exército miguelista alcançou algumas vantagens,
que Saldanha lhe fez perder em Pernes e Almoster (V. estes nomes),
sendo esta última acção, efectuada em 18 de fevereiro de 1834, a
mais sanguinolenta batalha de toda a guerra civil. Um erro da política
do governo de D. Miguel acabou de o perder: acolhendo favoravelmente
em Portugal a D. Carlos, de Espanha, alienou as simpatias de
Fernando Vil, que reconheceu D. Maria, e concluiu com o governo da
rainha, com o de França e com o de Inglaterra, o tratado da quádrupla
aliança. O general espanhol Rodil entrou em Portugal em perseguição
de D. Carlos e do pequeno corpo que ele organizara aqui. Ao mesmo
tempo o duque da Terceira, ganhando em 16 de maio de 1834 a batalha
da Asseiceira (V. este nome), agravou bastante a causa de D. Miguel,
que saiu de Santarém e se dirigiu a Elvas.
Os liberais envolveram em Évora o exército inimigo, que teve de
depor as armas, assinando-se no dia 26 de maio daquele ano a convenção
de Évora-Monte. No dia imediato D. Pedro promulgou uma amnistia.
Nos termos dela D. Miguel saiu do reino, sendo-lhe fixada uma pensão
anual de sessenta contos de réis, atenta a sua elevada categoria, não
obstante o decreto de 18 de março de 1834 o haver privado das
honras que lhe competiam como infante. D. Miguel embarcou em Sines
no dia 1 de junho de 1834 a bordo do vapor inglês Stag, que o
transportou a Génova. A reacção contra o regime absoluto foi então
terrível, cometendo-se os mesmos horrorosos excessos. Chegando a Génova,
D. Miguel redigiu no dia 20 de junho de 1831 um protesto contra a
renuncia que fora obrigado a fazer dos seus direitos à coroa de
Portugal, e com o pretexto desse protesto o governo liberal
imediatamente lhe cortou a pensão que lhe arbitrara. Então os
principais membros do partido legitimista quotizaram-se para dar ao
seu monarca exilado uma pensão com que pudesse viver decentemente
no estrangeiro. D. Miguel saiu de Portugal insultado, injuriado,
apupado, ele que fora quase um ídolo!. Saía do reino vencido, mas
pobre e honrado, tendo previamente restituído tudo quanto possuía.
As jóias e os empréstimos de D. Miguel são muito aludidos
ainda hoje. Quanto ás primeiras estão ainda em depósito, e quanto
aos segundos diz um manuscrito existente na Biblioteca Nacional
(Fundo Antigo n.º 600): «Empréstimos existentes no reinado de
D. Miguel: O empréstimo de réis 1.010:500$000 que eram o resto
do grande empréstimo que se tinha mandado proceder pela lei de 31
de março de 1827. Em 6 de março de 1823 D. Miguel, ainda infante
Regente, mandou concluir este empréstimo e admitir nele títulos
das classes não activas, Monte pio, etc. e a outra parte em
dinheiro na forma da Lei. É de notar que metade deste empréstimo,
pelo menos é divida toda anterior ao tempo da entrada do infante em
Portugal, e muito anterior. houve outro empréstimo de consolidação
das Letras do Comissariado que se chegou a emitir na quantia de
234:699$000 réis e era de títulos que se tinham passado no
Comissariado desde 1828 a 1830, mandado consolidar pelo Decreto de 9
de julho de 1830. Outro empréstimo foi o de 2:000:000$000 réis,
que se chegou a emitir até à quantia de 1.904:000$000 réis e (em
1839) existe na soma de 1:805:000$000 reis e foi decretado e
sucessivamente prorrogado pelos decretos de 13 de novembro de 1830,
15 de janeiro e 27 de agosto de 1831 e 28 de outubro de 1832, e
finalmente houve o empréstimo de 100:000$000 réis do conde da Póvoa
admitido por decreto de 25 de outubro de 1832». D. Miguel partiu de
Génova para Roma e no dia 1 de janeiro de 1835 redigiu um novo
protesto contra a renúncia dos seus direitos, e a 14 de maio do
mesmo ano ainda outro contra a venda dos bens eclesiásticos. Em 20
de novembro estava em Albano, onde redigiu ainda um último
protesto.
Em 1851 estava em Londres, onde assistiu à exposição
universal, e partindo para a Alemanha, aí casou a 25 de setembro do
mesmo ano com a princesa D. Adelaide Sofia Amélia Luísa Joana
Leopoldina de Loewenstein Wertheim Rochefort Rosenberg, de quem teve
sete filhos. No dia 18 de junho de 1852, D. Miguel, tendo sua mulher
grávida pela primeira vez, redigiu em Laugenselbold um novo
protesto para salvaguardar os direitos de seus filhos, assinando
como testemunhas o seu grande amigo visconde de Queluz, José da
Silva Tavares, e Augusto António da Matta e Silva. Depois foi D.
Miguel residir para Brombach, onde viveu, rodeado de recordações
de Portugal, e visitado amiúde por portugueses, mas sem tomar parte
directamente nas tentativas que os seus partidários fizeram,
principalmente em 1847, para hastearem de novo a sua bandeira.
Casando com a princesa D. Adelaide, modelo das mais acrisoladas
virtudes, D. Miguel sossegou na paz do seu lar, todo entregue à sua
nova família, amando a esposa e educando os filhos na sagrada
religião do dever e da honra. Nesse exílio falava no seu Portugal
adorado, que ele nunca mais veria. A sua vida no desterro foi
verdadeiramente exemplar.
São seus filhos: D. Miguel de Bragança, a quem os legitimistas
chamam D. Miguel II, nascido em Heubach a 19 de setembro de 1853,
coronel austríaco; D. Maria das Neves, mulher de D. Afonso de
Bourbon; a arquiduquesa Maria Teresa de Áustria, (viúva do
arquiduque Carlos Luís, herdeiro da coroa); a duquesa de Baviera
Maria Josefa; a condessa viúva de Bardi, D. Aldegundes; a grã-duquesa
herdeira do Luxemburgo, D. Maria Ana; e a duquesa de Parma, D. Maria
Antónia. O sr. D. Miguel de Bragança foi casado em primeiras núpcias
com a princesa Isabel de Thurn e Taxis e em segundas com a princesa
Teresa de Lowestein Wertheim Rosenberg, sua prima. Tem nove filhos,
quatro do primeiro, cinco do segundo casamento. O primogénito é o
sr. D. Miguel Maximiliano, nascido em Reichenau a 22 de setembro de
1878.
Bibliografia:
É vastíssima a colecção de publicações que se poderiam
indicar sobre D. Miguel, a sua realeza e a sua biografia, (V. Legitimista).
Vejam-se: História de Portugal. por Pinheiro Chagas,
continuada por Barbosa Colen; História das lutas civis, por
Soriano; Portugal contemporâneo, por Oliveira Martins; A
última corte do absolutismo, por Alberto Pimentel; Memória
histórica, por Silva Maia; Memórias, de José Liberato;
Crónica de D. Maria II, por Araújo; História de
Portugal, por Sousa Monteiro; História contemporânea,
por Martins de Carvalho; José Silva Carvalho e o seu tempo,
por António Viana; História contemporânea ou D. Miguel em
Portugal, por Arsejas, Documentos para a historia das cortes
gerais, tomo de 1828; Portugal e suas dinastias por
Correia de Mello; D. Miguel de Portugal e o seu tempo, por
Hermann Kuhn; A legitimidade da exaltação do Sr. D. Miguel,
por Filipe Avellar, etc., etc .
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Biografia
de D.
Miguel
O Portal da História
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